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Para garantir as demandas levantadas pela greve de 2023, quais são nossos desafios na Unicamp?

Diante do governo de extrema direita de Tarcísio, a greve de 2023 na Unicamp marcou o início de uma recomposição subjetiva do movimento estudantil. Com isso queremos dizer que, após anos sem greves ou processos de luta na universidade, também devido à pandemia e à desmoralização causada pela extrema direita, contando com a paralisia das entidades estudantis nacionalmente, a greve de 2023 voltou a demonstrar a força do movimento estudantil da Unicamp e deixou diversas lições, que nós da Faísca Revolucionária sintetizamos.

Juliana Begiatoestudante de Ciências Sociais da UNICAMP

quarta-feira 17 de abril | Edição do dia

Leia aqui: Lições da greve de 2023 da Unicamp: balanço da Faísca Revolucionária

Foram dezenas de cursos em greve por diversas demandas que escancaram a precarização da universidade, como no caso de cursos como das Artes e Farmácia, os problemas da permanência estudantil, como no caso do bandejão aos finais de semana, e o acesso à universidade, como a luta pelas cotas trans e PCDs no país que mais assassina pessoas trans. O estopim da greve foi a ação reacionária e racista, um atentado com faca, por parte de um professor bolsonarista, na mesma data em que diversas categorias do estado de São Paulo lutavam contra Tarcísio e suas privatizações. Rafael Leão teve como resposta a ocupação do prédio do Imecc, mostrando que não seremos intimidados. Como enfatizamos, em nossa visão, apoiada na auto-organização, a força que se expressou nessa greve poderia ter ido por mais para assegurar nossas conquistas, se não fosse a política levada a frente pelo DCE em aliança com as direções dos movimentos sociais da Unicamp. Mas, de lá para cá, quais são nossos desafios para garantir as demandas levantadas pela greve e impulsionar a luta na universidade? Desde já, é preciso ter como ponto de apoio os diversos setores que lutam nas universidades federais.

É preciso enfrentar a extrema direita de Tarcísio e todos os ataques: as federais mostram o caminho

Tarcísio de Freitas declarou guerra à classe trabalhadora e à população de São Paulo, com um projeto ofensivo de privatizações e terceirização. Agora o bolsonarista anuncia que privatizará a mais antiga linha do Metrô, também buscando atacar a categoria dos metroviários, que foi linha de frente em responder aos planos do governador no ano passado. Além disso, suas operações na Baixada Santista, verdadeiros banhos de sangue, já configuram a maior chacina policial desde o massacre do Carandiru. Assim, como o início de nossa greve levantou, é preciso que o movimento estudantil da Unicamp se coloque como parte do enfrentamento à extrema direita em São Paulo, combatendo os planos de Tarcísio que atacam as condições de vida da classe trabalhadora e do povo pobre. Todos esses ataques contam com a conivência, em um verdadeiro pacto, da Frente Ampla de Lula-Alckmin. Não à toa, Lula e Tarcísio estão juntos nas obras do PAC, que financiam privatizações, além de Lula se calar sobre as chacinas e sobre a ida de Tarcísio a Israel, em um gesto que fortalece o genocida Netanyahu.

Já na Unicamp, o governador já posou ao lado do reitor Tom Zé, afirmando buscar estreitar os laços com a sua policia assassina. Tudo isso demonstra que somente a aliança entre a classe trabalhadora, a juventude e os movimentos sociais na luta pode derrotar a extrema direita e todos os ataques. Neste momento, em diversas universidades federais, há greves dos técnico-administrativos, além de que docentes e estudantes também estão entrando em greve, como na UFMG e na UnB. Essa greve é um reflexo direto do Arcabouço Fiscal, que significa ajuste. Na região de Campinas, em Indaiatuba, operários entraram em greve na Toyota, diante do fechamento da fábrica. Essas greves mostram o caminho.

Por sua vez, logo após a greve do ano passado, na Unicamp, foi anunciada a abertura de sindicância aos estudantes que lutaram contra a Feira de Universidades Israelenses. Isto é, enquanto Israel massacra o povo palestino de forma inédita no século XXI, a reitoria da Unicamp quer punir estudantes que lutaram contra essa limpeza étnica histórica. Assim, a demissão de Rafael Leão, que ocorreu na semana passada, não se deu por nenhum senso democrático da instituição contra o bolsonarismo, já que essa universidade não hesita em buscar punir estudantes, como fez na greve de 2016. Sua demissão sim foi fruto da luta daqueles que não se calaram em 2023 e lutaram. Por isso, seguindo esse caminho, viemos, em todos os espaços, chamando o DCE e os Centros Acadêmicos da Unicamp, assim como os coletivos, a impulsionarmos uma forte campanha unificada denunciando essa perseguição que se apoia no sionismo para intimidar o movimento estudantil, buscando colocar de pé a campanha democrática mais ampla possível, em aliança com a Frente Palestina e todos os setores que denunciam o genocídio. Não podemos aceitar nenhum tipo de punição.

A luta dos estudantes se choca com essa estrutura de poder

Toda a estrutura de poder da universidade é estruturada para impedir que os estudantes, como maioria, possam tomar as decisões. Isso a própria greve demonstrou, já que inúmeras demandas foram levantadas na greve, algumas delas históricas, mas a estrutura de poder, com a reitoria e o Conselho Universitário, sempre fechou os olhos a elas. É o caso da luta pelo Paviartes, uma urgência há 38 anos. Como estudantes denunciam aqui, não somente essa demanda não avançou após a greve, como a Unicamp mente sobre a situação das salas oferecidas de forma provisória aos estudantes de Artes de Cena e de Dança. Uma reforma foi prometida há 4 anos e nunca foi concluída. As ruínas e obras inacabadas são parte da universidade, que alega aguardar licitações infinitamente. As salas que es estudantes utilizam para seus cursos apresentam uma série de problemas: uma cobertura de tatame inadequada que causa lesões e esconde pregos, escorpiões e aranhas; salas com piso frio e sem estrutura para as atividades que os cursos necessitam; salas que ficam indisponíveis por outras atividades; salas sem piso, etc. Ou seja, desde 1982 a Unicamp, que se diz de ponta, não consegue assegurar o mínimo: estrutura para as aulas das Artes acontecerem.

Outro exemplo é a luta pelas cotas PCDs, uma das pautas centrais da greve. A conclusão da greve foi o andamento de um GT já existente. Mas, como es estudantes denunciam aqui, a reitoria não vem cumprindo com o que prometeu. Os GTs não seguem a representatividade de pessoas com deficiência que es estudantes exigem, e o relatório que saiu desse GT é totalmente insuficiente. Primeiro, o relatório não se deu a partir das audiências públicas, como era demanda da greve, e nem mesmo assegura as cotas nos institutos. Segundo o relatório, cada congregação deve debater se vai acatar às cotas PCDs e, se sim, se serão um ou duas vagas por curso. Na prática, as cotas PCDs dependerão das inclinações de cada Instituto. Por outro lado, as cotas trans, uma reivindicação essencial no país que mais mata pessoas trans no mundo, ainda terá o GT encaminhado. Desde a greve, viemos enfatizando como não podemos confiar nas saídas institucionais a serem encaminhadas pela reitoria, já que esses espaços são parte da estrutura de poder anti-democrática da universidade e são alvo de diversas manobras, como já estamos vendo, para atacar as demandas des estudantes.

A reitoria quer dividir estudantes e trabalhadores

Uma das vitórias da greve foi a abertura do bandejão aos finais de semana. Uma demanda histórica, básica para que es estudantes possam se alimentar devidamente aos sábados e domingos, foi conquistada e teve início no último dia 06, em que mais de 3 mil refeições foram servidas, provando para a reitoria o quão urgente era essa pauta. Entretanto, já são muitas as denúncias da precarização do trabalho aprofundada nessa abertura. Durante a greve, nós da Faísca estivemos na mesa de negociação representando o Comitê em defesa das terceirizadas da Unicamp, embora parte do DCE e da direção dos movimentos sociais tenha votado contra nossa participação. Desde lá, já colocávamos como a abertura do bandejão não poderia significar mais precarização, e deveria ser acompanhada de mais contratações de trabalhadores. A reitoria, entretanto, repetia a retórica de que não cabe a ela essa decisão e sim à empresa terceirizada. Entretanto, sabemos que a reitoria de Tom Zé é responsável pela precarização que tem dentro dos espaços da universidade, fecha os olhos para situações extremas como a morte da Cleide e se vale da terceirização para se isentar dessa responsabilidade.

Por isso, nós da Faísca Revolucionária chamamos a todes a travar uma luta em unidade, em defesa das terceirizadas. Essas mulheres, que abrem mão de seus finais de semana com suas famílias, não estão contando sequer com fretado para voltar para casa no fim do expediente, enquanto os ônibus de linha para o centro de Campinas não passam aos finais de semana na Unicamp. Também, afirmam que as duas contratações que a Soluções prometeu, não apareceram para trabalhar no sábado, devido às condições precárias, sendo hoje metade do contingente garantindo toda a alimentação aos finais de semana. Além disso, não possuem acesso ao CECOM e à creche. As trabalhadoras afirmam que estão sem receber seus salários integrais, sem receber horas extras, e fazem denúncias de uma trabalhadora que perdeu o dedo no bandejão há alguns meses. Relatam mais de 12 horas de trabalho, inclusive trabalhadoras idosas, por falta de contratações (linkar denuncias). A política da Unicamp é justamente dividir estudantes e trabalhadores, quer que nossas demandas justas sejam arrancadas em base à exploração e precarização dessas terceirizadas, em sua maioria mulheres negras. E nós precisamos elevar o tom contra a precarização do trabalho, ainda mais em um momento em que Lula quer aprovar um PL da Uberização, um ataque que quer regulamentar jornadas de 12h diárias e conta com apoio mascarado de setores como Afronte.

Leia mais: Os elogios da Resistência-PSOL ao PL da Uberização: apoiando a precarização para apoiar Lula

Nós da Faísca Revolucionária, que compomos a chapa 2 na gestão proporcional do CACH, queremos chamar o conjunto do movimento estudantil a tomar para si a luta contra a precarização do trabalho. Viemos realizando ações no bandejão, dialogando com estudantes e trabalhadores, recebendo denúncias, e exigindo que o DCE e demais coletivos, que estão na direção de entidades importantes, se somem a essa ação, o que até aqui não se deu. Onde estão? Essa luta deve ser do conjunto des estudantes.

É preciso retomar o caminho da luta, independente da reitoria

O que se escancara com todo o desdobramento da greve é que nós não podemos confiar na reitoria. Para arrancar de fato cada demanda da greve, es estudantes precisam apostar na força da nossa luta em aliança com os trabalhadores e os movimentos sociais. Foi nossa luta que arrancou os bandejões e cada demanda da greve. É nossa luta que pode arrancar as cotas trans e PCDs, como um ponto de apoio para lutar pelo fim do vestibular, além de arrancar o Paviartes e enfrentar a precarização da universidade, também arrancando a efetivação das terceirizadas sem necessidade de concurso público.

A greve mostrou a importância de um espaço de auto organização des estudantes, através do comando de greve, com delegades eleites em cada instituto, e das assembleias. Precisamos retomar essa lição e levar o debate para cada assembleia de curso, mostrando aos ingressantes que eles devem se embandeirar da nossa luta e se verem como continuidade dela. Também se solidarizando com os trabalhadores, professores e setores de estudantes das universidades federais que demonstram a necessidade de levantarmos a bandeira da revogação integral do Arcabouço Fiscal.

A Unicamp pode ser um exemplo de luta pelas nossas demandas internas, mas também contra a extrema direita de Tarcísio e contra a reitoria. É necessário que o DCE, composto pelo Juntos, Correnteza e UJC, saia da paralisia, e de fato construa espaços de debate e decisão com a base des estudantes. Não podemos ficar à mercê de espaços mal construídos e reduzidos, que não contam com o comprometimento do DCE de passar em salas, chegar aos calouros, divulgar nos bandejões, etc, para que depois tudo seja encaminhado através dos CRUs (Conselhos de Representação de Unidade, em que somente as gestões das entidades decidem). Necessitamos de espaços reais de discussão e de tirada de um plano de lutas.

Estar ao lado dos trabalhadores, efetivos e terceirizados, na luta por cada uma das nossas demandas é fundamental para que possamos discutir e construir uma universidade que esteja de fato a serviço da classe trabalhadora e do povo pobre, de acordo com nossos interesses, e não nas mãos de uma reitoria e uma estrutura de poder antidemocráticas, que asseguram os lucros das empresas e das parcerias privadas da universidade. Nós, estudantes que somos maioria, com professores e trabalhadores, é que deveríamos gerir a universidade.




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