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A Amazônia como barganha Internacional e as contradições ambientais nos primeiros meses de frente ampla

Matheus Correia

A Amazônia como barganha Internacional e as contradições ambientais nos primeiros meses de frente ampla

Matheus Correia

Os interesses capitalistas na Amazônia: a frente ampla não pode responder à devastação ambiental

Aconteceu na última semana, em Belém, a Cúpula Amazônica convocada por Lula como preparação para a COP 2025 na mesma cidade. Contando com oito países, a reunião escancarou a demagogia do governo Lula-Alckmin no tema ambiental e ao mesmo tempo que reforça a Amazônia como barganha e moeda de troca internacional.

Com oito países que dividem entre si porções da Amazônia, sendo o Brasil o maior detentor de floresta com 60% da área total, mais representantes de países que contam com florestas tropicais, a cúpula tinha como objetivo declarado um acordo comum para a preservação da Amazônia para que esta não chegue a um ponto de não retorno, podendo a floresta tropical se transformar em uma savana. Veremos que apesar da linda propaganda vendida em torno do tema, a preservação ambiental encontrou como obstáculo justamente para a conciliação de classes e a demagogia reformista (com poucas reformas de fato), transformando o objetivo de preservação ambiental em moeda de troca para barganha internacional.

O objetivo não declarado da cúpula era de Lula projetar uma descontinuidade de seu governo em relação a Bolsonaro, em mais de um sentido: postura de coordenar a região, mudança de política ambiental. Com este objetivo interno e internacional, postular o Brasil com “grande jogador” na política internacional, ao passo, que mostrando-se também fiel agente da ordem local, avalizador de interesses imperialistas, como no abraço à golpista e repressora dos povos indígenas e trabalhadores do Peru, Dina Boluarte.

O dia D da Amazônia e as disputas geopolíticas em torno dela

Com anos de crescimento do desmatamento, em especial ao que assistimos nos últimos anos com Bolsonaro, fruto do agronegócio, o garimpo ilegal e a produção de madeira a região da Amazônia se tornou notícia mundial e um fato geopolítico internacional.

A agropecuária é a principal responsável por impulsionar o desmatamento da Amazônia, com 65% do desmatamento destinado à criação de gado, e a pecuária já é responsável por quase 2% das emissões anuais de gases de efeito estufa em todo mundo [1]. As restrições internacionais de exportações de soja por desmatamento estão tornando as áreas de pastagens no centro-oeste em soja e algodão e deslocando a agropecuária desmatadora Amazônia adentro.

Com a diminuição da área total da Amazônia, poluição dos rios, com o mercúrio do garimpo ilegal, o aumento da temperatura global (sendo o mês de julho o mais quente já registrado na terra!) agravado pelo El Niño, o mecanismo de chuva pode ser permanente afetado, aumentando a seca e os incêndios florestais em todo o continente e não só na Amazônia. Sem conseguir manter a cobertura vegetal suficiente para garantir a quantidade de chuva necessária para a manutenção da própria floresta, começando o bioma a se transformar em um tipo de savana.

O impacto nesse cenário seria enorme. A começar pela produção de chuvas na própria América do Sul que seria gravemente afetado. “A cada dia, a floresta coloca na atmosfera uma quantidade de vapor de água que influencia diretamente o clima e garante as chuvas para o quadrilátero delimitado por Cuiabá, ao norte, São Paulo, a leste, Buenos Aires, ao sul, e a Cordilheira dos Andes, a oeste. Essa área concentra 70% do PIB da América do Sul” segundo dados oficiais [2]. Também a região representa a maior bacia hidrográfica do mundo, com 20% de toda água doce do planeta.

Um estudo escrito por cientistas e líderes indígenas apontam esse colapso para 2029, uma situação que já seria irreversível de recuperar a Amazônia como conhecemos hoje. Um impacto para todo o mundo, o que já suscita preocupações internacionais. Foram anunciados diversos investimentos para o Fundo Amazônia, como o mais recente dos EUA, e por outro lado em escala ínfima os aportes da Alemanha, França, Noruega, Reino Unido entre outros, cada um com seus interesses particulares.

No caso dos EUA, o anúncio veio logo após a visita de Lula à China com a promessa de parcerias globais e em que Lula falou de“mudança de governança global”. Em sua progressiva perda do papel de país hegemônico, Biden teve que aumentar o que antes seriam apenas US$50 milhões para o fundo, a partir da chantagem lulista da promessa de acordos com a China. Longe de representar uma manobra habilidosa para captação de investimentos, só demonstrou por um lado a dupla dependência em que tem que se equilibrar Lula, tanto com os EUA e a China, como apontados nesse texto, mas também a Amazônia como fator de barganha de interesse geopolítico internacional para o Brasil.

Outro exemplo das disputas geopolíticas que envolvem a Amazônia está na própria tratativa para o acordo Mercosul-União Europeia, parado há décadas, e que o Ministro do Meio Ambiente Francês, François de Rugy, disse sobre o acordo “só será ratificado se o Brasil respeitar os seus compromissos” alentando ao desmatamento zero e a continuação do país no tratado de Paris. Sem cair em uma visão “Macron ambientalista” o discurso é usado para dirimir outras diferenças de fundo, fruto das disputas aduaneiras entre as potências do mundo e as incertezas acerca da influência ou perda dela na América do Sul, que a França teria com a assinatura do acordo. Ainda assim, apelar para as questões ambientais para a resistência da França na assinatura do acordo fica mais difícil agora com a assinatura da vaga declaração de Belém tirada da cúpula amazônica.

Jornais franceses criticaram Macron pelo não comparecimento no evento, algo que poderia ter trazido mais prestígio e capital político a Lula, visto que a França, através da Guiana Francesa, é um país com territórios amazônicos. Coincidência ou não, a cúpula organizada às pressas ajuda na retórica de Lula para a assinatura do acordo Mercosul-UE, enfraquecendo o discurso de desmatamento da Amazônia da França, ao mesmo tempo em que aparece como um articulador fundamental na América Latina, mas não de forma consensual como demonstrou o presidente da Colômbia, Gustavo Petro. E por outro lado, em sinal aos EUA, com direito a afagos com as mãos sujas de sangue de Dina Boluarte do Peru. .

Declaração de Belém, “negacionismo de esquerda” e exploração de petróleo na foz do rio Amazonas

Apesar da grande repercussão da cúpula na mídia, o acordo firmado na Declaração de Belém estabelece vários objetivos sem, contudo, fazer menção a como conquistá-los. Especialistas comentaram sobre a Declaração: “é uma lista de promessas que não endereça nenhuma resposta real ao mundo em que estamos vivendo. O planeta está derretendo” [3] disse Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Alicia Guzman, coordenadora do programa Amazônia da ONG Stand.earth, ao comentar sobre a declaração “um longo documento centrado na OTCA que não endereça a urgência das ações necessárias para parar a degradação e desmatamento em todos seus vetores”. [4]

Entre as promessas contidas na Declaração de Belém está a meta para zerar o desmatamento na Amazônia até 2030, sem nenhuma proposta concreta de como alcançar esse objetivo (e nem do que se fará de agora até a virada da década). Na questão dos hidrocarbonetos e mineração o texto se limita a dizer “iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na Região Amazônica, no marco da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e de suas políticas nacionais soberanas”, ou seja, absolutamente nada em um dos pontos de maior atenção na Amazônia como a mineração que polui os rios com mercúrio, destroem e matam as populações indígenas e suas terras.

“Não há metas ou prazos para zerar o desmatamento, nem menção ao fim da exploração de petróleo na região. Sem essas medidas, os países amazônicos não conseguirão mudar a atual relação predatória com a floresta, a sua biodiversidade e seus povos. Pior, os compromissos assumidos na declaração não dão uma sinalização clara de como os governos amazônicos pretendem agir em conjunto para responder à crise climática, que já é uma realidade para a população amazônica, principalmente para aquelas que vivem nas periferias das cidades da região" [5], avaliou o diretor do Greenpeace, Leandro Ramos.

A questão da exploração de petróleo na região foi o fantasma que rondou a cúpula. Gustavo Petro, presidente da Colômbia, em sua declaração quis falar dos dissensos entre os países e propôs o fim da exploração do petróleo na Amazônia, Petro também tem seus interesses geopolíticos por trás. Hoje a questão é um dos pontos de mais fragilidade para o governo Lula, uma vez que corre toda uma disputa entre Ibama e Petrobras para a exploração na Foz do rio Amazonas. Como já muito bem explicado nesse texto a questão põe em cheque todo o discurso ambiental de Lula.

O que Gustavo Petro chamou de “negacionismo de esquerda” ao se referir ao discurso de “transição energética” (conciliação essa que Petro também leva a frente na Colômbia inclusive já tendo reprimindo povos indígenas em seu governo) poderia também ser chamado de os limites da conciliação de classes para resolução dos problemas ambientais . Uma vez que, não somente, é sim falacioso falar em uma “transição energética” projetando novos pontos de exploração de petróleo justamente na Amazônia, com riscos ambientais tremendos, como o vazamento de óleo que aconteceu no golfo do México em 2010, mas também porque o próprio petróleo gerado ali irá contribuir para o aumento da liberação de gás carbônico na atmosfera e consequentemente para o aumento da temperatura global, afetando diretamente a Amazônia.

Por mais que a exploração da Foz do Amazonas, ou Margem Equatorial como prefere a Petrobras, seja em alto mar, é inegável que um empreendimento deste porte afetaria inúmeros povos ribeirinhos e indígenas e também contribuiria em mais gases de efeito estufa. O negacionismo da conciliação de classes é tamanho que lideranças políticas do PT, ou de associações de engenheiros da Petrobras, tem declarado-se acriticamente em defesa da empresa, nem mesmo aceitando os limitadíssimos questionamentos do IBAMA de como ficariam as comunidades indígenas com um aumento de 5000% na frequência de vôos na região, ou dos evidentes riscos ambientais de um plano da Petrobras que prevê o combate a vazamentos a partir de uma base em Belém do Pará para uma exploração no Amapá na fronteira com a Guiana, a mais de 48hs de barco. Os interesses capitalistas com os dividendos do petróleo, com os royalties para o Amapá, chocam-se com o discurso ambiental e todos os direitos dos povos indígenas.

São os limites representados por um governo de Frente Ampla, que ao mesmo tempo tem que se diferenciar do negacionismo científico da extrema direita, mas depende diretamente da exportação de commodities e produtos primários para os países imperialistas que apesar do aparente discurso progressista, por dentro do capitalismo é impossível romper a dependência econômica estrutural do Brasil e tendo que utilizar o tema ambiental de barganha para conseguir melhores negociações internacionais.

Os projetos anti ambientais de Lula

Não só a exploração de petróleo na Foz do rio Amazonas é o calcanhar de aquiles do governo Lula no tema ambiental, mas também outros projetos que evidenciam o duplo jogo do “discurso verde” do governo. São eles:

  •  A Mineração de potássio na Amazônia diretamente em território indígena não demarcado em Autazes (AM), para a indústria de fertilizantes. Suely Araújo, especialista-sênior em políticas públicas do Observatório do Clima afirmou sobre o projeto “tenho a impressão de que só se procura potássio perto ou dentro de terras indígenas” [6]. A exploração não tem nem licenciamento ambiental e a produção acontece na proximidade do território do povo Mura, afetando diretamente esses povos.
  •  A construção da Ferrogrão: a ferrovia que cortaria a Amazônia com 933 km de extensão também é tema de impasse. O projeto conectaria Sinop (MT) ao porto de Miritituba no Pará, e é criticado justamente por ser um grande vetor de desmatamento. Adicionalmente temos o próprio Plano Safra, o maior da história do país, que beneficiará justamente os latifundiários, inclusive os do centro-oeste, que mais têm interesse na construção da estrada e no desmatamento para a produção agropecuária.
  •  A Pavimentação da BR-319 construída na ditadura militar para ligar Porto Velho a Manaus. Apenas com a expectativa da obra o desmatamento no entorno da estrada cresceu 122% e seu asfaltamento poderia significar maior facilidade para a destruição da floresta a partir da criação de um efeito “espinha de peixe”, que teria a estrada como coluna principal para o avanço do desmatamento.
  •  O Linhão de Tucuruí é outro tema sensível, que é o projeto para transmissão de energia elétrica que ligaria Boa Vista (RR) ao Sistema Interligado Nacional no estado do Amazonas. Quando lançado o projeto em 2011 a linha cortava diretamente o território indígena Waimiri Atroari tendo críticas inclusive a Funai por dar aval ao projeto sem consulta aos povos da região.

    Os interesses capitalistas na Amazônia: a frente ampla não pode responder à devastação ambiental

    A extrema direita, com Bolsonaro, teve seu programa para a Amazônia e o meio ambiente, que representava simplesmente desmatar e “passar a boiada” em tudo, como vimos com a crise humanitária nas terras indígenas Yanomami, fruto da mineração ilegal e da extração de madeira. Mas é preciso evidenciar os interesses capitalistas por trás da exploração amazônica.

    Por um lado, nós temos os gigantes do agronegócio, um dos setores econômicos mais dinâmicos do país, que lucra justamente com o aumento da destruição florestal e retirada dos povos indígenas de suas terras. Não à toa, o lobby tão grande da bancada ruralista para a aprovação do marco temporal, que inclusive passou com o voto de 100 deputados de partidos que compõem o governo Lula-Alckmin. Bancada essa, também fortalecida pelo Plano Safra bilionário destinado pelo governo aos grandes agricultores e que só reforça o que existe de mais colonial no país e evidencia que a Frente Ampla e sua conciliação só fortalecem a direita e não representam uma saída para a crise ambiental.

    Além desses, há várias empresas internacionais que encontram na Amazônia um terreno fértil para pesquisas tecnológicas expropriando o bioma natural brasileiro, para produção de cosméticos, remédios etc. É alarmante pensar que empresas norte-americanas, francesas, japonesas, entre outras, registram patentes sobre produtos como cupuaçu, andiroba, copaíba em seus países, e se tornam detentoras do direito de comercialização de um produto genuinamente brasileiro. Como é o caso de empresas como The Body Shop que detém em seu país os direitos sobre qualquer composição cosmética que inclua o extrato do cupuaçu. A Rocher Yves Biolog também registrou em diversos países a patente sobre qualquer produto que contenha o extrato da andiroba.

    Não menos importante é o caso da Starlink de Elon Musk que em 2022 anunciou que levaria internet para a região amazônica, com as antenas da empresa tendo sido vendidas inclusive para os garimpos ilegais, facilitando a exploração e desmatamento da área.

    São enormes os interesses capitalistas na rica área que representa a Amazônia. O plano bolsonarista era vender tudo a preço de banana. Mas não menos importante é a conciliação com as empresas capitalistas e o agronegócio, que tornam impossível qualquer resposta consequente a crise que perpassa a região.

    Uma política consequente para a Amazônia envolveria em primeiro lugar as comunidades e povos indígenas, as populações ribeirinhas e todos os trabalhadores da região pensando a preservação e produção sustentável na maior floresta tropical do planeta. Algo impossível para um governo que se concilia com a bancada ruralista e deixa sua base votar como quiser pelo marco temporal.

    A crise ambiental também evidencia a crise capitalista mundial. Com recordes de temperatura, a mudança de biomas no mundo inteiro, a questão ambiental se torna cada vez mais urgente. E ela envolve diretamente pensar a relação do homem com a natureza, o “metabolismo” criado pelo sistema capitalista nessa relação é justamente da exploração sem fim com o objetivo do lucro. Precisamos urgentemente reconfigurar a relação metabólica homem-natureza e qualquer saída para a crise ambiental por dentro do capitalismo como a propagandeada transição energética por si mesma, contando com a demagogia das potências imperialistas que promovem a destruição ambiental por todo globo, se mostra falha pois está a serviço de preservar a relação homem-natureza baseada na exploração para o lucro.

    A política de rapina das grandes potências só pode ser enfrentada se encarada a devastação ambiental de um ponto de vista anti-imperialista. Essa política poderia ser levada a frente incentivando a união entre sindicatos de empresas como a própria Petrobras, a partir do controle da empresa pelos próprios trabalhadores para uma produção não guiada pelo lucro, mas guiada pelo objetivo de pôr fim à queima de combustíveis fósseis. Em aliança com os povos originários e movimentos sociais lutando contra a devastação ambiental e os ajustes que precarizam a vida da população.

    Essa luta só pode se dar em superação ao programa de conciliação de classes da Frente Ampla abrindo caminho para que possa fortalecer justamente a união desses diferentes setores por um crítica radical e superadora do capitalismo. Nenhum “capitalismo verde” ou transição energética por dentro desse sistema é capaz de salvar a Amazônia. Colocando assim um programa que tenha como objetivo estabelecer outra relação homem-natureza, um programa comunista. A mesma humanidade que desenvolve tecnologias de inteligência artificial, para explorar petróleo no fundo do mar, para colocar seres humanos no espaço pode aspirar a muito mais que ter seu país e mundo destruídos pela barbárie do capital.


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