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Editorial MRT | A escola pública sob ataque da extrema-direita e do neoliberalismo

Nas últimas semanas, consecutivos ataques à escolas ocorreram em diversas cidades do país. Os dois principais deles na capital paulista e em Blumenau. Professoras, trabalhadores e os próprios alunos foram vitimados nesses ataques. Um clima de pânico e terror se espalhou por diversas regiões, levando ao medo de frequentar a própria escola. Mas o que explica esse fenômeno e como enfrentar essa situação?

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

terça-feira 18 de abril de 2023 | Edição do dia

Há dois fatores fundamentais, que precisam ser enfatizados. O primeiro deles é que é inegável o fato de que os ataques sejam consequência do surgimento de uma corrente social de extrema-direita no Brasil. A sua própria ascensão foi através da agitação de ideias reacionárias em torno do tema da educação. Impulsionaram o chamado movimento Escola Sem Partido, para disseminar a ideia que a ameaça aos “bons costumes” estava dentro das escolas. A extrema direita, e todos os seus representantes, demonizaram a escola e os professores, atraindo a atenção de sua base social para o ambiente escolar. Ali estava o terreno de batalha, e o combate deveria ser, literalmente, de vida ou morte contra o "marxismo cultural" e a "ideologia de gênero". Nessa onda surfaram não só Bolsonaro, mas também Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e Jorginho de Freitas, governador de Santa Catarina, dois dos estados onde ocorreram ataques brutais. Mas também fizeram parte dessa campanha contra a escola e os professores, aqueles que são chamados como “direita liberal”, como o MBL, que depois se descolaram do bolsonarismo.

Um estudo da Unicamp comprovou a associação entre a ascensão da extrema-direita e o aumento dos casos de violência na escola. Neste estudo, não são considerados casos relacionados a brigas ou desentendimentos que ocorrem no ambiente escolar, mas apenas ataques extremos, provocados propositalmente pelos agressores. Considerando os últimos 20 anos, mais de um terço deles ocorreu a partir do segundo semestre do ano passado, proporção que aumentou após os ataques das últimas semanas. A pesquisa aponta o envolvimento de grupos e ideologias de extrema-direita entre os motivadores dessas ações.

Mas então, qual a relação entre essa onda de ataques e a situação política do país? A extrema-direita, após a derrota eleitoral e a repercussão negativa das suas ações no dia 8 de janeiro, passou por debilitamento de sua força nos últimos meses. Isso não significa que ela desapareceu. Ainda há um peso importante dependendo do estrato social ou região do país. No entanto, não nos parece uma casualidade que, em um momento de maior debilitamento, ações individuais com esse conteúdo arqui reacionário, busquem novamente querer atacar os professores e a educação pública.

Não podemos dissociar que esses ataques ocorreram após tantos questionamentos ao Novo Ensino Médio, com estudantes e professores iniciando um processo de mobilização contra a reforma do ensino médio. A educação novamente estava na pauta do dia, e uma parcela da base social da extrema-direita atuou reativamente para combater o inimigo ao qual sempre foram educados a odiar.

Já o segundo fator se relaciona às condições sociais e educacionais. Para que esse ódio à escola e aos professores encontrasse eco, a extrema-direita contou com os inestimáveis serviços prestados por todos os ataques neoliberais que a educação sofreu nos últimos anos. Basta lembrar que Temer elegeu a Reforma do Ensino Médio como seu primeiro ataque, que seria depois seguido das reacionárias reformas trabalhista e da previdência. Medida aplaudida por fundações e entidades que são verdadeiras agências do lobby privado na educação, como o Todos Pela Educação, Fundação Lemann e Instituto Ayrton Senna, mas que também agrada aos demais setores empresariais e burgueses, já que reduz drasticamente o investimento em educação, abrindo mais espaços para o aumento do repasse para a arbitrária e fraudulenta dívida pública.

Essa ofensiva neoliberal contra a educação pública visa encontrar novos nichos de acumulação capitalista em um contexto de grandes dificuldades econômica. Os ataques às escolas públicas são, portanto, sinais de decomposição social de um capitalismo em crise. Assim, extrema-direita, liberais e neoliberais, estão todos comprometidos para que a situação tenha chegado até aqui. Não há dúvida que expressa elementos de uma barbárie social, no qual o ataque às escolas é sua dimensão mais grotesca e brutal.

O resultado dessa agenda é que a escola pública tem se tornado um espaço social cada vez mais conflituoso. As condições de trabalho pedagógico são cada vez piores, com salas lotadas sem nenhum tipo de apoio aos professores. Os alunos estudam um currículo cada vez mais esvaziado, enquanto suas condições de vida deterioram meteoricamente devido ao conjunto das outras reformas. As salas são superlotadas e a educação está ausente de sentido em um mundo permeado pela superexploração do trabalho precário, que atinge em especial a juventude negra e trabalhadora.

Os distintos governos oferecem respostas que estão distantes de qualquer resolução efetiva desse problema. Em Santa Catarina, o governo já está colocando policiais dentro da escola, uma medida que só vai aumentar o clima de violência escolar, como apontam vários estudos. Em São Paulo, Tarcísio anunciou a contratação de psicólogos e a preparação dos professores para lidar com esse tema, mas também quer um projeto de lei que vai aumentar a presença de policiais na escola. Importante que se diga que a quantidade de psicólogos que o governo pretende contratar é absolutamente insuficiente, além da própria demagogia que decorre do fato que no início deste ano o governo de São Paulo cortou o programa de atendimento psicológico nas escolas.

Os governos estaduais, que se formaram no esteio da extrema-direita, precisam ser combatidos em primeiro plano. A militarização das escolas só terá como consequência o aumento da repressão e dos casos de violência devido à polícia repleta de adeptos da extrema-direita e promotora de casos recorrentes de violência contra jovens, LGBTQIA+, mulheres e negros. Do mesmo modo, outros países, como os EUA, que buscaram dar essa mesma resposta ao seu caso particular, assistiram a um retumbante fracasso na diminuição de ataques desse tipo.

Por isso, é importante ter uma visão ampla e profunda das razões que possibilitam essa situação nas escolas, para assim, vermos outros que também tem sua parcela de responsabilidade. O governo Lula-Alckmin tem se colocado como um garantidor da permanência de todas as reformas, inclusive a do Ensino Médio. O próprio Lula declarou que a reforma do Ensino Médio não será revogada, e mantém como Ministro da Educação uma figura como Camilo Santana, que é declaradamente favorável às entidades e instituições privadas que atuam para a aprovação das reformas neoliberais na educação.

Enquanto isso, as grandes entidades sindicais e estudantis atuam novamente para separar a luta dos professores e estudantes. Enquanto a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, que representa os sindicatos da educação de todo o país, convocou uma mobilização nacional para o dia 26 de abril, a União Brasileiras de Estudantes Secundaristas está convocando mobilizações para o dia 19 de abril. Ambas são dirigidas por setores ligados ao governo, e promovem essa separação a fim de conter e controlar uma dinâmica que transitasse do repúdio à revolta, uma vez que o objetivo do próprio governo é manter a reforma do Ensino Médio.

Em primeiro lugar temos que lutar pela unificação da luta dos professores com os secundaristas, junto a toda a comunidade escolar. É preciso uma resposta unificada e contundente a essas ações. Precisamos mostrar a força da escola pública em se organizar e sair à rua contra essa barbárie. Quem divide nossa luta, enfraquece a luta em defesa da educação pública e contra a extrema-direita.

Ao mesmo tempo, é importante se conectar com diversos outros problemas sociais, porque a escola precisa conquistar o apoio de grandes setores populacionais para essa luta. A reforma trabalhista, e todas as reformas aprovadas, são promotoras da precarização das condições de vida que deixou a escola pública e os estudantes nessa situação. A luta por uma educação de qualidade é indissociável da luta por condições de vida e trabalho dignas, uma vez que a precarização da educação e do trabalho são partes de um mesmo projeto, e portanto, também devem ser combatidas conjuntamente. Por isso, a campanha contra a precarização do trabalho iniciada por um forte Manifesto assinado por mais de mil intelectuais, juristas e entidades de trabalhadores, trabalhadoras e acadêmicas indica também um caminho pelo que lutar para enfrentar as misérias capitalistas que alimentam ataques como esses e afetam a vida da juventude e do conjunto da classe trabalhadora, majoritariamente negra.

Por fim, é fundamental que se promova a auto-organização dentro das próprias escolas, exigindo a implementação imediata dos conjunto de medidas urgentes, como a contratação de psicólogos, assistentes sociais, e agentes escolares ao quadro efetivo de servidores, em uma proporção que atenda realmente às necessidades da educação pública de cada estado e região, bem como a diminuição imediata de alunos por sala de aula, diminuição da jornada de trabalho dos professores sem diminuição da remuneração, efetivação dos professores temporários sem necessidade de concurso, entre tantas outras medidas que apontam no sentido de uma mudança de qualidade do ensino público, promovendo debates, reuniões e atividades que seja aberto à comunidade escolar, de tal modo que possamos ressignificar o papel social da escola e de todos que a frequentam.




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