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Ideias de Esquerda
Argentina 1985. Julgamento das juntas militares: Hebe de Bonafini e a importância da independência política
Gonzalo Adrian Rojas

Há cerca de duas semanas, falecia na Argentina uma figura emblemática na luta pelos direitos humanos no país, Hebe de Bonafini, fundadora e dirigente das Madres de la Plaza de Mayo [Mães da Praça de Maio]. Seu falecimento se dá quando o filme Argentina 1985, dirigido por Santiago Mitre e protagonizado por Ricardo Darín, que foca no julgamento das juntas militares que governaram na ditadura militar (1976-1986), faz sucesso em países como Argentina e Brasil. Justamente neste artigo queremos destacar a importância da independência política que manteve Hebe e seu setor das Mães nesse momento histórico - independentemente de diferenças políticas com sua trajetória política posterior, muitos anos depois, de apoio ao kirchnerismo.

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No Ideias de Esquerda, publicamos um primeiro artigo sobre Argentina, 1985 que tentava contribuir colocando alguns elementos sobre os desaparecidos: as presenças e ausências no filme. Em um segundo artigo intitulado Alfonsín, “transição à democracia” e luta pelas liberdades democráticas, realizávamos uma análise crítica das teorias que a ciência política institucionalista denomina “transição à democracia” e do governo de Raúl Alfonsín, governo durante o qual se realiza o julgamento das juntas militares. E foi realizada uma entrevista para o Cárcara, Semanário de Arte e Cultura. A partir desses elementos, construímos este novo artigo que, como antecipamos, foca na importância da independência política frente ao Estado e ao governo que teve o setor de Hebe de Bonafini das Mães nesse período histórico.

No dia 30 de abril de 1977, Azuzena Villaflor junto com outras treze mães de desaparecidos se manifestam na pirâmide de Maio na Praça de Maio em frente à Casa de governo na Argentina. A ditadura proibia que mais de três pessoas estivessem paradas juntas num lugar sem se movimentar, por isso, para driblar essa ordem militar, iniciam as rondas na pirâmide de maio das Mães da Praça de Maio, que depois se realizariam toda quinta-feira às 15.30h até os dias de hoje.

Em 8 de fevereiro de 1977, o filho mais velho de Hebe de Bonafini, Jorge Omar Bonafini foi sequestrado e desapareceu, na cidade de La Plata, e em 6 de dezembro do mesmo ano, ocorreu o mesmo com seu outro filho Raúl Alfredo Bonafini, em Berazategui, também no estado de Buenos Aires. Por sua vez, em 25 de maio de 1978, desapareceria também sua nora, María Elena Bugnone Cepeda, esposa de Jorge. A busca por seus filhos desaparecidos fez Hebe de Bonafini integrar as Mães da Praça de Maio.

Azuzena Villaflor torna-se desaparecida pela ditadura militar poucos meses depois. É entregue por um marinheiro infiltrado como familiar de desaparecidos, Alfredo Astiz, nas reuniões que se realizavam na Igreja Santa Cruz em Buenos Aires. Depois dessa desaparição, será Hebe de Bonafini quem irá assumir cada vez mais protagonismo como dirigente das Mães da Praça de Maio, sendo presidenta da Associação Mães da Praça de Maio desde 1979. Nessa função, se encontrará Hebe durante o julgamento às Juntas militares anos depois.

Lembramos que esse julgamento, objeto do Filme Argentina 1985, fez parte da política de direitos humanos do governo de Raúl Alfonsín, que por sua vez fazia parte de sua política para as Forças Armadas na qual se enquadra o julgamento.
Em 1983, Raúl Alfonsin ganha a eleição sobre o candidato peronista Ítalo Argentino Luder, e a força do movimento de direitos humanos, junto às lutas do movimento operário depois da derrota dos militares nas Malvinas, continua crescendo com duas consignas centrais: “Aparição com Vida” (dos desaparecidos) e “Julgamento e Castigo a todos os culpados”.

Nesse sentido, o governo de Alfonsín elabora uma política de direitos humanos que tem como objetivo institucionalizar o movimento e recompor o papel das Forças Armadas no plano estatal no marco do novo regime político. Para isso, primeiro cria uma Comissão Nacional sobre a Desaparição de Pessoas (CONADEP), que era uma comissão de notáveis muito longe de uma comissão independente, com o objetivo de acumular informação. Tanto o governo de Alfonsín como a Conadep apresentavam a “teoria dos dois demônios”, que no filme aparece no discurso final do fiscal Julio César Strassera, segundo a qual a sociedade argentina foi uma vítima passiva primeiro dos guerrilheiros e depois dos militares. A crítica não é ao combate dos militares à subversão, mas aos métodos para esse combate. A sociedade, nessa leitura, não aparece dividida em classes, mas os mesmos dados da Conadep confirmam na distribuição de desaparecidos por profissão ou ocupação que as porcentagens de vítimas foram: 30,2% de operários, 21% de estudantes, 17,9% de empregados, 17,8% de profissionais, 5,7% docentes, 5% de autônomos e vários, 3,8% donas de casa, 2,5% das forças de segurança, 1,6% de jornalistas, 1,3% de atores e artistas, e 0,3% de religiosos. Os desaparecidos eram militantes e a ditadura foi uma ditadura de classe a serviço da classe dominante. No filme não aparece a explicação dos crimes dos militares vinculados aos setores econômicos e religiosos que apoiaram a ditadura militar, o que nos faz perder uma visão de totalidade.

Tanto a Conadep, já que os organismos de direitos humanos exigiam uma Comissão independente como o julgamento das juntas militares por junta e não de forma individual, divide o movimento de direitos humanos. Uma parte do movimento de direitos humanos vai defender a política do governo de Alfonsín como a única possível se subordinando ao Estado. Fundamentalmente, a Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos (APDH) e as Mães da Praça de Maio se dividem. Nesse momento tão importante e de enorme pressão pela institucionalização do movimento, Hebe de Bonafini lidera o setor que mantém a independência política do Estado e do governo.

Esse movimento de direitos humanos com sua luta havia obtido alguns triunfos, uma lei de autoanistia feita pelos próprios militares é derrotada, assim como a segurança de que a justiça militar não poderia julgar os crimes da ditadura, somente a justiça civil. Mas essa justiça, como aparece no filme, havia sido cúmplice da ditadura e muitos juízes haviam jurado pelo estatuto da junta militar. Alfonsín decide realizar o julgamento dos responsáveis máximos e, mesmo que o governo na ditadura fosse um triunvirato, um representante do exército, um da marinha e outro da aeronáutica, o julgamento foi realizado responsabilizando de forma individual. A reivindicação de julgamento e castigo a todos os culpados, assim como julgamento por junta militar - responsabilizando as três armas pelos crimes, não foi aceita.

Esse legado de luta contra governos e o Estado é o que preferimos lembrar no marco de sua trajetória política, porque foi o nos inspirou a milhares a defender as lutas do movimento de diretos humanos e através dele com as lutas no movimento secundarista a ingressar a uma militância que, com o tempo, se fará mais política.

 
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