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Crise ambiental | Em 2023, indicadores de mudança climática alcançaram níveis recordes, segundo novo relatório

O relatório é da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e indica que os níveis de gases de efeito estufa, temperaturas superficiais do planeta, calor e acidificação dos oceanos, aumento do nível do mar, cobertura de gelo marinho da Antártida e o recuo das geleiras não possuem precedentes.

sexta-feira 29 de março | Edição do dia

O relatório da OMM confirmou que 2023 foi o ano mais quente já registrado, com uma temperatura média global perto da superfície de 1,45 ºC (com uma margem de incerteza de ± 0,12 °C) acima dos níveis de referência pré-industrial (1750, o começo da era capitalista). Esta foi a década mais quente já registrada.

Como média diária em 2023, quase um terço do oceano mundial foi afetado pela onda de calor marinha, danificando ecossistemas e sistemas de alimentação vitais. Até o final de 2023, mais de 90% do oceano tinha sofrido ondas de calor em algum momento do ano.

Anomalias da temperatura média global anual para o período de 1850 a 2023 (em relação ao período de 1850 a 1900). Os dados são provenientes de seis conjuntos de dados.

Como consequência do derretimento extremo tanto no oeste da América do Norte, quanto na Europa, o conjunto global de geleiras sofreu a maior perda de gelo já registrada (desde 1950), segundo dados preliminares.

A extensão de gelo marinho antártico foi a mais baixa que já se teve conhecimento, com uma extensão máxima no final do inverno de 1 milhão de km² inferior ao recorde anterior, o que equivale ao tamanho da França e da Alemanha combinados.

Aumento de Gases do Efeito Estufa, principal causa do aquecimento global. Fila superior: fração molar média mensal em nível mundial (medida da concentração atmosférica), de 1984 a 2022, de (a) Dióxido de carbono (CO2) em partes por milhão, (b) Metano (CH4) em partes por bilhão (c) Óxido nitroso (N2O) em partes por bilhão. Fila inferior: taxas de crescimento que representam aumentos nas médias anuais sucessivas de frações molares para (d) CO2 em partes por milhão por ano, (e) CH4 em partes por bilhão por año e (f) N2O em partes por bilhão por ano.

O número de pessoas sofrendo de insegurança alimentar aguda em todo o mundo mais do que dobrou, passando de 149 milhões de pessoas antes da pandemia de COVID-19 para 333 milhões de pessoas em 2023 (em 78 países monitorados pelo Programa Mundial de Alimentos). Segundo o relatório, os extremos meteorológicos e climáticos podem não ser a causa subjacente, entretanto com certeza são fatores agravantes.

Além disso, os perigos meteorológicos continuaram provocando deslocamentos em 2023, forçando populações a emigrar como refugiados climáticos. Diante disso, os governos imperialistas, que são os que se beneficiam das indústrias extrativistas que geram a crise, estão fechando suas fronteiras, como foi visto na crise dos imigrantes em Lampedusa em 2023 e na política xenófoba dos governos da Itália, França e outros países da União Europeia. O mesmo ocorre na América Central em relação aos Estados Unidos, e de forma geral em todo o mundo.

A organização “Periodistas por el Planeta” oferece um resumo do relatório, que inclui alguns dados relacionados à América Latina e ao Caribe:

  • Em 2023, a maioria das áreas terrestres esteve mais quente do que a média de 1991-2020. Na América Latina, foram registradas temperaturas excepcionalmente quentes no México e na América Central, bem como em extensas áreas da América do Sul.
  • Quanto às temperaturas da superfície do mar, algumas áreas registraram calor excepcional em relação à linha de base de 1991-2020. Este foi o caso do Golfo do México e do Caribe.
  • De julho a setembro de 2023, os efeitos do El Niño foram claramente visíveis, com o nível do mar acima da média, desde o Pacífico Tropical até as costas da América Central e do Sul.
  • Da mesma forma, o El Niño influenciou os padrões de chuvas regionais: condições mais secas do que o normal do sul do México até o norte da América do Sul e condições mais úmidas do que o normal em partes do Chile. Na verdade, as regiões com um déficit acentuado de precipitação foram o sudeste da América do Sul, a bacia do Amazonas e grande parte da América Central.

Além disso, o relatório dedica um capítulo aos impactos socioeconômicos. Para a América Latina e o Caribe, os seguintes aspectos são destacados:

  • A maior perda econômica registrada por um único evento em 2023 foi causada pelo furacão Otis, que atingiu a costa do Pacífico do México no final de outubro. O furacão causou uma destruição generalizada em Acapulco e arredores, com perdas econômicas estimadas em cerca de 15 bilhões de dólares. Pelo menos 47 mortes foram atribuídas ao furacão, com outros 32 desaparecidos, a maioria no mar.
  • A seca de longa duração intensificou-se em muitas áreas da América Central e do norte da América do Sul. Entre as áreas de seca mais significativas estão o norte da Argentina e o Uruguai. As precipitações de janeiro a agosto de 2023 foram entre 20% a 50% inferiores à média em grande parte do norte e centro da Argentina, e algumas regiões experimentaram o seu quarto ano consecutivo de precipitações significativamente abaixo da média. No Uruguai, as reservas de água atingiram níveis criticamente baixos, afetando gravemente a qualidade do abastecimento das principais cidades, incluindo Montevidéu, embora a situação tenha melhorado ligeiramente a partir de agosto. Embora as condições de seca nas zonas subtropicais da América do Sul tenham se suavizado no final do ano, a seca intensificou-se em muitas partes do interior do continente, incluindo extensas áreas da bacia amazônica. Oito estados brasileiros registraram as precipitações mais baixas em mais de 40 anos de julho a setembro de 2023. O rio Negro em Manaus atingiu o nível mínimo histórico (as observações começaram em 1902) em 26 de outubro, ficando 0,93 m abaixo do recorde anterior estabelecido em 2010,
  • Em 2023, uma produção recorde de milho no Brasil compensou colheitas abaixo da média em outras partes da América do Sul devido a períodos prolongados de seca, especialmente na Argentina, onde espera-se que as condições de seca causem uma queda de 15% na produção de cereais em comparação com a média quinquenal. O retorno do El Niño em 2023 teve consequências adversas em todo o ciclo de cultivo do milho na América Central e nas áreas setentrionais da América do Sul, onde a falta de água e as altas temperaturas reduziram tanto a área plantada quanto os rendimentos, com repercussões negativas agravadas na produção final, especialmente para pequenos agricultores e os lares mais vulneráveis do Corredor Seco.
  • Durante a segunda parte da temporada, tempestades tropicais e fortes chuvas inesperadas perturbaram o crescimento normal de cultivos em algumas áreas próximas da costa do Pacífico da América Central. No Haiti, as chuvas sazonais irregulares, incluindo períodos de chuvas de alta intensidade, contribuíram para a diminuição da produção agrícola primária.

É necessário ter cuidado com esses relatórios, que promovem uma saída falsa, adaptada aos mesmos capitalistas que estão destruindo o planeta

Esses relatórios, assim como os elaborados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, fornece registros e dados muito importantes para entender o pulso das mudanças climáticas, suas causas (sendo os mais significativos as emissões de gases de efeito estufa provenientes de combustíveis fósseis - petróleo, carvão, gás -, desmatamento e mudanças no uso do solo), impactos na desigualdade (que afetam muito mais as maiorias trabalhadoras e populares) e as medidas mínimas de adaptação que os Estados e governos deveriam tomar diante das novas condições. No entanto, ao mesmo tempo, esses relatórios ocultam o papel do capitalismo na geração da crise, naturalizando a ideia de que a solução só pode vir através do chamado "capitalismo verde" (tanto que o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus, estabelecido pelo Acordo de Paris, surge como um compromisso entre não afetar o capitalismo e frear o aquecimento, calculado pelo economista neoliberal Nordhauss, algo que claramente é impossível).

Por essa razão, ao mesmo tempo que mostram números alarmantes, promovem uma transição energética do capital financeiro internacional. Catastrofismo e falsas soluções. As COP ( Conferência das Partes) também são uma amostra desta hipocrisia, um grande circo voltado ao “greenwashing” do capital petrolífero e outros ( a última foi diretamente presidida por um dos principais magnatas do petróleo, e a anterior patrocinada pela Coca Cola).

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Este relatório, por exemplo, inclui uma seção sobre “O estado das finanças climáticas”, na qual detalha que, apesar de alguns avanços parciais no fluxo de fundos dedicados à adaptação ou "mitigação", ainda há uma lacuna. Dessa forma, em sua conclusão, como "saída" do capitalismo verde diante da crise, ele

“Olhando para o futuro, todos os atores devem trabalhar urgentemente para ampliar a quantidade e qualidade do financiamento climático. As principais prioridades para garantir mais e melhor financiamento climático incluem: transformar o sistema financeiro com ênfase em financiamento concessional e na eliminação de riscos; aproximar as necessidades climáticas e de desenvolvimento, aproveitando as sinergias para gerar benefícios tanto para as pessoas quanto para a natureza; mobilizar o capital interno, com ênfase em políticas favoráveis e quadros regulatórios; e melhorar a disponibilidade e acessibilidade de dados detalhados com qualidade para medir e gerenciar o progresso.” (Grifo nosso).

Uma grande hipocrisia, considerando que o mesmo capital financeiro que segue promovendo todos os vetores do aquecimento global, como o negócio dos combustíveis fósseis e o desmatamento pelo agronegócio, está fluindo para os novos mercados da “transição”. E as consequências disso são visíveis para qualquer um: quanto mais consciência do problema, mais esses setores aumentam suas medidas. Continuam abrindo poços de petróleo e gás, enquanto destroem áreas úmidas para extrair lítio para baterias de carros de luxo, por exemplo.

Os grandes fundos de investimentos como Black Rock, Vanguard, JP Morgan, Goldman Sachs, PIMCO, entre outros, assim como o capital extrativista e os imperialismos (sendo o norte-americano em primeiro lugar em nossa região) seguem promovendo a agenda extrativista do capitalismo verde enquanto esquentam o planeta. Seus parceiros políticos lutam pelas migalhas do acordo, utilizando das dívidas ilegais com o FMI como desculpa

Na Argentina, enquanto ano após ano as consequências se multiplicam e se agravam - como chuvas torrenciais, tempestades violentas, secas, ondas de calor, expansão geográfica e temporal de doenças como dengue, entre outras - diferentes governos e setores políticos, desde os mais "desenvolvimentistas" (que afirmam que mais extrativismo pode trazer algum tipo de desenvolvimento) até os mais abertamente negacionistas, como o caso do atual governo Milei, concordam em oferecer os bens comuns naturais do país para que o capital financeiro internacional faça seus negócios. Seja na extração de hidrocarbonetos por meio do fracking ou offshore junto a empresas como Shell, Exxon, British Petroleum ou Equinor, ou no agronegócio com Dreyfuss, Cargill ou Bioceres,seja na mineração com Barrick Gold, ou na mineração de lítio com Livent e Alkem, a entrega extrativista dos bens comuns naturais para obter divisas é a consigna. A recente incorporação do ex-candidato peronista à presidência, Sergio Massa, às fileiras do fundo Greylock Capital Management, é emblemática a este respeito. Nesse contexto, o conteúdo do projeto de Lei Ómnibus e do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) enviado por Milei ao congresso expressa essa agenda transversal, sob medida para o "boom de investimentos", em continuidade com os governos anteriores e as agendas dos governadores. Até mesmo se propõe que o Estado estabeleça um "mercado de carbono". O capitalismo verde e o negacionismo andam de mãos dadas. Business are business".

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É possível frear a crise, mas a luta é anticapitalista

Diante disso, é importante destacar que a crise climática pode ser revertida, mas sob a condição de atacar suas raízes: a forma como os capitalistas produzem energia, alimentos, transporte e cada uma das esferas da vida, com o único critério de lucro imediato, em um sistema incapaz, por sua própria lógica, de planejar racionalmente o metabolismo socioambiental.

Unir as demandas do crescente movimento socioambiental global contra a mudança climática às demandas da classe trabalhadora de cada país para frear a destruição extrativista é possível e é a única saída para planejar democraticamente e racionalmente o metabolismo socioambiental. São os trabalhadores, juntamente com as comunidades, pesquisadores e setores afetados, que podem frear as emissões de gases de efeito estufa, transformar a produção de alimentos, energia, transporte, saúde, etc. Ao contrário, como aponta Adrien Cornet nesta entrevista, "separar constantemente o movimento operário do movimento ambientalista é uma estratégia do capitalismo"

Traduzido de La Izquierda Diario




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