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Trabalho precário | Greves em 2023 revelam país das privatizações e do aumento da precarização do trabalho

Descrição- O DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgou o seu levantamento anual sobre as greves ocorridas no Brasil. O balanço refere-se ao ano de 2023, que compreende o primeiro ano do Governo de Frente Ampla de Lula-Alckmin e demonstra a tendência cada vez mais precária das relações de trabalho, potencializadas pelas contrarreformas e a agenda de privatizações e terceirizações.

Felipe GuarnieriDiretor do Sindicato dos Metroviarios de SP

sábado 4 de maio | Edição do dia
Fonte: Balanço das Greves 2016/2023- DIEESE

Das 1.132 greves contabilizadas pelo instituto de pesquisa no ano passado, assim como ocorreu nos anteriores, a maior parte dos conflitos envolveu reivindicações defensivas (78,1%), pautas determinadas pela manutenção das condições vigentes ou contra a retirada de direitos presentes nos ACTs (Acordos Coletivos de Trabalho). Apesar de representar uma pequena queda em relação ao ano anterior de 2022 (que indicou uma parcela de 81,2% do total das greves), o número segue expressivo e revela como os trabalhadores buscam resistir aos ataques promovidos pela ofensiva neoliberal dos últimos anos. E é possível dividir essa ofensiva em 3 etapas:

a- A primeira marcada pela golpe institucional de 2016, fruto da necessidade da burguesia aprovar ataques superiores que o governo do PT estava disposto a realizar, como as reformas trabalhistas e da previdência, a ampliação da Lei- da Terceirização, a imposição do ajuste fiscal por meio do teto de gastos do governo Temer e a revisão de uma série de direitos trabalhistas. As lutas do período de 2016-2019 assumiram um caráter geral de derrota para a classe trabalhadora, principalmente pelo papel traidor da burocracia sindical que abortou a continuidade das greves gerais em 2017, permitindo a aprovação integral dos ataques que confluíram politicamente com a eleição do governo de extrema direita de Bolsonaro. Se em 2016, foram registradas 2093 greves, em 2019 o número caiu quase pela metade (1.118). E ainda assim, neste respectivo ano, mesmo com o desmonte da greve geral contra a reforma da previdência impulsionado pela UGT com a conveniência da CUT-CTB-Força Sindical, e no auge de governos como o “Bolso-Dória” em São Paulo, os trabalhadores do setor de transporte demonstraram ainda muita capacidade de mobilização e disposição de luta.

b- a segunda pode ser compreendida pela combinação entre a correlação de forças desfavorável diante de um governo de extrema-direita e a pandemia da COVID-19, que potencializou a precarização do trabalho promovida pela aprovação das contrarreformas neoliberais. Milhões de trabalhadores morreram, direta ou indiretamente pelos efeitos causados pela onda de retirada de direitos, com a legalização do trabalho intermitente e a ausência de medidas sanitárias do governo Bolsonaro. Um cenário que se agravou drasticamente pela trégua das principais centrais sindicais e pela política institucional do PT de preservar o regime burguês degradado pelo golpe, o que fez o número de greves despencar em 2020 para 649 e em 2021 para 721. Ainda assim, com lutas importantes que foram isoladas pela burocracia sindical, como o “breque dos APPs” e as greves de trabalhadores dos transportes, em particular dos metroviários de SP.

c- a terceira foi aberta em 2022, com o novo empreendimento burguês da frente ampla para as eleições, onde atuaram sistematicamente instituições como o STF e o poder judiciário para responder a crise institucional promovida pelo bolsonarismo, ao mesmo tempo que assegurava a continuidade da agenda econômica da Faria Lima. Dentro desse novo pacto, Lula e o PT possuíram um papel determinante, não como o candidato ideal da burguesia, mas o possível já que exercia a contenção necessária para a pax social, além de aceitar o controle direto do capital financeiro imperialista com a vice candidatura de Geraldo Alckmin. Logicamente, esse pacto foi sustentado pelas principais centrais sindicais, que se apoiaram na retomada das greves do funcionalismo público, como a luta dos professores e trabalhadores da educação pelo pagamento do piso nacional nos municípios para desgastar eleitoralmente a extrema-direita, porém sem derrotá-la.

No primeiro ano de governo Lula-Alckmin o que se pode perceber é um pequeno aumento do número de greves em comparação a retomada presente já em 2022. Nem de longe, assemelha-se com o discurso do PSOL e correntes como a Resistência que justificaram a sua entrada na frente-ampla com o argumento de que a “a eleição de Lula favoreceria a organização e fortalecia as greves da classe trabalhadora” e que depois se transformou em uma caracterização de “governo em disputa”. A realidade é que 2023 carrega consigo ainda muito da etapa anterior e os índices medidos antes da pandemia. Lutas defensivas, com maior tendência a assumir protestos políticos (20,1%) e com maior disposição de retomar e conquistar novos direitos (49,8%).

Esses principais fatores revelam a manutenção de uma estrutura de relações de trabalho precária e que tentam ser aprofundadas pelo novo governo. O PT foi eleito e manteve intacto todas as reformas do momento anterior, não alterou em nada a Lei da Terceirização e renovou a política de teto de gastos de Temer com o novo nome de Arcabouço Fiscal, chefiado pelo Ministro e braço direito de Lula, Fernando Haddad. Medidas que atendem os capitalistas, pois mantém direcionamento do orçamento para o pagamento da dívida pública e potencializam os mecanismos para levar adiante a agenda de privatizações e terceirizações, seguindo o que aconteceu com empresas públicas como a ProGuaru e o Metro de BH.

Os efeitos produzidos por esse ajuste fiscal são os mais sentidos e expressos nas pautas das greves do ano passado. Na esfera pública (55,5% do total das greves registradas) o que predomina como motivação é a luta por reajuste salarial. O setor da enfermagem, por exemplo, teve que se enfrentar no início do ano passado com a objeção do governo pela aprovação do piso nacional, enquanto os professores seguem lutando pela aplicação do piso nos municípios, o que significaria 14,95% de reajuste em contraposição aos 5,79% do IPCA que o CNM (Confedaração Nacional de Municipios) coloca como diretrizes aos prefeitos. Já na esfera privada, que corresponde 43,1% do total das greves registradas, mais da metade (56%) são de trabalhadores terceirizados que atuam no serviço público, sendo que em 59% dos casos as greves foram motivadas por atrasos no pagamento de remunerações.

Os projetos de privatização e o aumento da terceirização representam o que o DIEESE definiu como o assalto oportunista da precarização. Estão diretamente relacionados com a agenda econômica do governo de frente-ampla, inclusive em estados governados pela extrema-direita como Tarcisio em SP, onde Lula e Alckmin entregaram ao bolsonarista mais de 10 bilhões de reais do BNDES para dar continuidade as privatizações do Metro, Sabesp e CPTM. A outra face desse assalto trata-se da ideologia empreendedora, signo principal dessa terceira etapa aberta de ofensiva neoliberal, que recentemente se materializou no chamado PL da Uberização proposto pelo governo, que na prática acaba com o vínculo empregatício, regulamenta jornadas exorbitantes e contenta os interesses das principais plataformas de aplicativo.

Contudo, a conclusão que o instituto de pesquisa tira desse quadro é bastante parcial. O argumento principal de que “as privatizações não significam o fim das greves” só demonstra que enquanto houver capitalismo haverá luta de classes. No entanto, a questão vai além disso, mas sim como a ofensiva neoliberal se baseia na tentativa da burguesia em responder a crise de hegemonia, dividindo a classe operária, retirando o protagonismo político das greves e descaracterizando as diferenças de classe social, fatores que aprofundam a crise de subjetividade do proletariado. Por outro lado, a burocracia sindical atua sistematicamente nesses conflitos para preservar esse regime de dominação capitalista. No caso servindo de sustentação a frente-ampla, isolando as lutas como fez nas 3 greves do Metro e dos serviços publicos em SP no ano passado, apoiando o PL da Uberização e mais recentemente impedindo a deflagração da greve dos professores da rede estadual no Ceará.

O ano de 2023 não demonstrou apenas que as greves vão continuar com as privatizações, mas, sobretudo que elas podem derrotar os projetos de conciliação que seguem fortalecendo as forças da direita e da extrema direita.




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