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Educação | A situação da USP e a importância da ocupação da EACH

terça-feira 27 de junho de 2023 | Edição do dia

Desde a semana passada, os alunos da EACH estão ocupando o Campus reivindicando melhor permanência e contratação de professores para o instituto, que tem três cursos onde alunos estão sendo obrigados a atrasar sua graduação por que matérias não estão sendo oferecidas, devido a falta de professores, além da sobrecarga de trabalho que recai sobre os outros docentes.

Criada em 2004, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) é o campus da USP localizado na Zona Leste de São Paulo, uma das regiões mais pobres da cidade. Segundo dados do anuários estatístico da USP, referentes a 2021, o campus era o terceiro maior da USP, com 6326 estudantes, entre graduação e pós. É, também, o campus com maior presença de pretos, pardos e indígenas de toda a universidade, com cerca de 30% do corpo discente, contra a média de 19% na universidade como um todo.

É também o 6º instituto com maior número de alunos por professor, com cerca de 24,9, e o 4º com o maior número de alunos por servidor, com 35,5. Esses dados vêm piorando nos últimos anos, com o aumento do número de alunos e a diminuição do número de docentes e servidores. Entre 2017 e 2021, a USP perdeu 441 docentes, e a taxa de alunos para cada um passou de 15,83 para 17,39.

Na EACH, entre 2018 e 2021, o número total de alunos saiu de 5564 para 6326, enquanto o número de docentes efetivos passou de 265 para 254, ou seja, um aumento de 13,7% no total de alunos, e uma diminuição de 4,2% no número de professores. A quantidade de alunos por professor efetivo passou, então, de 21, em 2018, para 24,9 em 2021.

Esses dados, ainda que desatualizados, sobre a diminuição do número de docentes se refletem hoje na falta de professores que tem gerado transtornos para muitos cursos da unidade, e que é uma das principais bandeiras da atual ocupação do campus. Segundo o manifesto dos estudantes da EACH, os estudantes de Obstetrícia estão com a formação atrasada em um ano por falta de professores e, mesmo com a recente contratação de professores para o curso de Gestão Ambiental, o andamento dos semestres no curso também foi prejudicado.

Denunciam ainda que professores estão tendo que dar aula fora de suas área específicas, e que alguns chegam a ter que trabalhar por 32 horas semanais acompanhando estágios, para além das horas de sala de aula, pesquisa e extensão.

A falta de professores, no entanto, também afeta vários cursos de todos os campi da USP. Na FFLCH, são 38 professores a menos desde 2018, o que tem levado a salas superlotadas, com estudantes sentando no chão, no curso de Letras, bem como habilitações com risco de fechar, como é o caso do japonês. Na FAUD, que perdeu 8 professores no período, o curso de Design chegou a deflagrar uma greve no início do ano por mais contratações.

Outra pauta fundamental que se coloca na greve é a questão da permanência estudantil. No mesmo manifesto, denunciam que diversos alunos tiveram seus pedidos de bolsa rejeitados, ou foram colocados em uma lista de espera sem receber, e que mesmo estudantes que tinham sido aprovados tiveram suas bolsas repentinamente cortadas. Além disso, o Auxílio Manutenção, que era específico da EACH, no valor de R$ 250, foi cortado no novo modelo do PAPFE, em um campus onde não há creche, moradia e nem espaços estudantis.

Enquanto a Reitoria se gaba de ter aumentando o orçamento para bolsas de estudo para R$ 188 milhões em 2023, dentro de um orçamento de cerca de R$ 8,5 bilhões da universidade, a PRIP vem reivindicar que aumentou o número de bolsas na EACH. Segundo dados da própria PRIP, as bolsas na EACH passaram de 1298 estudantes contemplados para 1367. Um aumento por si tímido frente ao número de ingressantes anualmente e o crescimento do total de alunos, mas que é importante ver também que a partir de 2023 os estudantes de pós-graduação passaram a ser inseridos também no PAPFE. Dessa maneira, dos 69 novos estudantes contemplados, 22 são da graduação e o resto da Pós.

Os problemas com a permanência, assim como a falta de professores, também aparecem nos outros campus. Vimos estudantes com dificuldades para pagar contas devido aos problemas na PAPFE, e ingressantes de fora de São Paulo que não saberiam se conseguiriam se mudar para estudar, além de todas as propostas como controle de entrada no Crusp, que poderia expulsar moradores, e as tentativas da PRIP de invadir apartamentos.

A USP, como já foi dito, tem um orçamento este de cerca de R$ 8,5 bilhões, sendo R$ 7,57 bilhões de repasse do governo do estado e cerca de R$ 920 milhões dos chamados recursos próprios, destina menos de 4,5% a permanência, incluindo aí bandejões, equipamentos de saúde e esporte, moradias etc. Serão, ao total, 15 mil bolsas PAPFE, e pouco mais de 8 mil nos outros modelos, incluindo PAE, PUB e Bolsas de Intercâmbio. Um número insuficiente perto do total de 97 mil estudantes da universidade

A questão da permanência se liga também a falta de funcionários. O projeto da Reitoria é o de terceirizar o máximo de funções possíveis, e isso se reflete, por exemplo, na terceirização dos bandejões. A falta de funcionários aparece também na falta de creches, na terceirização dos circulares do Campus Butantã e diversas outras áreas fundamentais para a permanência estudantil.

A situação de falta de permanência e de professores contrasta com o crescimento do orçamento da universidade a cada ano. Em 2017, debaixo de bombas de gás e cacetadas em trabalhadores, estudantes e professores, a Reitoria de Zago aprovou os parâmetros de sustentabilidade, que congelaram reajustes salariais e novas contratações da universidade por cinco anos, aprofundando todos estes problemas exatamente no mesmo ano em que a USP, após muitos anos de luta, aprovou as cotas raciais.

Por causa desses anos de precarização, arrocho salarial e avanço da terceirização, a USP acumulou reservas financeiras de mais de R$ 5 bilhões, dinheiro que não é usado para corrigir situações críticas como as que vemos na EACH e outros campi nesse momento. Dentro do orçamento da universidade, ainda são direcionados R$ 6,4 milhões, sem contar o pagamento de salários, para a AUSPIN e a USPInova, agências que estão a serviço de aprofundar a privatização da USP e se vangloriam de que burgueses criadores de aplicativos como o 99Táxi estudaram aqui. Esse valor, que é maior que o orçamento de custeio de vários institutos, seria suficiente para pagar mais de 650 bolsas ao longo do ano de 2023. Se vê, assim, quais são as prioridades dessa atual Reitoria que tanto fala de inclusão enquanto exclui milhares de estudantes.

Exatamente por essa situação é que a luta na EACH é tão importante, e por que é necessário que o DCE e os CAs organizem um apoio ativo de todos os campi, bem como que haja uma unidade com os trabalhadores e professores, que também sofrem com a precarização. Deixar essa luta isolada, em um momento onde se aproximam as férias, seria o caminho para a derrota.

Uma vitória da luta na EACH, nesse momento, colocaria todo o movimento estudantil e a comunidade universitária em melhores condições para se enfrentar com a reitoria e arrancar suas reivindicações, e possibilitaria avançar por ainda mais, para exigir a abertura do livro de contas da universidade, para saber exatamente para onde estão indo os bilhões da USP, e também para questionar a atual estrutura universitária, onde o Reitor concentra muito poder, e o Conselho Universitário (CO) é formado, em sua maioria, por uma casta de professores comumente ligados a fundações privadas que atuam na universidade, empresários da Fiesp e do agronegócio, e onde estudantes e trabalhadores tem poucos representantes, e os trabalhadores terceirizados não têm nenhuma representação.

Para realmente sanar os problemas de permanência, falta de professores, terceirização e precarização do trabalho, é necessário um novo modelo de universidade, onde cada setor da comunidade universitária tenha uma representação nas direções proporcional ao seu tamanho, sem burocratas encastelados e burgueses nas posições de poder, e que o conhecimento gerado esteja voltado para resolver os problemas dos trabalhadores.

Por outro lado, uma derrota da EACH iria fortalecer a Reitoria em seu projeto que expulsa estudantes negros e pobres da universidade, precariza as condições de trabalho, ensino e aprendizado e avança com a terceirização e a privatização.


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São Paulo    CRUSP    EACH    Educação    USP



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