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CPI da Covid
O fim de uma CPI que prometeu muito e entregou pouco
João Salles
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP

Tendo ocupado o centro de boa parte dos noticiários durante meses, a CPI da Covid no Senado chega ao seu fim com a apresentação de seu relatório final neste último dia 20/10. Diferentemente do que defenderam diversos setores ao longo do último período, de que aí residia a esperança de avançar na luta contra o governo Bolsonaro, este hoje se encontra em uma situação de sustentação considerável. Com indiciamento por 9 crimes no texto, todos já bastante conhecidos por todos, quais os resultados efetivos da CPI no regime político apodrecido do Brasil?

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Com mais ou menos 5 meses de duração, vimos “altos e baixos” da CPI nos holofotes da mídia e também no peso que teve em relação à política de diversos partidos, incluindo organizações de esquerda como o PSOL, mas também do petismo e seus satélites. Como viemos apontando desde o início, a CPI da Covid pelo seu próprio caráter, e por ser uma política também impulsionada por setores burgueses do próprio regime não seria capaz de "impor justiça", como diziam vários de seus entusiastas. O que temos agora é um relatório, mas que ninguém sabe muito bem por quem, e quando seriam julgados os crimes apontados. O que sempre se disse, é que ela foi um instrumento de desvio e contenção da revolta social que se gesta no “barril de pólvora” que chamamos de Brasil, uma medida conhecida popularmente por sempre “acabar em pizza”, isto é, sem conduzir a uma solução efetiva para a questão investigada, além de encerrar-se com acordos entre todas as partes do processo.

No entanto, seria ingenuidade pensar que o que ocorreu na CPI não tenha impactado seriamente nas disputas entre os distintos atores do regime político e de frações beligerantes da burguesia. Apesar de na leitura do texto final realizada pelo relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB), este ter responsabilizado Bolsonaro por 9 crimes - subtraindo outras 2 acusações relacionadas aos povos originários - e indiciado outras 65 pessoas, incluindo os filhos do presidente e empresários ligados à política de extrema direita bolsonarista, o que temos de mais evidente enquanto “saldo final” foi justamente o fortalecimento do regime político fruto do golpe institucional, e a plataforma para alavancar as candidaturas da dita terceira via, tão responsáveis quanto na marca absurda das mais de 600 mil mortes evitáveis pela pandemia, da crescente inflação e dos níveis escandalosos de desemprego, fome e miséria, expressos nas filas do osso e do lixo pelo país.

Agora o texto final do relatório é encaminhado a diversas instâncias, como o Ministério Público e o próprio Arthur Lira, mas é importante ressaltar que até agora o elemento que predomina na situação reacionária do país é a preparação para as eleições de 2022. Então também os resultantes das tramitações se inserem neste marco, mas para além das conjecturas possíveis, passemos por cada uma das principais alas do regime, do Centrão ao judiciário - passando é claro pelos militares - e vejamos quais os impactos no rearranjo político, bem como na explícita falência da estratégia meramente eleitoral e institucional do PT e de setores da esquerda, apontando também as perspectivas para seguir na luta contra Bolsonaro, Mourão, os militares e o conjunto dos ataques capitalistas.

Veja nosso Editorial: É urgente um plano de luta contra a fome e o desemprego

O Centrão como maior beneficiário da CPI

Desde o ínicio foi evidente como este setor da política brasileira, extremamente fisiológico e parasitário, encabeçou a abertura do inquérito na reacionária casa oligárquica dos senadores. A efervescência política no país, com níveis de descontentamento crescentes que desembocaram em atos de rua com expressão nacional, necessitava uma resposta para evitar um descontrole. A burguesia opera então um movimento duplo, com o judiciário reincorporando Lula no jogo - que já anunciava perdoar seus algozes, e também se aproveitaram do negacionismo escancarado de Bolsonaro e de uma ala dos militares para localizar uma oposição institucional demagogicamente “racional”, que utilizou a CPI para lavar a cara da co responsabilidade na condução catastrófica da pandemia, no sucateamento do SUS e do envolvimento em esquemas escusos para se favorecerem em meio a crise sanitária.

Para tanto foi preciso jogar as luzes sobre alguns dos seus, como foi com Ricardo Barros (PP) acusado de chefiar o esquema de corrupção na aquisição das doses da Covaxin, também podemos destacar a aparição do fenômeno um tanto peculiar dos “irmão Miranda” que encabeçaram a denúncia, e que até então eram base aliada sólida do governo. No entanto, vale ressaltar que Barros continua atuante no Congresso, e aqueles irmãos Miranda que prometiam "implodir" a república hoje estão mais em silêncio do que catacumba. Este talvez tenha sido o momento ápice das tensões e disputas palacianas na CPI, onde os militares voltaram ao centro dos noticiários envolvidos no escândalo que esbarrou em coronéis e no próprio general Pazuello. O bloco de governo até então consolidado entre o clã de extrema direita bolsonarista e o oficialato das Forças Armadas passou a sofrer investidas maiores por parte da oposição institucional, aumentando o desgaste da popularidade e também forçando a uma condição de dependência maior do famoso “toma lá dá cá”.

Não somente o Centrão propriamente dito, mas setores de uma direita mais tradicional e até mesmo da extrema direita - como é o caso do PSL, passaram reverberar as acusações, além do espaço nas mídias burguesas para cobertura, na esperança de ocuparem o espaço de Bolsonaro nas eleições com a terceira via. Mas sobretudo, vimos que um dos resultados mais notórios foi a reconfiguração ministerial na esteira dos acontecimentos, com Ciro Nogueira (PP) no Ministério da Casa Civil. O governo já vinha sofrendo uma pressão forte por parte da gestão imperialista dos democratas e de Biden para destrumpizar sua gestão, isto é, derrubar as figuras mais ideológicas ligadas a corrente internacional de extrema direita alinhada ao adversário republicano. Os expoentes das denúncias na CPI parecem ter também as digitais do imperialismo ianque, e cavaram seu espaço no coração do bloco governista, aumentando a necessidade - e o preço equivalente - de sustentação na câmara.

O autoritarismo do judiciário burguês que se fortaleceu

Os embates entre o judiciário e o bolsonarismo não são exclusivos do “momento CPI”, mas também se aprofundaram neste marco. Os juízes com salários exorbitantes e sem serem sequer eleitos viram a oportunidade de disciplinar o governo para que este avançasse com o projeto econômico dos capitalistas de reformas e privatizações. Se gerou a expectativa de que o STF endossasse a tese do crime de responsabilidade de Bolsonaro e que pressionaria pela abertura do processo de impeachment na câmara dos deputados, mas não foi exatamente assim que se deram as coisas.

Em primeiro lugar é preciso dizer que, assim como diversos outros crimes e acusações explícitas para todos, não é incomum vermos figuras como o ex-presidente golpista Michel Temer (MDB) até mesmo concordarem que é possível enquadrar nesta categoria as ações do atual presidente. No entanto, o cálculo é feito muito mais pela conveniência política do que pelas ações em si, e ao que tudo indica, ao menos por enquanto, não há clima de provocar uma nova instabilidade e desprestígio das instituições com o “trauma político” do impeachment. Mais uma vez todos esperam que a situação se resolva, pacificamente, pela via das eleições.

Mas o judiciário se aproveitou da situação para enquadrar o governo e golpear bases de sustentação. Bolsonaro, tendo preparado um contra-ataque aos setores da oposição institucional, se junto a setores dos militares como o ministro da Defesa general Braga Netto para questionar o sistema eleitoral e pautar a modificação do regime para o voto impresso. A retórica golpista foi estridente, vimos a cena escabrosa do desfile militar na Praça dos Três Poderes, e ameaças de que se não houvesse a alteração sequer haveriam eleições, e a vitória por maioria simples na votação da PEC - insuficiente para alterar o sistema de votação, mas ainda sim conquista importante do bolsonarismo - impactou nas relações entre o governo e o judiciário, sobretudo o TSE.

Contudo, lembremos também que a escalada entre Bolsonaro e Alexandre de Moraes do STF chegou ao ápice dos atos de cunho golpista do 7 de Setembro, e o ministro determinou a investigação e prisão de diversos aliados do presidente como o crápula Roberto Jefferson (PTB). A disputa entre distintos projetos autoritários, como já mencionamos anteriormente, marcaram uma conjuntura onde os métodos arbitrários de perseguição judicial se voltaram contra ativistas como Paulo Galo, mantido preso durante dias, e de ativistas sindicais como o metalúrgico de SJC, Macapá.

O governo cedeu em grande parte na disputa, e agora Bolsonaro apela para seus “amigos” no judiciário, dizendo que estes representam a democracia em nosso país, em mais um claro sinal de debilitamento e isolamento político.

Os militares foram golpeados, mas longe de estarem derrotados

Que o alto escalão das FA é base sólida de sustentação do governo de extrema direita do clã bolsonarista todos já sabemos. Desde a ditadura militar esta é a gestão com maior número de militares da ativa e da reserva, e tendo ocupado postos chave durante o auge da crise sanitária com o general Pazuello enquanto ministro da Saúde. É justamente por isso que já poderíamos esperar estarem envolvidos em todo tipo de esquema corrupto junto a Bolsonaro, mas o nível de imbricação entre ambos também cobrou um preço, e a publicização dessas relações jogou no sentido de aumentar a desconfiança e o descontentamento popular com a participação dos filhotes da ditadura militar na política nacional.

É importante ressaltar que, apesar do relatório final citar Pazuello e Braga Netto - respectivamente generais de três e quatro estrelas, o nível maior de exposição se limitou aos coronéis e seus mandatários nos esquemas de corrupção. O regime não queria ir “fundo demais” em revirar o amontoado de podridão, sabendo que comprariam uma briga desestabilizadora em níveis inéditos. No entanto, as trocas de farpas entre o presidente da CPI Omar Aziz (PSD) e os comandantes das FA repercutiram negativamente para a instituição. Pazuello, mesmo após ter participado de ato político junto de Bolsonaro enquanto oficial da ativa, foi inocentado pelo reacionário Superior Tribunal Militar que historicamente existe para inocentar os assassinos, torturadores e responsáveis por crimes inescrupulosos.

Após os atos do 7 de Setembro e o arrefecimento da crise política, os militares saíram um pouco de cena. Mas o debilitamento conjuntural não representou nenhum retrocesso na ingerência política que exercem no regime, pelo contrário, serviu para consolidar um arranjo onde estes estão ainda mais na tutela das eleições de 2022. Além disso, o orçamento da pasta da defesa no Planalto já ocupa a quarta posição, com os privilégios das altas patentes ficando em 11,8 bilhões de reais. Bolsonaro recentemente disse que não há risco de golpe, que se compromete a não melar as eleições, e que é possível confiar no sistema eletrônico agora que os militares conquistaram posições maiores no processo eleitoral, como desenvolvemos neste artigo.

Ou seja, a crise política da CPI serviu também para que os generais aprofundem a degradação bonapartista do regime político brasileiro.

O beco sem saída da estratégia institucional e a urgência de uma resposta independente dos trabalhadores

Ao terem atrelado a realização dos atos de rua pelo Fora Bolsonaro a uma pressão parlamentar pelo impeachment, o PT e Lula se aproveitaram do desgaste gerado pela CPI para aumentarem a vantagem nas pesquisas eleitorais pela candidatura do ex-presidente. Apesar de colocarem a questão do impeachment de maneira vacilante, é nítido como a estratégia de “deixar o governo sangrar” não tem como perspectiva alguma a derrubada do mesmo em um momento próximo. Neste sentido, Lula cumpre exatamente o papel pelo qual foi reabilitado pelo judiciário, em conter e canalizar para a via das eleições todo ódio e descontentamento social que se fazem latentes.

Outra expressão da mesma política é justamente a criminosa trégua em que se encontram as grandes centrais sindicais do país, como a CUT e a CTB - dirigidas respectivamente pelo PT e pelo PCdoB, que tem atuado permanentemente para isolar e sufocar os focos de luta e resistência esparsos pelo país. A classe demonstra que tem reservas para se enfrentar com os ataques em curso, mas estes partidos preferem manter um clima de desmobilização e passividade, justamente para que as alianças costuradas na frente ampla, com a direita liberal inclusive, não sejam atrapalhadas.

A consequência disso se dá no fato dos ataques serem aprovados sem que haja uma luta à altura de barrá-los, ataques como as reformas e privatizações que impactam cada vez mais na situação de miséria, fome e desemprego que assolam os trabalhadores no país. Querem que esperemos nas filas do osso e do lixo até 2022, pacificamente, e que o máximo que podemos almejar é votarmos no ano que vem em uma candidatura de Lula com Sarney e outras figuras carimbadas da burguesia reacionária brasileira.

Veja também: Privatizações e reformas potencializam a inflação no Brasil, produzindo carestia e fome

Até mesmo grande parte dos setores que se colocam como oposição ao petismo pela esquerda, como o PSOL, a UP, o PCB e o PSTU, defenderam que a saída para avançar na luta contra o governo Bolsonaro passaria por uma “unidade de ação” com a direita liberal em torno do impeachment. Mas agora, com o relatório final da CPI e as possibilidades do impeachment cada vez mais longínquas, é preciso reconhecer que o seguidismo da estratégia institucional levantada pelo petismo e pela oposição de direita do regime serviu para muitas coisas, menos avançar na luta contra Bolsonaro.

Como viemos defendendo em nossas campanhas, é preciso fortalecer um polo na luta de classes que organize e impulsione a luta dos trabalhadores, da juventude, indígenas, mulheres e LGBTs, de madeira independente. Um polo que deve servir como ponto de apoio para fortalecer e coordenar as lutas em curso, bem como exigir que as grandes centrais sindicais rompam com a trégua criminosa que se encontram em relação ao governo, organizando os trabalhadores democraticamente a partir de cada sindicato e local de trabalho em um plano defensivo e emergencial. Um plano de combate ao desemprego, da divisão das horas de trabalho entre empregados e desempregados, do reajuste salarial de acordo com a inflação para combater a fome e a miséria, por empregos com plenos direitos para todos.

Estas medidas se chocam com a ganância e o lucro capitalistas, e necessitam uma estratégia de independência de classe e da auto organização, onde os trabalhadores tomariam a linha de frente de pensar as soluções para os problemas mais sentidos pelo conjunto da população que amarga os sintomas de um capitalismo decadente em crise. Acreditamos que como forma de avançar nestas e em muitas outras questões estruturais de nosso país é que precisamos apostar somente na força da nossa mobilização, para enfrentar o conjunto do regime político apodrecido e seus ataques, impondo pela luta uma nova Constituinte Livre e Soberana. Que neste processo possamos avançar em compreender que somente lutando por um governo de trabalhadores em ruptura com o sistema capitalista é que defenderemos nossos direitos, conquistaremos muitos outros, e faremos com que sejam eles, os capitalistas, e não nós, a pagarem pela crise que criaram.

 
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