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Filhos do golpe: o otimismo na homenagem
Maré
Professora designada na rede estadual de MG

agora que conheci a obra “Filhos do Golpe”, de Lina Handam, e a vi apresentar seu trabalho, vou ler o que a autora tem a dizer dele. mas antes preciso compartilhar o que senti.

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Imagem: detalhe da obra "Filhos do Golpe"

(texto escrito em 22 de julho de 2022)

no chão estão várias telas azuis estampadas de processo. homenagear cada vítima do golpe institucional de 2016, mortas pela polícia, é difícil demais no Brasil. no momento que concluo escrever sobre a homenagem que vi, mal digeri que no dia anterior aconteceu a quarta maior chacina da história no RJ.

lembro de quando vi as telas pela primeira vez: sequer deu tempo de tirar a fita crepe dessa aqui e ela teve que fazer outra, para homenagear outro trabalhador negro. a tinta branca me lembra corretivo no caderno, quando a gente escreve de caneta e erra. será que ela ia escrever um nome e o branco foi pra corrigir e escrever outro, o nome do dia seguinte? são muitos para homenagear. será que me embruteci?

ela terminou de falar sobre o trabalho e deixou ao fundo a foto de uma tela coberta de fita crepe. meramente ilustrativo, até eu ver que tinha um nome ali. que nome é? poderia ser qualquer um, e isso poderia me deixar triste, será que embruteci? mas não, eu estava emocionada demais para acreditar nisso. é que o fato de que poderia ser qualquer nome, não sei porque, me fez lembrar do marx dizendo que no comunismo toda a humanidade será elevada ao patamar dos poucos grandes gênios de hoje.

ela inverteu o sentido da homenagem em placas de ruas, porque normalmente essas placas têm nomes de quem fez grandes feitos. que piada. que mentira grotesca e nauseante. ela colocou o nome de quem teve arrancada a possibilidade de fazer com as próprias mãos o feito de criar a vida futura. mas eu não duvido nem por um segundo que nós a criaremos, carregando os nomes dos que poderiam estar conosco.

grande e generosa obra protesta em azul, sem usar o vermelho como usam as capas de jornais e como a gente tem que usar nas bandeiras. mas a minha emoção não é consternação pelos mortos - não dessa vez. é por olhar a foto daquela tela projetada na parede e pensar no futuro em que não precisaremos homenagear os nossos mortos, que possamos desistir disso antes de terminar de tirar a fita crepe. nesse futuro, homenagearíamos os vivos, os vivos certos? acho que não, acho que a própria vida será a homenagem.

volto a pensar no que transmite a estampa de processo, e agora dou um significado que me enche de calor. não consigo mais ver o processo apenas coberto de angústia, lamento, revolta, frustração por não ser possível homenagear tantos… a estampa do processo agora me transmite a possibilidade do definhamento da necessidade de homenagear; me transmite a imagem de uma artista que parou na metade sua homenagem na tela para se somar à luta de classes e nunca mais voltou, pois a melhor homenagem terá sido feita aí; me transmite a dinâmica permanente da revolução.

 
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