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Explosão do NPA francês, um primeiro balanço

Daniela Cobet

Imagem: Reuters Isadora de Lima Romera | @garatujas.isa Tradução: Caio Silva Melo

Explosão do NPA francês, um primeiro balanço

Daniela Cobet

Depois de um fim de semana turbulento na esquerda, ocorreu uma cisão dentro do NPA. Tendo o Révolution Permanente sido o primeiro a ser excluído há um ano e meio, depois de mais de doze anos neste partido, queremos lançar aqui alguma luz sobre este importante acontecimento da extrema-esquerda.

Um partido polarizado entre duas tendências de tamanho quase igual que se dividem no meio de seu congresso e terminam em salas separadas, com declarações e coletivas de imprensa concorrentes, cada uma anunciando a legitimidade de “continuar o NPA”: o cenário pode parecer um pouco grotesco. Mas é o clímax de um longo processo.

Um partido com delimitações "inacabadas": um olhar sobre a história do NPA

Criado em 2009, o Novo Partido Anticapitalista (NPA) tinha como projeto fundador a construção de um amplo partido anticapitalista, supostamente para eliminar as barreiras entre a esquerda revolucionária e a esquerda da esquerda. O objetivo: ocupar o espaço deixado à esquerda do Partido Socialista (PS) que acabava de se comprometer na experiência da esquerda plural de Jospin, e que trazia consigo alguns de seus aliados como o Partido Comunista Francês (PCF). O suficiente para deixar espaço para a corrente personificada pelo jovem carteiro Olivier Besancenot, que havia obtido duas vezes pontuações bastante boas nas eleições presidenciais.

Para se expandir, a direção do NPA renunciou então a uma parte considerável das delimitações estratégicas e referências ideológicas que haviam sido as da LCR (Liga Comunista Revolucionária, grupo de Besancenot), fundando um partido sobre princípios deliberadamente vagos. Delimitações apresentadas na altura por alguns como “inacabadas”, assumindo-se “perder em substância para ganhar em superfície”, segundo uma fórmula de Daniel Bensaïd.

Esse projeto, que significou um forte retrocesso na importância dada à intervenção na luta de classes e à centralidade da classe trabalhadora, foi rapidamente atingido pela criação do Partido de Esquerda (Parti de Gauche), depois Frente de Esquerda (Front de Gauche). Essas organizações interpuseram-se entre o NPA e grande parte da “esquerda” desiludida com o PS a quem inicialmente queria dirigir-se. Os números do NPA então derreteram como neve ao sol e, em 2012, metade da liderança da ex-LCR se dividiu para se juntar à coalizão de Jean-Luc Mélenchon.

Desde então, a liderança do NPA se recusou a fazer um balanço desse fracasso e tentou a todo custo manter o controle de uma organização enfraquecida e balcanizada. Sem uma avaliação coletiva do projecto inicial e na ausência de um projecto de refundação do NPA, as várias sensibilidades internas tenderam a cristalizar-se, até a experimentar cada vez mais a sua própria política, na qual o NPA se encontrava paralisado por dissensões internas e pela coexistência de vários projetos dentro do mesmo partido.

Leia também: Sobre a campanha do NPA na França: vacilação e indefinição como estratégia

Como já faz quase uma década que a liderança histórica da LCR não conseguiu obter maioria absoluta para uma de suas plataformas nos congressos do NPA, o objetivo de manter o controle do partido foi alcançado por métodos cada vez mais burocráticos. Depois de 2018, por exemplo, conseguiu obter uma "maioria operacional" no comitê executivo, o que não correspondeu aos seus resultados no congresso e, portanto, não respeitou o voto dos militantes. Infelizmente, isso foi possível graças ao apoio dos camaradas da corrente Centelha (l’Étincelle), que aceitaram a chantagem da gestão histórica nesse ponto.

Uma aceleração da crise partidária há pouco mais de 2 anos

Esse processo se acelerou na última fase, quando parte dessa liderança embarcou em uma série de compromissos políticos com A França Insubmissa (La France Insoumise, partido de Mélenchon), especialmente durante as eleições regionais. Em duas regiões, os membros da administração elaboraram, de fato, listas conjuntas na Nova Aquitânia e na Occitânia, com base em um programa aberto de conciliação de classes.

É neste contexto que decorreu o debate sobre a candidatura do NPA às presidenciais de 2021. A liderança histórica ficou então dividida entre a opção de não concorrer para não prejudicar o sucesso da candidatura de Mélenchon ou apresentar um dos dois camaradas que encabeçavam a direção, principalmente Philippe Poutou e Pauline Salingue. A isso que nos opomos com a candidatura de Anasse Kazib. Em carta enviada às tendências de esquerda do partido, dissemos na época:

"É evidente que o ato de apresentar para as eleições presidenciais um camarada porta-voz de candidaturas comuns com o partido de Jean-Luc Mélenchon, La France Insoumise (LFI), é já, em grande parte, uma decisão de orientação e de perfil para os próximos anos. Principalmente porque essa decisão unilateral da antiga direção majoritária, de impor ao partido essas chapas, constitui uma política de compromisso com a esquerda institucional, que põe em questão as próprias delimitações, já insuficientes em si, que definiam o NPA desde sua fundação. Nos referimos à independência da chamada esquerda social-liberal, isto é, do Partido Socialista (PS) e do Europa Ecologia - Os Verdes (EELV). A antiga direção majoritária se comprometeu em um giro político enorme, provavelmente sem possibilidade de retorno.”

O que aconteceu durante as eleições legislativas, quando o NPA não se opôs à presença do PS e do EELV na Nupes (Nova União Popular Ecologista e Social, frente de esquerda encabeçada por Mélenchon) para se integrar a essa coligação, mas da qual acabou ficando de fora pela recusa da LFI em lhe oferecer as candidaturas que pedia, provou-nos certo, assim como a recente explosão do NPA. Porque, como os porta-vozes do NPA da plataforma B (Olivier Besancenot, Philippe Poutou, Christine Poupin e Pauline Salingue) expressaram muito claramente em sua coletiva de imprensa no domingo, o objetivo central do que eles chamam eufemisticamente de "separação" é "fazer-se disponíveis" perante a Nupes e em particular a LFI.

O fracasso da Plataforma B em obter a maioria cria um triste espetáculo

A brutalidade dessa "separação" é explicada pelo fracasso de sua corrente no Congresso. Depois de terem excluído os militantes da Révolution Permanente, seu projeto era aproveitar esse prazo para excluir todas as outras correntes de oposição. Mas não conseguiram arrebatar a maioria absoluta que lhes teria permitido impor essa política por votação, obtendo apenas 48,5% dos votos apesar do uso de muitíssimos votos por procuração (cerca de um terço segundo os membros da plataforma C).

Isso explica a necessidade de um movimento teatral. Primeiro, usando a mídia e em particular uma entrevista com Philippe Poutou na BFM TV na noite de sexta-feira, para comprometer o Congresso. Então, deixando a sala no sábado à tarde antes que qualquer votação pudesse ocorrer, para terminá-la em outra sala, proclamando-se os únicos militantes legítimos a encarnar uma continuação do NPA e monopolizando a maior parte dos recursos das estruturas partidárias (jornais, site, redes sociais) para tentar impor seu roteiro. O cinismo dos porta-vozes que justificam essa manobra em conferência de imprensa, com um pequeno sorriso nos lábios, em nome do "direito à separação de todos os seres humanos", ou citando "razões psicológicas", só agrava a situação.

Esse é um verdadeiro golpe baixo, inadmissível, e como tal só nos resta nos solidarizar com todos os ativistas que votaram na plataforma C com o objetivo de tentar evitar a liquidação do NPA em proveito de alianças com o neo-reformismo. Um projeto que visa ancorar cada vez mais o centro de gravidade do NPA junto das instituições, em detrimento da intervenção na luta de classes. No entanto, sendo a cisão agora irreversível, queremos ao mesmo tempo iniciar um diálogo com esses camaradas sobre a necessidade de fazer um balanço real da experiência do NPA e sobre os limites da política imposta pela direção das principais correntes que deram impulso a essa plataforma, a Centelha (l’Étincelle) e o Anticapitalismo e a Revolução (Anticapitalisme et Révolution).

A explosão do NPA torna os balanços urgentes

Antes de tudo, esperamos sinceramente que os camaradas tenham entendido, mesmo que seja ao final de uma experiência difícil, que existem várias maneiras de excluir uma ou mais correntes e que em geral aqueles que excluem não a reconhecem. Isso é importante quando sabemos até que ponto esses mesmos camaradas relativizaram e até negaram a exclusão da Revolutión Permanente, acreditando talvez que poderiam se salvar individualmente mantendo distância da "mais malvada das tendências".

Na carta acima citada, dissemos a esse respeito, um pouco antes de nossa exclusão:

“Não podemos deixar de lamentar (...) sua negativa em aderir a moções, em certos comitês, opondo-se à nossa expulsão. Isso atesta para nós que existe uma certa adaptação à pressão que exerce a antiga direção majoritária para nos isolar e nos expulsar. E que existe uma tentativa de se colocarem como um uma espécie de “bloco de centro”, fatidicamente equidistante dos "dois demônios" que estariam representados pela antiga maioria e o Révolution Permanente. Para além do fato de que, após nossa exclusão, sua própria expulsão não seria mais que uma questão de tempo, nos parece que temos adiante a possibilidade de constituir juntos, apesar de nossas diferenças, um bloco para derrotar a orientação da antiga direção majoritária e impor uma candidatura revolucionária e de luta de classes para as eleições presidenciais.”

Também aqui o tempo terá dado razão, não só no fato de que nossa exclusão abriu caminho para outras tendências de esquerda, mas também no fato de que nenhuma promessa dada à direção seria suficiente para reverter o curso das coisas. Apesar da escolha dos adeptos da plataforma C, e da Centelha em particular, de não se oporem diretamente à nossa exclusão e depois apoiarem a candidatura liderada por Philippe Poutou, são hoje objeto da mesma ofensiva que o RP sofreu.

Temos, da nossa parte, feito tudo para tentar evitar esse cenário, chegando a propor a retirada da candidatura de Anasse a favor de uma candidatura única das correntes de esquerda do partido. Dissemos em particular, ainda na mesma carta:

“mesmo convencidos de que Anasse, um operário jovem, combativo, filho de imigrantes e uma das principais figuras que surgiram na luta de classes nos últimos anos, seja provavelmente o melhor camarada para encarnar essa orientação, estamos abertos a discutir qualquer proposta de candidatos com um perfil semelhante, e dispostos a levar adiante uma tal candidatura.

Porém, isso requer da parte de vocês reconhecer que não há possibilidade de um candidato consensuado por todo o NPA. A antiga majoritária já se viu obrigada a afirmar que quer um candidato do NPA (algo que não quer uma parte de seus militantes e dirigentes), mas jamais aceitará um candidato que não seja de suas próprias fileiras. Na realidade, seus pré-candidatos já estão escolhidos. Em campanha nesse exato momento, em Occitanie e Nouvelle-Aquitaine, eles se chamam Philippe Poutou e Pauline Salingue, o que implica que quaisquer que sejam as discussões e textos aprovados antes do verão, se uma destas candidaturas for adotada, levará a marca da aproximação (“abertura”, diriam os camaradas da antiga maioria) com a LFI de Mélenchon e uma ruptura pela direita com as delimitações, já insuficientes, do NPA frente à esquerda institucional. Uma tal candidatura, que não por acaso seria encabeçada pelos camaradas mais divisionistas do NPA, será uma ferramenta para a construção de uma outra coisa que não o NPA, ao menos em sua conformação atual. Essa é a verdadeira ameaça ao futuro do NPA, não a pré-candidatura de Anasse”.

Fazer de conta que a política das eleições legislativas foi uma ruptura com a campanha presidencial de Poutou, ou ainda fazer desta uma espécie de base comum para todo o NPA o que demonstraria que não existem desacordos que justifiquem a cisão é simplesmente apagar a questão. No entanto, tocamos aqui num grave limite da política de gestão da plataforma C: a recusa em realizar o mais ínfimo balanço, ao negar qualquer insucesso do projeto NPA e ao embelezar o conteúdo da campanha Poutou.

“Continuação do NPA?” Verdade?

Aqui tocamos no problema central da plataforma C, cujo risco já vimos quando saímos: a tentação, em nome da defesa da ferramenta NPA contra quem a pretende liquidar, de passar para uma defesa do status quo. Ou, colocado de outra forma, operar um deslocamento da esquerda para o centro, reduzindo cada vez mais a luta contra a política das lideranças históricas à ideia de “continuar o NPA” como está, para usar o título da moção submetida à votação da assembleia geral do congresso.

Tal orientação leva não só a recusar qualquer avaliação séria do NPA, mas também a minimizar de fato os desacordos com a plataforma B, chegando a dizer, como fez Gaël Quirante numa das suas intervenções publicadas nas suas redes sociais, que a divisão "não tem base política". Porém, ainda que os métodos sejam péssimos, a cisão tem um fundamento político, o de “manter-se disponível” em relação à LFI, ou seja, romper com a política de construção de uma organização revolucionária, independente da esquerda institucional, que se prepara para intervir nos principais acontecimentos da luta de classes e dos fenômenos políticos que virão. Como aquelas que marcaram os últimos anos na França, desde as greves e mobilizações contra a legislação trabalhista em 2016 até a grande greve contra a reforma previdenciária em 2019, passando pelo movimento dos coletes amarelos ou mobilizações antirracistas, feministas e ecologistas que mobilizaram grande parte da juventude.

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Para isso, os revolucionários não têm interesse em varrer para debaixo do tapete as divergências estratégicas que há anos perpassam o NPA. Mais do que dar continuidade ao NPA, hoje deveria tratar-se de ir além dele no quadro de uma luta mais global pela refundação de uma extrema-esquerda revolucionária à altura da situação política e da luta de classes, o que poderia constituir uma alternativa real ao neorreformismo da LFI e à recomposição da esquerda institucional permitida pela Nupes.

Em nossa pequena estatura, tentaremos contribuir com uma pedra na construção desse edifício no próximo final de semana, através da fundação de uma nova organização revolucionária em torno do Révolution Permanente. Uma organização que, esperamos, possa oferecer uma experiência militante a muitos camaradas, e que se mantenha disponível para o debate e colaboração prática com as correntes e militantes da plataforma C do NPA.

Traduzido de: Explosion du NPA: un premier bilan


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