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TRIBUNA ABERTA
Lanceiros Negros: passado e presente de traição e resistência; a incessante luta por liberdade.
Arthur Witter Meurer
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Há aproximadamente 172 anos acontecia, onde hoje se localiza a cidade de Pinheiro Machado, a maior traição da Guerra dos Farrapos e da História do Rio Grande do Sul, conhecida como o Massacre de Porongos. Esse episódio não é apenas mais um caso de traição, o qual a História é feita, mas retrata mais um dos inúmeros casos de traição ao povo negro escravizado.

A Guerra dos Farrapos (ou “Revolução” Farroupilha, como é miticamente chamada) foi um conflito entre os gaúchos, grandes proprietários de terras, contra o Império do Brasil. Insatisfeitos com as leis federais e com as altas taxações do charque (principal alimento dos escravos) e do couro, após algumas negociações, pelas quais se sentiram desfavorecidos, os Farrapos, alcunha dada aos gaúchos, declararam guerra ao Império em 20 de setembro de 1835.

Todavia, o primeiro corpo de lanceiros negros só fora incorporado aos “revoltosos” apenas em 1837, depois da derrota do Fanfa, quando cerca de 100 homens da infantaria perderam sua vida.

- Mas quem foram os Lanceiros Negros?

Os lanceiros negros foram escravos cooptados do Império do Brasil que aderiram a luta dos farrapos em troca (da promessa) de liberdade; lutavam em busca da tão sonhada alforria. Além disso, há duas teses sobre a participação dos escravos “gaúchos” na guerra: segundo o jornalista Juremir Machado da Silva e o historiador Euzébio Assumpção, “os escravos farroupilhas ficavam nas fazendas para que os seus ‘donos’ pudessem ir à luta”; a segunda tese é que os escravos farroupilhas eram mandados à luta para preservar a vida dos filhos dos seus proprietários. Como a história não é uma ciência exata, admitimos que ambas as coisas podem ter ocorrido, tanto escravos farroupilhas terem ficado nas fazendas para trabalhar quanto regimentos de escravos indo ao campo de batalha.

- A traição: o financiamento da guerra e o Massacre de Porongos

Primeiramente, antes mesmo da guerra iniciar, o fazendeiro, dono de uma charqueada e militar Domingos José de Almeida vendeu negros no Uruguai para financiar o trem de guerra (armas, mantimentos, vestimenta). Ou seja, a “Revolução” Farroupilha só inicia por causa da venda da mão-de-obra escrava.
Em segundo lugar, venho reforçar uma parte da história gaúcha esquecida propositalmente: o Massacre de Porongos e a traição de David Canabarro.
David Canabarro, antes de qualquer coisa, era um escravocrata e além disso, um traidor, pois diversas vezes fora avisado que as tropas do Moringue (Francisco Pedro de Abreu, militar do Império) estavam pelos arredores do acampamento farroupilha, sendo que três dias antes do Massacre de Porongos, no dia 11 de novembro de 1844, uma vanguarda farroupilha encontra com uma vanguarda do Moringue; seis pessoas morrem após esse conflito. Há uma suposta carta, assinada pelo futuro Duque de Caxias, chefe dos imperiais, enviada ao Moringue, onde diz para que suas tropas avançassem sobre o acampamento de Porongos, pois havia um acordo comum entre ele e Canabarro. Curiosamente, a um dia do genocídio ocorrer, Canabarro recolheu o cartuchame, o arsenal da infantaria e os lanceiros usando a desculpa que a “guerra já estava por ser encerrada”, sem contar o fato que as tropas do Moringue atacar única e exclusivamente o acampamento dos negros.
Segue trecho da suposta carta de Caxias:

"No conflito, poupe o sangue brasileiro quando puder, particularmente da gente branca da Província ou índio, pois bem sabe que essa pobre gente ainda pode ser útil no futuro."

- Por que Canabarro traiu os Lanceiros Negros?

Como disse anteriormente, Canabarro era um escravocrata. Não obstante, o principal motivo da traição e acordo com o Império surgiu da pergunta de ambas as partes: o que fazer com esses negros armados?

Temiam uma rebelião – o Império temia que os negros se voltassem contra a escravidão, logo, eram contrários a emancipação dos negros; já os Farrapos temiam que os lanceiros se voltassem contra eles por não terem cumprido com a promessa. E aí surge o Massacre de Porongos.

Foi na madrugada do dia 14 de novembro de 1844 que os lanceiros negros, desarmados, foram atacados de “surpresa”. Houveram sobreviventes, poucos, que terminaram a vida no Rio de Janeiro, trabalhando como “tigres” (escravos que carregavam fezes e as jogavam no mar).

Estamos em 2016 e muitos ainda não superaram que o que é chamado de “Revolução” não passa de um guerra entre escravocratas versus escravocratas, entre liberais (mentirosos e traidores) e latifundiários versus o Império brasileiro, taxador.

- Os Lanceiros Negros, farroupilhas, morreram, mas deixaram um legado vivo: a incessante luta pela liberdade

No dia 14 de novembro de 2015, cerca de 100 pessoas em busca de moradia, ocuparam um prédio do Estado do Rio Grande do Sul, sede antiga do Ministério Público Estadual que estava fechado, abandonado há mais de 10 anos. Localizado na rua General Câmara com a Andrade Neves, o “espírito” dos Lanceiros de 1844 “ressuscita”, insurge e assim funda-se a Ocupação Lanceiros Negros.

As famílias que recorreram a ocupar o espaço porque não tinham onde morar – umas perderam o que tinham com as constantes enchentes ocorridas em Porto Alegre e na Região Metropolitana; umas moravam na rua, outras moravam de favor, como é o caso de Carlos Santana e Gabriela de Souza, que foram despejados, pois o dono da casa d’onde moravam vendeu o imóvel. “Aqui estão pessoas que não podem mais pagar aluguel, que foram despejadas ou que perderam bens com as enchentes”, explica Nana Sanches ao Jornal Sul 21.
Além dos motivos citados, a procura por emprego, saúde e educação atraiu moradores a habitar o espaço, pois antes habitavam a periferia da cidade, lugar onde o Estado e as condições de vida digna, muitas vezes, não chegam. Esses direitos são, teoricamente, garantidos pelo Artigo 6° da Constituição Federal de 1988, segue trecho:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Segundo os moradores da ocupação, visto que o prédio está localizado no centro da capital, muitos desempregados, hoje, trabalham pelos arredores. As crianças têm acesso à educação de melhor qualidade e também a postos de saúde mais próximos d’onde moram.

Jussara dos Santos disse ao documentário realizado pelo Coletivo Catarse que o “Programa Minha Casa, Minha Vida” não resolveu o problema dela. Logo, Jussara não é uma exceção, é um exemplo de muitas pessoas que passam pela mesma situação e através disso podemos questionar até onde a constituição vigente supre as necessidades do povo.

Todavia, o Estado do Governo Sartori (PMDB), que antes não tinha pressa em restaurar o lugar, hoje, através da Brigada Militar, faz pressão psicológica para causar mal-estar nos moradores. Entre a 00:00 e às 6:00, horário que “a vida desaparece do centro”, viaturas da BM rondam a ocupação, às vezes de sirene ligada.

- 171 anos depois, os Lanceiros venceram!

Dia 23 de maio de 2015, uma moradora da ocupação avistou homens fotografando as janelas do prédio. Mais tarde, quando voltava do mercado, viu viaturas da Brigada Militar rondando o local. Pouco tempo depois, um estacionamento vizinho da ocupação pôs um aviso “que estariam fechados pela manhã do dia 24/05 devido à reintegração de posse da ocupação. ” E sem notificações, nem avisos, foi dessa maneira que os Lanceiros ficaram sabendo da reintegração de posse do prédio.

Por volta das 21:00, a Brigada Militar fechou as ruas que dão acesso ao prédio para impedir a entrada de apoiadores. E na noite de 23 de maio, um símbolo da luta por moradia podia ruir a qualquer momento.

O MLB (Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas), apoiador da ocupação, usou as redes sociais para avisar os demais coletivos, mídias independentes, movimentos sociais, estudantes o que poderia vir a acontecer. E naquela noite, quando Porto Alegre fazia 9°C, cerca de 100 ou 200 pessoas com faixas, megafones, se reuniram na parte de fora do prédio para motivar quem estava lá dentro a resistir.

Os advogados que acompanham o processo da Lanceiros desde o começo, fizeram um plantão para montar uma peça que barrasse a reintegração de posse. Parte da superestrutura da sociedade (leis), dessa vez, servia não para apoiar a burguesia, mas defender o direito que mais de 70 famílias, sendo 40 pessoas dessas 70 famílias são crianças, tem.

Cerca de 100 polícias estavam presentes no local, inclusive o Batalhão de Choque da Polícia Militar. Segundo o próprio comandante do BOE, a Brigada Militar não tem treinamento para desocupação de prédios, ou seja, a reintegração de posse ia ser truculenta, violenta e, como ocorre nas favelas, na calada da noite.

Por volta das 6:40 da manhã, chega a decisão do Tribunal de Justiça que pedia a suspenção da operação. Como disse o advogado Tiago Luz:
“Ao nosso ver, o Estado não tem menor preocupação com o que vai acontecer com essas famílias.”

- Sartori: o novo Canabarro?

Na campanha eleitoral de Sartori (PMDB), em 2014, ele disse “não ter ideologias” e que “o partido dele era o Rio Grande”. Mas qual Rio Grande? O Rio Grande rico? O Rio Grande branco? O Rio Grande dos empresários? Da Brigada Militar (muito elogiada por esse senhor após reproduzir a mesma repressão que ocorrera em Curitiba, a mando de Beto Richa)?

Vemos desde o início do Governo Sartori que o Rio Grande que ele representa não é o Rio Grande da Lanceiros Negros, dos professores e funcionários públicos, dos estudantes.

Obviamente, dessa vez, embora não tivessem sido avisados como em 1844, os nossos Lanceiros não confiavam, não creditavam nada ao governador. E resistiram! Sem “temer”, nem hesitar! Nas palavras de Carlos Santana:

“Estamos cansados dessa repressão. Resisti porque não é só meu filho que está aqui. Fiquei para defender as outras mães e os outros filhos.”

“...aqui dentro se constrói um novo projeto de sociedade”, gritava uma das moradoras.

A lei da Área Especial do Interesse Social foi aprovada na Câmara, mas foi vetada por Fortunati (PDT) (conhecido da população por servir à máfia dos transportes) e Mello (PMDB), candidato a prefeito. É notável a rendição do Estado e da Prefeitura à especulação imobiliária.

A Ocupação resiste e completará um ano dia 14 de novembro de 2016. Certamente, o legado de resistência dos Lanceiros de 1844, que mesmo sem armas lutaram bravamente em busca da sua liberdade, continua vivo. E agora mais inflamado do que nunca. Segue a incessante luta por (moradia) e liberdade.

“Ocupar, resistir e transformar. ”

Fontes: Jornal Sul 21; Jornal Boca de Rua; A Nova Democracia; Nação - TVE: "O Massacre de Porongos"; Coletivo Catarse: Documentário "Lanceiros Negros Estão Vivos"; Esquerda Diário; Jornalismo B; Wikipédia; Juremir Machado da Silva - Correio do Povo; Joana Berwanger (fotografia); Medium.

 
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