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Análise inicial | Ministério Lula: retorno do presidencialismo de coalizão?

Lula terminou de nomear seu ministério. Além de ministras e ministros com influência nos movimentos sociais, especialmente negros e indígenas, há uma boa dose de políticos tradicionais de direita, oligarcas, e até mesmo gente que é filiada ao partido de Roberto Jefferson. Seria isso um retorno ao “presidencialismo de coalizão”? Trazemos uma primeira análise sobre o que essas nomeações apontam.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

sexta-feira 30 de dezembro de 2022 | Edição do dia

Na tarde desta quinta-feira, dia 29/12, Lula terminou de nomear todos os seus 37 ministros. Entre escolhidas e escolhidos há nomes com ascendência sobre movimentos sociais, especialmente no movimento negro e indígena, mas também uma boa dose de políticos burgueses tradicionais, filhos de oligarcas, golpistas e até mesmo gente do partido do bolsonarista de Roberto Jefferson (PTB) como o ministro da defesa Múcio. Há loteamento de ministérios inclusive para partidos que não apoiaram em sua maioria Lula-Alckmin, nem mesmo no segundo turno. Procuramos nesse artigo fazer alguns apontamentos iniciais sobre o que essas nomeações revelam do governo à véspera de sua posse, e também alguns sintomas da continuada crise do regime político da Constituição de 1988.

Comecemos por alguns fatos da nomeação ministerial: parcela relevante dos cargos (mas não igualmente dos recursos - importante frisar) couberam a partidos que faziam parte da coalizão desde o primeiro turno: PT, PCdoB, PSB, PSOL-REDE. Dentre essa lista evidentemente há neoliberais empedernidos como Alckmin, França e Marina. Há 1 ministério para o PDT e dentre os apoiadores desde o primeiro turno os mais notáveis “sem ministério” estão o Solidariedade (que dirige a Força Sindical – o que pode implicar em rusgas entre Força e CUT como já vimos em outros governos) e o Avante de Janones.

Há ao menos 10 ministérios – alguns deles muito relevantes em termos políticos e em capacidade de alocação de recursos (e portanto para formação de apoio político no Congresso e projeção eleitoral) que estão nas mãos de partidos burgueses tradicionais e que foram parte das coalizões de governo de Temer e Bolsonaro. Alguns desses partidos nem sequer apoiaram em sua maioria Lula-Alckmin nem mesmo no segundo turno. Há o PSD que está se equilibrando entre seu forte apoio a Tarcísio e ao bolsonarismo em SP e sua adesão a Lula no plano federal. E há ainda a curiosa situação do União Brasil (partido do Bivar, do ACM Netto e também do Caiado, Moro, Kim Cataguiri) que tem 3 ministérios, mas já se declarou “independente”. O União Brasil declara-se assim tanto porque precisa acomodar sua forte ala bolsonarista quanto porque buscam elevar seu preço.

Os mais relevantes destes 10 ministérios em mãos de burgueses tradicionais e que nem mesmo faziam parte da coalização de campanha são: Defesa (Múcio, Ex-TCU e PTB), Minas e Energia (PSD), Agricultura (PSD), Comunicações e Integração Nacional (ambos indicados pelo União Brasil, sendo um deles cabendo a um governador do PDT indicado pelo partido de ACM Netto, Caiado e Bivar e que deve se filiar ao segundo), Planejamento, Transportes e Cidades (todos com MDB). Diferente dos ministérios que couberam a PSOL e REDE, por exemplo, esses são ministérios com muitos recursos.Talvez caberia listar Turismo também nos ministérios “ricos”, que coube a Daniela do Waguinho (União Brasil – RJ de muito notórias ligações com milícias).

O fato de Lula apontar uma boa dose de ministérios a partidos que nem mesmo o apoiaram obriga a reflexão dos trabalhadores que depositam esperanças de melhoria das condições de vida: haverá um maior condicionamento do governo Lula-Alckmin, mais do que a vice-presidência do ex-tucano já, em si, apontava. Essa distribuição de cargos difere parcialmente de outras montagens de coalizões de governo onde tendia (não em absoluto) a prevalecer uma distribuição proporcional a acordos eleitorais prévios ou em base a mostras de fidelidade nas votações no Congresso. Agora há novidades também. Há traços do passado (por exemplo nas nomeações dos filhos de Helder Barbalho e Renan Calheiros – MDBistas que o apoiaram desde o primeiro turno), da adversária de primeiro turno Tebet recompensando o engajamento no segundo turno (como Lula já fizera com Ciro em 2003). Mas há novidades como essa tentativa de acordo/disputa na cooptação de partidos e figuras dirigentes de partidos que claramente não apoiaram a eleição.

Esse segundo sinal tem um peso maior nessa formação de governo do que vinha acontecendo nas coalizões de governo no Brasil.Mesmo os movimentos de cooptação do MDB produzidos por FHC e Lula entre seus primeiros e segundos mandatos eram baseados em sólidos comportamentos de parlamentares e não apostas de “antemão” como agora. Ou seja, nessa formação de governo há algo além do “velho” presidencialismo de coalizão, há algumas características novas, mais comuns a formações de governo parlamentaristas do que víamos vendo por exemplo nos governos FHC, Lula ou Dilma.

É digno de nota como a montagem ministerial tem um enorme peso do Senado, dentre os 37 ministros há 7 senadores eleitos, sendo 2 deles filhos de senadores e tradicionais oligarcas: Renan Calheiros e Helder Barbalho. Para além desses 7 senadores há ainda claríssimas indicações por influência de outros senadores, Lula foi explícito em nomear que Waldez Goes foi indicado pelo Ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil – AP) e o poderoso ministério de Minas e Energia para um senador de Minas Gerais, aliado do atual presidente do senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Por outro lado, as nomeações de Lira (presidente da Câmara) não colaram, e seu adversário clã Calheiros está mais fortalecido que nunca.

Com tantas nomeações e costuras no Senado há, no papel, uma maioria formada ali, na Câmara, o jogo é mais complexo e as nomeações não resolvem as confusões no terreno. O que Lula procurará fazer?Costurar uma maioria parlamentar formando “novos protagonistas no centrão” comandados agora pela dupla União Brasil – PSD para substituir aquele capitaneado por PP-Republicanos? O confronto com um forte presidente da Câmara, sem recorrer a nenhuma mobilização extraparlamentar, não se mostrou algo produtivo para Dilma diante de Cunha e nem para Bolsonaro diante de Maia. Ou pode Lula combinar a tentativa de “novos protagonistas no centrão” com algum tipo de acordo no varejo e não no atacado com os congressistas retomando mecanismos do tipo “orçamento secreto” que Bolsonaro recorreu para pavimentar maior estabilidade parlamentar?

Também é digno de nota como a cara geral do ministério formado por Lula-Alckmin procurou, além de trazer à tona mais mulheres, alguns negros e indígenas, também se mostra “amplo” incluindo diversos políticos burgueses tradicionais e inclusive alguns que chegaram a apoiar Temer e Bolsonaro. Essa “amplitude” agrada à Bovespa, FIESP, Globo, mas é um sinal importante aos trabalhadores de que haverá ainda maior condicionamento capitalista ao governo. Também é digno de nota como no lugar das tentativas de dar características mais bonapartistas ao Executivo, como tentou Bolsonaro valendo-se da Lava Jato (Moro) e dos militares para depois tentar combinar o discurso do “meu governo”, “meus ministros”, “meu exército” com acomodar o centrão, há agora uma tentativa de manter vivo o regime de 1988, incluindo seus partidos, reabilitando mais fortemente as “coalizões” e inclusive formando governo com quem nem mesmo se declara governo (como o União Brasil).

Todo governo de coalizão tem algum aspecto inicial de bonapartismo, seguindo definições de Gramsci por exemplo. Então, no lugar da degradação aberta e acelerada do que resta do regime político de 1988 como procurou fazer Bolsonaro, podemos estar vendo na própria formulação de ministério mais um sinal da degradação em câmera lenta que a conciliação de classes oferece. A conciliação de classes tão praticada pelo PT terá novos desafios pela frente, não somente condições internacionais mais adversas do que em 2003, uma extrema direita com capacidade eleitoral e de mobilização, com força institucional em governos regionais e no parlamento, mas também contando com um complexo e possivelmente instável novo desenho de coalizão parlamentar e mesmo ministerial.

Com essas características no regime político e até mesmo na Esplanada dos Ministérios se reafirma ainda mais como o combate à extrema-direita, a luta por interesses dos trabalhadores como a revogação de todas reformas de Temer e Bolsonaro, exigirá a independência política dos trabalhadores diante do governo e sua conciliação com capitalistas e golpistas.

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