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Interrogatório (1982): A perversa tirania stalinista sob as lentes do cinema polonês
João Paulo de Lima
Estudante de Ciências Sociais - UFRN

Com atuação marcante da atriz Krystyna Janda, filme polonês de 1982 destrincha de forma nua e crua a odiosa lógica do aparato stalinista, que perseguia revolucionários e civis por meio de falsas acusações, buscando garantir os interesses da burocracia stalinista. Um grande relato histórico do que foi a caricatura sinistra do socialismo feita pelo stalinismo, e ao contrário de cair na crítica anticomunista vazia da direita e da burguesia, devemos limpar a bandeira do comunismo dessa mancha chamada stalinismo, vendo que esta tradição contrarrevolucionária vai na contramão de construir o caminho para uma sociedade verdadeiramente emancipadora.

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O filme se passa na primeira metade da década de 1950, e a protagonista do filme é Antonina Dziwisz, muito bem interpretada por Krystyna Janda, fazendo o papel de uma cantora de cabaré na Polônia stalinista que, depois de se apresentar para soldados, sai para beber com dois homens que a embebedam. Antonina fica praticamente inconsciente, e ao invés de ser levada para casa, os homens a levam para uma prisão militar política para ser presa e interrogada, sem que lhe digam por quê.

A partir daí, Antonina vai sofrer com a tirania e os abusos dos oficiais stalinistas, obrigando a personagem a expor fatos pessoais da sua vida privada que em nenhum momento tem relação com uma suposta traição política. Junto com os interrogatórios subsequentes, os torturadores tentam obrigar Antonina a testemunhar contra o major Olcha, acusado de supostamente trair a pátria.

Com uma atuação impecável por parte de Janda, a personagem recusa desafiadoramente a compactuar com as mentiras que lhe são impostas e assinar falsos protocolos, e sofre com o sadismo e as torturas físicas e mentais dos oficiais, também ficando escancarada o abuso odioso dos corpos femininos e a misoginia mais abjeta contra as mulheres, mostrando todo o reacionarismo do stalinismo, que sempre perseguiu mulheres e homossexuais.

A burocracia stalinista polonêsa proibiu o filme de exibição pública por mais de sete anos, só podendo ser exibido publicamente em 1989. Mas mesmo antes o filme teve uma circulação clandestina de cópias VHS gravadas ilegalmente. O filme teve seu primeiro lançamento teatral em dezembro de 1989 na Polônia e foi inscrito no Festival de Cinema de Cannes de 1990, onde Krystyna Janda ganhou o prêmio de Melhor Atriz e o filme foi indicado para a Palma de Ouro.

O filme chegou a ser criticado em Cannes por supostamente não ser historicamente realista. Em resposta a isso, em entrevista, Janda afirmou que "a história foi realmente baseada na vida de duas mulheres reais que viveram no inferno stalinista: Tonia Lechmann [militante comunista] e Wanda Podgórska [1], a secretária de Władyslaw Gomulka [ex-secretário do Partido Comunista]. A Sra. Podgórska, que passou seis anos na prisão, incluindo duas em uma cela de isolamento, serviu como minha consultora no filme. (...) Tínhamos que ter certeza de que documentamos o filme muito bem porque tínhamos que defender tudo o que fazíamos diante de um comitê de crítica. Por isso a reação francesa no festival de Cannes me deixou com raiva. Era notavelmente factual [2]".

O filme muito provavelmente não foi feito por marxistas com uma perspectiva revolucionária, mas nem por isso deixa de denunciar de forma nua e crua a odiosa lógica do aparato totalitário stalinista, que não tem nada a ver com o marxismo e por isso vale a pena ser visto por aqueles que se aproximam das idéias revolucionárias. Longe de ser um "mal necessário", os expurgos e perseguições do stalinismo tinham como objetivo calar as vozes daqueles que poderiam incendiar o descontentamento das massas contra o totalitarismo conservador do stalinismo.

Sem cair na falsa e hipócrita crítica anticomunista da direita e da burguesia, que se utiliza dos absurdos do stalinismo para condenar o comunismo, é preciso denunciar o que aconteceu durante o stalinismo, com seus expurgos, assassinatos, censuras e perseguições, pois tudo isso não tinha nada a ver com o comunismo ou socialismo, e sim com métodos contrarrevolucionários para garantir os privilégios da burocracia. A obra de emancipação da classe trabalhadora só pode ser obra da classe trabalhadora, e se existe de fato alguma traição à classe trabalhadora, esse deve ser investigado pelos espaços de democracia operária e de auto-organização da própria classe trabalhadora, e não por camarilhas escolhidas à dedo obedecendo as hierarquias do poder. Ao mesmo tempo que não se pode idealizar as massas, não é possível substituir as massas. Não é possível fazer “a felicidade das massas” sem a sua intervenção, que serve para reduzir a confiança das massas em si mesmas, substituindo-as pela adoração dos “chefes”. Estes meios só podem servir para prolongar o domínio de uma camarilha.

Como diz Trotsky em A Revolução Traída, “os sucessivos expurgos do partido e das organizações soviéticas têm como objetivo impedir que o descontentamento das massas encontre uma expressão política coerente. Mas as repressões não matam o pensamento, só conseguem escondê-lo. Amplos círculos de comunistas e também de sem-partido têm duas convicções: a oficial e a secreta. A delação e a espionagem estão corroendo as relações sociais. A burocracia classifica, invariavelmente, seus inimigos de inimigos do socialismo. Com a ajuda de falsificações jurídicas, que já se tornaram um hábito, imputa-lhes qualquer crime que ache conveniente. Arranca dos fracos, sob ameaça de morte, confissões que ela própria lhes dita e das quais se serve depois de acusar os mais firmes" [3].

De acordo com o historiador russo Vadim Rogovim, durante o regime de Stalin, por volta de 4 milhões de pessoas (a metade das quais apenas em 1937 – 38) foram levadas aos campos e cárceres políticos, sendo fuziladas entre 700 mil e 800 mil (a grande maioria também nos anos mencionados). Se o “socialismo” é um regime de perseguições, de expurgos, de tortura e de assassinatos, como vamos convencer as massas a lutar pelo socialismo? Assim, o stalinismo vira uma arma na mão da burguesia para manchar a bandeira do comunismo [4].

Mas não há ameaças ou perseguições que possam quebrar a fidelidade à revolução dos revolucionários. Mesmo os revolucionários sendo minoria, isso em nada os faz desmoralizar. Como disse Trotsky, “basta uma dezena de revolucionários num regimento, numa atmosfera superaquecida, para fazê-lo passar para o lado do povo” [5]. É por isso que o stalinismo tem um medo terrível dos pequenos grupos revolucionários. “Esse medo, que faz tremer a burocracia stalinista, explica a crueldade das perseguições e as calúnias venenosas” [6].

Interrogatório é um filme com cenas fortes, que exige de nós certo estômago para assistir a crueldade dos torturadores stalinistas, mas serve como peça de denúncia da caricatura sinistra do socialismo feita pelo stalinismo. É preciso fazer como dizia Walter Benjamin e escovar a história a contrapelo, buscar a verdade ocultada dos vencidos, fazer um acerto de contas com a história para limpar a bandeira vermelha do comunismo dessa mancha nefasta que foi o stalinismo, para retomar os fios de continuidade daqueles que lutaram abnegadamente por uma sociedade livre de opressão e exploração onde a humanidade seja finalmente livre e possa desenvolver todas a sua criatividade, e para isso podemos aprender com a história e com a arte, para evitarmos que essa farsa chamada stalinismo se repita na história e traga novas e nefastas derrotas para a classe trabalhadora e setores oprimidos.

O filme completo pode ser assistido aqui, basta ativar as legendas em português:

 
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