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MILITARES NA POLÍTICA
Os generais movem suas peças no tabuleiro
Thiago Flamé
São Paulo

Nos últimos dias três movimentações no xadrez militar precisam ser compreendidas na sua conexão. O vazamento da íntegra da fala do atual comandante do exército quando ainda era o comandante do sudeste. A anuência do Supremo Tribunal Militar de que o STF julgue os militares envolvidos no 8 de janeiro. E, como complemento, a divulgação do documento oficial “diretriz do comandante do Exército 2023/26”. Mais uma vez se coloca a questão: como combater o reacionarismo das forças armadas?

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Vejamos de perto o que visam as recentes movimentações do generalato. A oficialidade das forças armadas tenta se equilibrar numa posição defensiva instável e ambígua, tentando conter os danos causados pela ação de 8 de janeiro, como desenvolve Danilo Paris. Ao passo que precisam abrir o caminho para a colaboração institucional com o novo governo, fundamental para a continuidade dos programas estratégicos das Forças Armadas e para a posição material da oficialidade, o que os obriga a se diferenciar do bolsonarismo e sua retórica abertamente golpista, ao mesmo tempo precisam conter a influência direta de Bolsonaro sobre os quadros militares e manter sua capacidade de influenciar tanto o núcleo duro da base social bolsonarista (em grande parte composta de militares) quanto a base social mais ampla que deu a Bolsonaro a alta votação nas eleições.

Difícil acreditar na versão de que a divulgação do discurso do general Paiva foi um vazamento. Nunca se viu um vazamento tão conveniente e oportuno, que cai como uma luva para os interesses políticos dele e do Alto Comando, no intuito de se aproximar institucionalmente do novo governo sem desmoralizar para a base bolsonarista e de direita mais ampla.

O general fez uma falapolítica, do começo ao fim. Uma análise da política nacional de 2016 até aquele momento, tratando de discutir a situação dos militares depois do 8 de janeiro. O tom geral, dado pelos trechos que haviam vindo a público na ocasião da sua promoção, é o chamado ao respeito do resultado eleitoral. De conteúdo, como opinião “pessoal” o general se alinha aos manifestantes nas portas dos quartéis e ao questionamento às urnas eletrônicas, ao mesmo tempo em que trata de se diferenciar dos militares que participaram ativamente do 8 de janeiro, se diferenciar de alguns militares que deram argumento para uma narrativa que enfraquece a posição das forças armadas.

O timing do vazamento foi particularmente ajustado ao processo no STF. Paiva calibrou bem seu discurso de janeiro para golpear os militares que dão argumentos para os que, na sua visão, querem atacar a disciplina e a coesão militar. Justifica, com um mês de antecedência, a decisão do STM que será vista com maus olhos pela extrema direita, deixando para o STF o encargo de limitar o poder do bolsonarismo mais radical entre os militares.

Como complemento nada secundário a essas medidas, o comandante do Exército publicou suas diretrizes para os próximos três anos , em que divulga a visão do generalato sobre o complexo panorama geopolítico mundial em que “ o retorno da guerra de alta intensidade no continente europeu, a competição pelo desenvolvimento de tecnologias disruptivas, entre outras muitas características dos tempos atuais, conformam um ambiente de intensa competição interestatal”. E nesse cenário marcado pela tendência a instabilidade lançam um programa para liderar a extrema direita em que o exército, na palavra oficial do seu comandante se coloca como missão “garantindo a soberania do povo brasileiro, sua segurança e de suas riquezas naturais, sua cultura, seus valores e suas tradições”.

É preciso trazer um pouco de marxismo ao debate do que fazer com as Forças Armadas

Longe de um combate ao reacionarismo da caserna, e para além das aparências, o caminho de Lula e o da frente ampla é o da pactuação com o generalato, virando as costas para a demanda de nenhuma anistia. Para o 31 de março, aniversário do golpe de 64, o reacionário ministro da defesa está negociando mais uma vez um pacto de silêncio, em que o Alto Comando não comemoraria o golpe como vinha sendo feito no governo Bolsonaro, mas que tampouco o ministério da defesa emitirá qualquer nota de condenação histórica ao golpe militar. No STF, no julgamento em que se poderia limitar as prerrogativas da justiça militar, o próprio Alexandre de Morais votou a favor dos milicos, em mais um passo para pactuar as relações entre o autoritarismo judiciário e militar.

O oito de janeiro colocou no centro do debate nacional o que fazer com as forças armadas. Dos grandes jornais e emissoras, até a imprensa petista e de esquerda em geral, se debateu muito a necessidade ou a possibilidade de algum tipo de reforma nas forças armadas. No entanto, não existe um caminho para a reforma do exército que não passe por derrotar e desarmar a casta de oficiais que são o bastião mais coeso da reação. E desarmar e derrotar essa casta é um desafio gigantesco, uma verdadeira revolução, cujo objetivo não pode ser a reforma do exército, mas a dissolução dessa instituição armada que se auto intitula “exército de Caxias”.

Em uma obra interessantíssima (Leon Trotsky and the art of insurrection, 1905/1917), pelo seu próprio conteúdo e por quem escreve, o coronel estadunidense Harold Walter Nelson faz uma comparação entre a política bolchevique e a menchevique, entre a posição dos revolucionários e dos reformistas, em relação às forças armadas. Analisando a disputa pelas tropas, decisiva no momento culminante de todo processo revolucionário, toca num dos pontos fundamentais da própria discussão que temos que encarar no Brasil, que remete a essa disjuntiva, reforma ou dissolução:

“enquanto os bolcheviques estavam construindo apoio entre as tropas nas unidades, os mencheviques e eseristas trabalhavam para manter seus postos nos comitês de soldados.” Ou seja, uma política para as bases do exército, para aproximá-las dos interesses das camadas populares e romper as estruturas dessa instituição reacionaria, ganhando suas bases para se colocarem ao lado da revolução em ruptura com seus oficiais, ou uma política para as cúpulas, para as camadas dirigentes do exército, em prol de uma reforma democrática impossível de se concretizar.

Por distante que possa parecer da nossa realidade, a diferença entre bolcheviques e mencheviques nas questões militares transcendem os problemas particulares da revolução russa e sintetizam duas posturas opostas sobre o problema militar. A postura reformista, que historicamente se demonstrou incapaz de derrotar a oficialidade reacionária nos momentos decisivos, como vimos na Revolução Espanhola nos anos trinta, no Chile da década de setenta ou no próprio Brasil no golpe de 1964. Ou a postura revolucionária, que se demonstrou a única eficaz para derrotar a cúpula militar, que sempre é o último reduto da velha ordem que se recusa a sair de cena.

O ninho de golpistas que é a oficialidade das forças armadas não será destruído através de reformas e da promoção de novos oficiais. Antes de 1964 acreditava-se na força da oficialidade dita nacionalista, que havia garantido a posse de Juscelino e depois forçado a saída acordada do parlamentarismo em 1961. No golpe toda a oficialidade aderiu, em nome da preservação da coesão do exército e da manutenção da ordem. Enquanto o dispositivo militar dos generais tidos como legalistas falhava, os marinheiros rebelados contra o almirantado aguardaram ordens de combate que nunca chegaram. Não só da Rússia vem as lições, mas também da história da luta contra o golpe. O dispositivo formado pelos oficiais democráticos e nacionalistas foi inútil, mas a sublevação na marinha e a revolta dos sargentos mostraram onde estavam os pontos de apoio nas forças armadas pra enfrentar o golpismo: na sua base.

Hoje também as condições são muito diferentes daquelas do pré-1964. É preciso pavimentar o caminho se queremos introduzir um movimento aliado à classe trabalhadora e ao povo no interior das forças armadas, através não de um programa para renovar o corpo de oficiais, mas de uma atuação revolucionária sobre as forças armadas, que se choque contra o conjunto dessa instituição reacionária, tendo como foco combater em dois planos: atacar frontalmente o golpismo e as ações antipopulares dos militares e das polícias, exigir a punição de exemplar das torturas, assassinatos e de todos os crimes cometidos pelos milicos contra o povo, começando pela cúpula. Exigir o fim da justiça militar e de toda a legislação autoritária, como o o artigo 142 da constituição, que abre caminho para a tutela militar constitucional.
Desmoralizar e isolar socialmente a oficialidade, enfraquecendo em todos os sentidos suas posições. Ao mesmo tempo, apoiar todas as demandas dos praças das forças armadas que se oponham ao poder do generalato e que mostrem os interesses em comum que os ligam ao conjunto da classe trabalhadora e as camadas populares e os opõe ao generalato, ligado ao empresários e aos latifundiários escravagistas. Rechaçar todas as operações de lei e ordem e qualquer ação que coloque o exército para atuar como política, defender que soldados tenham o mesmo direito dos generais em se expressar politicamente, através de cartas, tuítes ou dos meios que julgarem convenientes, afinal, por que só os Pazuellos podem se manifestar e não os soldados?

As forças dos revolucionários ainda são fracas para iniciar e levar adiante essas tarefas, que de maneira nenhuma serão respondidas por Lula e pelos seus aliados na frente ampla. Que a fraqueza momentânea não nos leve a ver como única saída o caminho perdido da reforma militar e da aliança com Alckmin. É preciso fortalecer e agrupar as forças revolucionárias para abordar de frente os problemas que o combate ao golpismo no momento histórico que estamos entrando vão exigir.

 
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