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Análise | Entre as expectativas e a ação: pensar tendências no movimento operário em meio às greves deste semestre

O que as greves e paralisações que aconteceram este semestre em diferentes setores da classe trabalhadora podem indicar de mudanças na subjetividade?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quinta-feira 18 de maio de 2023 | Edição do dia

Há sintomas de mudanças na subjetividade de diferentes camadas da classe trabalhadora.
Essa mudança não é unilinear e inequívoca, e não pode ser vista como sinais de ruptura das expectativas com o novo governo, ainda, sendo preponderantemente relacionada a essas próprias expectativas pelo momento. Sendo sobretudo uma mudança que se expressa ativamente em processos de luta como greves e paralisações, mas também se expressa numa abertura de diálogos e no aprofundamento das críticas ao governo sem setores mais localizados.

Essas mudanças de subjetividade e no nível de mobilização (partindo de que 2022 estava em um patamar inferior a 2018, que por sua vez estava distante do auge de 2015 e 2016) acontecem ao mesmo tempo que amplas camadas permanecem sem se mobilizar. Em amplas camadas da classe trabalhadora há uma espera por ações do governo Lula-Alckmin, em algumas parcelas essas expectativas têm se traduzido em mobilização, seja porque nutrem esperanças de atendimento de suas demandas à luz da leitura da mudança de governo e da situação política do país ou porque começam a se irritar por suas acumuladas perdas salariais e de direitos ou não atendimento de suas expectativas. Uma grande parte das lutas que tem acontecido tem alguma conexão com recomposição salariais, expressando uma demanda de recuperar terreno e não de "defesa" contra novos ataques como predominava em períodos anteriores.

Algumas variadas categorias e camadas da classe trabalhadora tem entrado em cena sobretudo com suas pautas salariais e específicas, com notável exceção da educação que tem em diversos lugares colocado uma pauta que é muito similar e nacional, expressando um choque com o não atendimento do Piso Salarial e com a demanda política de revogação do Ensino Médio (chocando-se com o governo da frente ampla e seu apoio em empresários da educação). Tentamos aqui analisar quais setores têm se mobilizado, suas demandas e assim extrapolar algumas ideias iniciais sobre o conjunto do movimento operário.

De qual patamar de greves parte o movimento operário?

Em artigo publicado no início de abril argumentávamos como haviam sintomas iniciais de mudanças no proletariado tomando como exemplo algumas greves que tinham acontecido até aquele momento. Analisávamos como aquele fenômeno não devia ser isolado de uma tendência de recuperação da conflitividade laboral que antecedia à mudança de governo (ver por exemplo artigo de 2021), mas que parecia ter aumentado neste ano. Também uma análise mais qualitativa das demandas deve mostrar maiores demandas salariais "propositivas" agora do que um predomínio de lutas "defensivas" contra ataques no momento anterior.

O gráfico do Dieese a seguir mostra a recuperação da tendência de greves depois da forte queda no governo Bolsonaro e na pandemia.

No gráfico é notável como a maior queda durante o governo Bolsonaro tinha sido o funcionalismo (linha laranja) que é um setor particularmente ativo nesse semestre.
Não há (até o momento) dados objetivos de alguma agência independente para comparar numericamente o presente semestre com o mesmo período do ano passado ou de anos anteriores. Mas há, visivelmente, um aumento do número de greves comparado a ano passado, particularmente do setor público e isso não se relaciona com o tipo de governo que se enfrentam. Essa amplitude, independente do governo, mostra uma tendência desta camada da classe trabalhadora tentar fazer valer seus direitos (ou buscar com a ação conseguir o que esperam do novo governo e da nova situação política). Há insatisfação na educação, objeto de tantos ataques nos governos Temer e Bolsonaro e continuada insatisfação com o não cumprimento do piso nacional, com o Novo Ensino Médio que Lula já afirmou que não revogaria.

Greves e paralisações neste ano

Na educação segue em curso uma forte greve dos profissionais da educação do DF que lotou a rodoviária brasiliense em ato e se enfrenta com o bolsonarista Ibaneis; vimos uma paralisação e marcação de greve dos professores municipais de São Paulo que se enfrentam com um prefeito que é da direita “tradicional” (Nunes do MDB), vimos greve no Rio Grande do Norte se enfrentando com governo petista, greve dos professores estaduais do Rio de Janeiro que se enfrentam com o governador Castro (que tenta se mostrar menos bolsonarista); semana que vem os profissionais da educação de Aracaju entrarão em greve se enfrentando com um prefeito do PDT (apoiado pelo PCdoB). Em todo país aconteceram diferentes paralisações municipais e estaduais em defesa do piso nacional da educação, inclusive na prefeitura de Belém do Pará, governada pelo PSOL. Também não fica de fora a greve estadual no Amapá que se enfrenta com o governador Clécio (Solidariedade) que é apoiado pelo PT e pela federação REDE-PSOL. Do Bolsonarismo ao PT, chegando na REDE-PSOL há greves da educação municipal e estadual.

Na saúde ocorreram mobilizações da enfermagem em diversos estados em defesa do piso da enfermagem mas particularmente dignas de nota foram as greves no Rio de Janeiro (contra Castro e o aliado da frente ampla Eduardo Paes), em Pernambuco (governo da tucana Lyra) e Rio Grande do Norte (governado pelo PT). Em universidades públicas os professores das estaduais paranaenses cruzaram os braços diante de reajuste salarial do bolsonarista Ratinho Junior que não repõe as perdas acumuladas, mesmo movimento dos docentes das universidades bahianas (governada pelo PT) que se junta a um futuro movimento de paralisação de todo funcionalismo daquele estado.

Também vimos acontecerem greves de empresas estatais contra privatizações federais (metrô Belo Horizonte e Porto Alegre), e a greve para recuperar direitos no metrô estatal de São Paulo contra o Bolsonarista Tarcísio, esta última greve teve tamanha transcendência e impacto que levou a prefeitura a decretar ponto facultativo no segundo dia de greve.
Também é digno de nota as greves de setores terceirizados qualificados como nas refinarias da Petrobras (REDUC em Caxias, RJ e REFAP em Canoas, RS), da QINTESS de serviços bancários, e de lutas mais isoladas da construção civil, como nos canteiros da MRV em Campinas-SP e em algumas regiões do país como no Mato Grosso do Sul e em Petrolina (PE).

O setor privado é, até o momento, com exceções parciais, um setor que tem entrado menos em cena até o momento, o que terá que se ver se isso continuará quando grande parte de categorias como metalúrgicos, químicos, tiverem suas data-base no segundo semestre. Até o momento há sinais de mobilizações parciais com atrasos em algumas importantes concentrações como a GM de São José dos Campos, e a CSN de Volta Redonda.

Em um outro setor privado com grande impacto por ser um serviço estratégico tal como os metroviários, também há notícias de mobilizações de rodoviários em algumas grandes cidades como Salvador, São Luiz, e Juiz de Fora (MG).

Por fim nessa breve passada em revista das greves, nesta semana aconteceu uma paralisação nacional de motoristas de aplicativos (UBER e 99 especialmente) que teve importante adesão em algumas capitais. A mobilização deste setor que consegue – através de imensa exploração – rendimentos superiores a diversas parcelas dos trabalhadores formais e foi um setor com grande adesão ao Bolsonarismo, mostra como os níveis de atividade do proletariado não toca só categorias mais tradicionalmente de esquerda como os professores e nem se restringe aos que tem vínculos formais, tocando a “economia dos aplicativos”.

Entre as expectativas e as ações

Após o reacionário governo Bolsonaro e as ações golpistas de 8 de janeiro o governo Lula goza de um crédito a mais com parcela relevante dos trabalhadores e mesmo com as instituições, o lema do governo “união e reconstrução” expressa fortemente a frente ampla de um lado e também uma subjetividade que até o momento muito trabalhadores tem: a “reconstrução”. O que não exclui em meio a isso um desejo (e luta em alguns casos) de recuperar salários achatados pela pandemia, patronais e governos.

A subjetividade de "reconstrução" se entendida politicamente (e não como algo ativo de reconstruir seu poder de compra) significaria que, diante da herança de Temer e Bolsonaro o que vier já seria bom, colocando um teto bem baixo das aspirações, mas como dito desde o começo do artigo isso não é linear, essa mesma subjetividade pode conviver com o desejo e organização para "reconstruir" o poder de compra. Evidentemente, para além disso, também há setores com expectativas para além da reconstrução, que gostariam da revisão de políticas, de reformas, de privatizações. Em seu conjunto pode se dizer que há aspirações maiores que meses ou anos atrás. Também há setores que se mostram mais críticos, no mínimo porque suas aspirações são maiores do que cabe nessa “união” com Alckmin e todas cores de golpismo. São pedras de toque aí a educação (e o novo Ensino Médio), a reforma trabalhista e o neoliberal arcabouço fiscal.

Costuma-se chamar esse período de novo governo como “lua de mel”. Porém trata-se deste processo em um país que segue tendo uma extrema-direita com peso, com setores burgueses importantes ainda mostrando sua preferência por um projeto mais agressivo (como se vê no agronegócio) e, especialmente importante, trata-se de uma “lua de mel” em um país onde é improvável que existam bases materiais para uma nova hegemonia que se baseie em aumento do consumo baseado em expansão dos empregos e salários.
Navegando entre as garantias aos empresários, ao mercado financeiro e expectativas populares, o governo Lula-Alckmin tenta dar sinais diferentes ao mesmo tempo, enquanto firmava acordo com relator do PP para incluir gatilhos draconianos no Arcabouço Fiscal ([saiba mais lendo essa matéria – lhttps://esquerdadiario.com.br/Projeto-final-do-Arcabouco-Fiscal-preve-ataques-neoliberais]), o governo divulgava medida da Petrobras de mudar a política de preços supostamente “abrasileirando” os preços. Essa medida por enquanto é só “supostamente” já que a redução só conseguiu igualar ao que a privatizada RLAM da Bahia já estava praticando, demonstrando como os interesses dos acionistas privados seguem intactos.

Os limites de “navegação” na educação são ainda mais estreitos já que um dos setores empresariais mais comprometidos com o governo Lula são os empresários da educação, e o governo é particularmente cioso em dizer em alto e bom som “não revogaremos o NEM”, o que choca com as expectativas. O piso salarial da educação também coloca em rota de colisão os profissionais da educação e muitas prefeituras e governos estaduais da frente ampla.

As ações até o momento (como as greves) tem sido fenômenos isolados (mesmo que mais frequentes) seja porque suas demandas são específicas e locais ou porque as principais direções do movimento operário, como por exemplo a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e sua Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) tem isolado as greves que tem diversos pontos de contato. É preciso batalhar para difundir as greves, tornar cada luta - mesmo que salarial - uma causa de toda a classe trabalhadora, como humildemente tentamos contribuir via Esquerda Diário, buscar coordenar ações onde possível e assim buscar contribuir a que desenvolvam os processos de luta avançando em sua organização e em sua necessária independência frente aos governos federal, estaduais e municipais. Para isso é necessário, também, contribuir a que as greves superem entraves postos pelas burocracias sindicais que dificultam ou impedem democracia pela base, exigindo assembleias, medidas de apoio, especialmente daquelas centrais que tem muita força mas hoje se constituem como braços do governo no movimento sindical como a CUT e CTB.

A vitória de alguns setores podem inspirar outros setores que ainda não se colocam em ação a reivindicarem direitos e salários perdidos e a se enfrentarem com toda degradação das condições de vida e trabalho que aconteceram nos últimos anos.
Por fim, para ir além das reivindicações de cada categoria, e enfrentar a nova regra fiscal, o NEM e as reformas, as privatizações é necessário exigir que as centrais sindicais organizem de fato a luta, convoquem assembleias e outras medidas para organizar a luta , de maneira unificada também com a juventude e os estudantes, para que os brotos de mobilização que aparecem em nosso país floresçam em novas e maiores reivindicações e experiências dos trabalhadores.

Imagem que ilustra a matéria: greve de professores no DF. Fonte: SINPRO-DF




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