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Corpos gordos que não cabem nesse sistema: Vitor, presente!
Patricia Galvão
Diretora do Sintusp e coordenadora da Secretaria de Mulheres. Pão e Rosas Brasil

Há alguns dias um rapaz de 25 anos morreu por negligência, às portas de um hospital. Vitor Augusto percorreu seis hospitais por 32 horas sem que fosse aceita sua internação. Sua mãe, Andreia, desesperada, gravou vídeos com pedido de socorro denunciando a situação. Não havia macas para gordos, não havia equipamentos, alegaram. Mas não havia a mínima preocupação com a vida de Vitor, negro, pobre, gordo.

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Não bastasse negarem atendimento a Vitor, negaram à sua mãe o direito de enterrar seu filho com um mínimo de dignidade diante dessa barbárie. Seu corpo morto no caixão desnecessariamente grande estava coberto por entulhos. Nem a morte iguala a todos. Não é assim com todo o resto, foi assim com um rapaz negro e gordo. O discurso da inclusão não se sustenta nem para garantir o mais elementar, a vida.

O trágico da morte de Vitor é que quando criticam as pessoas gordas o fazem com o discurso da preocupação da saúde. Mas, ao buscar atendimento médico, não havia uma simples maca para ele. Em seis hospitais não havia uma maca para obesos. Se a preocupação fosse a saúde, ele não estaria morto.

O debate aberto pela tragédia que Vitor foi vítima nos faz questionar quem cabe nesse sistema. O descaso com a sua vida, sendo levado de hospital a hospital como se fosse um objeto, sem que se garantisse condições mínimas para que ele pudesse sobreviver. A vida é somente para quem cabe nos padrões? A forma ultrajante como uma funerária colocou seu corpo morto, para o último adeus de uma mãe inconsolável, sobre um caixão desproporcional, cheio de lixo, é revoltante. Quem não estava dentro dos padrões quando vivo, merece tal tratamento diante da morte? Gordofobia e racismo mataram um rapaz de 25 anos.

Não é possível não lembrar que há quase 6 anos, uma jovem de 19 anos, Amanda Rodrigues, morreu por causa de um erro médico em uma cirurgia bariátrica. Amanda se submeteu a esse procedimento porque não suportava o preconceito, a gordofobia, a pressão sobre seu corpo.

Leia aqui: Sobre princesas, misses e Amanda

Há seis anos já havia todo um discurso de diversidade de corpos, empresas faziam propaganda com pessoas "normais", atrizes gordas protagonizaram clipes de músicas de sucesso, misses e modelos plus size ganhavam a mídia. De seis anos para hoje, houve um esforço enorme em fortalecer um novo nicho de mercado. Marcas famosas passaram a oferecer tamanhos "GG", realities show contaram com pessoas gordas no elenco. Mas é apenas isso, um nicho novo de mercado.

Recentemente o debate da gordofobia havia voltado à tona por causa do reality show Casamento às Cegas, experimento social, por assim dizer, onde se tenta provar, e se falha miseravelmente, que o amor pode acontecer antes que as pessoas possam se atrair fisicamente. Seria provar que o amor é mais forte do que qualquer padrão de beleza. No entanto, a maioria absoluta dos participantes, que são aspirantes a influencers, estão dentro dos padrões de beleza. Nessa temporada, que foi ao ar no início do ano, havia uma participante gorda que se apaixonou por um rapaz que sinalizou corresponder aos seus sentimentos. Mas o amor não durou quando foram apresentados cara a cara, corpo a corpo. Ele padrão, ela gorda.

Isso, obviamente, é uma gota no oceano. Custou à moça um coração partido. O problema é muito maior. Custou a vida do Vitor, da Amanda e custa a vida, o dinheiro e a saúde de milhares de mulheres.

Não dá para fingir que a sociedade moderna capitalista, toda inclusiva e diversa, de fato se importa. No mesmo jornal que divulga com letras garrafais a gordofobia, com a blogueira X falando sobre empoderamento, vai ter uma página de saúde falando da dieta da moda, uma de moda com pessoas magérrimas de roupa coladas, outra de comportamento expondo qual atriz/ator está na praia de férias feliz com o próprio corpo (magro e bronzeado), etc. Aliás, a suposta celebração da saúde é mostrar corpos sarados de mulheres acima de 50, quando a sociedade já considera a mulher velha (não o homem). Talvez seja por isso que a indústria do emagrecimento e da beleza continue sendo tão lucrativa mesmo com tanta diversidade.

A morte de Vitor não deve ser apenas mais uma estatística médica. O direito elementar a vida e o acesso a saúde não podem ser tratados de forma tão leviana a ponto de custar a vida de um jovem rapaz. Nosso corpo não cabe nos padrões do sistema, que se tornaram verdadeiros caixões para enterrar nossa existência. Temos um corpo vivo que respira e que quer viver livre dos padrões que não nos cabe...

 
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