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A atualidade da HQ Persépolis e a luta das mulheres iranianas
Grazieli Rodrigues
Professora da rede municipal de São Paulo

Nos últimos meses, o mundo parou pra ver a explosão de revoltas massivas que tomaram as ruas do Irã em repúdio ao assassinato da jovem curda Mahsa Amini espancada até a morte pela polícia moral do estado teocrático de Ibrahim Raisi que impõe o controle dos corpos e das vidas das mulheres e LGBTS.

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No aclamado filme Persépolis, inspirado na HQ que conta a história da vida da escritora Marjane Satrapi, nos deparamos com um pouco do que significava para uma jovem, viver sob um governo ultraconservador e reacionário xiita. O filme observa as diferenças sentidas no cotidiano antes e depois da revolução iraniana. As denúncias feitas no longa metragem foram suficientes para fazer o governo do Irã enviar uma carta à embaixada da França em Teerã, protestando contra o filme que chegou a ser proibido no Líbano devido ao seu conteúdo político e pela abordagem que dá aos temas religiosos.

Diante da atualidade de Persépolis, no programa Esquerda Diário 5 minutos de 27 de setembro, falamos da obra da quadrinista iraniana que nos possibilita ampliar nossos entendimentos sobre o que está acontecendo no Irã neste momento, por meio dos entrelaçamentos que a narrativa revela entre a história do país e as vidas dos personagens. Na antiguidade a capital da região hoje chamada de Irã, era Persépolis, uma cidade agora em ruínas que foi incendiada por ordens de Alexandre o Grande, indicando que já há muito tempo a nação iraniana vem sendo alvo de disputas, sendo atualmente o imperialismo moderno, aplicado pela burguesia mundial, quem cumpre esse papel de dominação.

Durante o filme vemos a diferença de atuação do regime antes e depois da revolução de 1979. Anteriormente havia maior liberdade para discussões políticas e as mulheres eram, aparentemente, menos oprimidas: não eram obrigadas a utilizar o véu, sentiam-se à vontade para usar minissaias e debater o direito ao divórcio, por exemplo. É que na época os iranianos eram governados pelo monarca Xá Mohammad Reza Pahlevi, que tinha como projeto tornar o Irã um país capitalista moderno, seguindo o exemplo dos países europeus mais avançados, de modo a poder competir com eles, por isso incentivava sua população a adotar hábitos já existentes nos países capitalistas modernos acreditando que a interiorização desses valores auxiliaria no desenvolvimento pretendido, dessa forma o governo não apenas não obrigava o uso do véu como ainda o proibia, podendo a polícia, inclusive, removê-lo a força. No entanto, a sociedade iraniana, encabeçada pelos setores tidos como mais progressistas da época, lutavam pela derrubada do Xá.

São inegáveis as diferenças na forma de dominação sobre as mulheres após a revolução. Antes elas já tinham conquistado direito ao voto, além de leis que reconheciam o direito das mulheres ao divórcio, à guarda dos filhos e ao aborto. Todos esses direitos caem com a entrada do novo regime. Mas apesar destes contrastes, os iranianos tinham suas razões nos desejos de derrubada do monarca Xá.

Persépolis nos conta, que mesmo antes da revolução o avô da protagonista já havia sido perseguido por ser comunista, e deixa amostra as interferências que havia do governo inglês com claros interesses no petróleo iraniano. Na realidade, apesar dos avanços com relação aos direitos das mulheres, as condições de trabalho para toda a população eram péssimas, a fome assolava uma massa de famintos, havia uma enorme crise, alta inflação, e o monarca era, também, bastante autoritário, chegando a criar a Savak, a polícia secreta iraniana, que atuava vigiando as pessoas e fechando locais onde civis se reuniam em organizações políticas. Tudo isso levou a família da Marjane a apoiar os protestos se juntando às amplas camadas da sociedade que lutavam pela revolução.

O problema é que a revolução não tomou os rumos imaginados pela família da Marjane, todo o processo insurrecional acabou sendo desviado para um governo islâmico teocrático, sob comando do autoritário Aiatoná Ruhollah Khomeini. Com o aumento da repressão, o tio da Marjane é preso por ter se envolvido na luta pela independência do Azerbaijão, uma nova república no nordeste do Irã. Na prisão ele é torturado por agentes treinados pela CIA presentes para que fizesse prevalecer os interesses do Reino Unido e dos norte-americanos contra governos nacionalistas que atuassem com a indústria petrolífera ou nos planos de expansão soviéticas.

Toda narrativa é muito interessante para notarmos as diferentes formas de dominação do capitalismo atravessadas nas últimas décadas pelo Irã, e como as revoluções podem ser desviadas pelo próprio capitalismo para que a classe trabalhadora não consiga se auto organizar para tomada do poder. Mas nada disso deve nos impedir de continuar lutando, como nos mostra, neste momento, as explosões sociais no Irã. Delas podem decorrer o potencial de construir fios de continuidade com a luta histórica das massas iranianas contra seus regimes opressores e a ameaça do imperialismo, que oprime e explora esse povo como tão bem nos conta essa magnífica obra.

Para que as mobilizações que estão surgindo contra a opressão das mulheres avancem de uma forma que responda aos interesses dos oprimidos e explorados, é importante vincular a luta contra regime, particularmente antidemocrático e patriarcal no Irã com uma luta contra o sistema capitalista sustentado neste país pelos mulás (clérigos xiitas) burgueses. Sem esquecer, nem por um segundo, que a revolução iraniana não foi apenas uma revolução contra o regime do monarca Xá, como contra as forças imperialistas que se beneficiavam do seu governo, como se beneficiam do atual governo também. Por isso, nessa perspectiva, precisamos cercar de solidariedade os protestos que acontecem hoje no Irã, liderado por mulheres e trabalhadores, exigindo justiça por Mahsa, pela separação da igreja e do estado, contra o regime teocrático sustentado pela opressão patriarcal e pela exploração capitalista.

 
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