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DEBATES | Por que o PSOL e Boulos não dão peso para a luta em defesa da Palestina?

Há pouca coisa capaz de gerar um vexame tão gritante quanto tentar esconder a secundarização de um tema de comoção mundial com pronunciamentos protocolares e iniciativas parciais. É o que ocorre com o PSOL e sua principal figura pública, Guilherme Boulos, no tema da Palestina.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

segunda-feira 6 de novembro de 2023 | Edição do dia

Há pouca coisa capaz de gerar um vexame tão gritante quanto tentar esconder a secundarização de um tema de comoção mundial com pronunciamentos protocolares e iniciativas parciais. É o que ocorre com o PSOL e sua principal figura pública, Guilherme Boulos, no tema da Palestina. O PSOL soltou uma nota oficial em seu site, envia algumas figuras às manifestações, grava vídeo com Juliano Medeiros e Paula Coradi (em que sugerem a Lula "mudar a conversa" com Israel…). Estas são algumas das iniciativas. A fraca atividade ao redor do tema é visível pela figura de Boulos, que parece estar desaparecido em combate: não fala sobre a Palestina, muito menos é possível ve-lô em qualquer um dos atos em São Paulo em defesa dos palestinos - algo que não se pode esconder atrás do pouco peso das correntes internas do PSOL nesses mesmos atos. Para um partido que diz ter dezenas de milhares de filiados, além de 13 deputados federais, 22 deputados estaduais e vereadores em diversas cidades, levar algumas dezenas de militantes nos atos e alguma figura vez ou outra é um atestado de desimportância ao tema.

É fácil entender por que o PSOL, ao mesmo tempo em que se pronuncia em favor dos palestinos, não coloca peso político na campanha em sua defesa, apesar de certas iniciativas parciais. Esse partido é parte do governo Lula-Alckmin, que mantém de pé as relações diplomáticas com os sionistas (estreitadas pelo governo Bolsonaro), e é um dos únicos na América Latina que não fez sequer um pronunciamento crítico contra o Estado terrorista de Israel, responsável pelo genocídio de 10.000 palestinos, sendo a maioria crianças e mulheres, na Faixa de Gaza.

Até agora, Lula se circunscreveu a repudiar as mortes das crianças em Gaza - algo cuja tragédia é evidente aos olhos de todos - e pedir um cessar-fogo, na qualidade de presidente rotativo do Conselho de Segurança da ONU. Entretanto, recusou-se a atribuir, em termos nominais e condenatórios, a responsabilidade ao agente estatal que promove o massacre de crianças palestinas: o Estado colonialista de Israel. Nem mesmo a figura grotesca de Netanyahu, amigo de Trump e Bolsonaro, foi nomeada criticamente, quando até mesmo governos capitalistas como o da Colômbia, México e Chile criticaram Israel, tendo a Bolívia rompido suas relações.

Não estamos falando de uma “guerra” em geral, e sim da ofensiva militar sionista que, como define Ilan Pappé, opera uma verdadeira limpeza étnica contra os palestinos dentro do regime denunciado como de apartheid social, inclusive pela Anistia Internacional e Human Rights Watch. O roubo de terras; a tentativa de capturar a região norte de Gaza e absorvê-la como “área de segurança” (como Israel fez no sul do Líbano, em 1982); a expulsão de palestinos da capital Gaza através do uso de bombas de fósforo branco; os bombardeios de hospitais e campos de refugiados, como o de Jabalia: todos esses crimes de guerra e de lesa-humanidade têm como responsável Netanyahu e o governo israelense. Aparentemente, não para Lula, que busca não esgarçar os laços de subordinação com Biden e o imperialismo norte-americano, francos apoiadores da ofensiva israelense - como já demonstrou diante de seu apoio ao governo golpista de Dina Boluarte no Peru, apoiando a repressão ao povo peruano, que o PSOL também sustentou como parte do governo.

Não menos escandalosos são os acordos comerciais e militares com Israel. O Brasil sustenta há décadas a presença de empresas israelenses no controle da produção de armamentos. A Elbit Systems Ltda., principal empresa de armamentos israelenses, é dona de três empresas de armas brasileiras (AEL, Ares Aeroespacial e a Defesa SA), produzindo armamentos usados na repressão ao povo negro e aos trabalhadores. Os caveirões que matam crianças de uniforme escolar nas favelas cariocas são realizados com materiais israelenses, assim como as armas que a polícia brasileira ostenta para assassinar trabalhadores negros são as mesmas que as Forças de Defesa de Israel (a infame Tzahal) usam para massacrar a população em Gaza, ou para fuzilar palestinos para abrir caminho ao assentamento ilegal de colonos na Cisjordânia. Esses acordos militares e de fornecimento de armas, que já existiam na década de 2000 durante os governos do PT, foram expandidos em nova escala por Bolsonaro em acordo de 2019 (ratificado por decreto legislativo em 2022). Esses acordos seguem de pé. Assim, no governo Lula-Alckmin, dinheiro público é enviado por meio do cumprimento de acordos para os cofres israelenses, verba que contribui no fortalecimento da máquina de guerra desse enclave imperialista no Oriente Médio.

Falar sobre a ruptura das relações brasileiras com Israel, como dizem as correntes do PSOL, é pura abstração quando são parte da sustentação de um governo que renunciou sequer à crítica nominal do governo sionista. Esse é o governo do qual faz parte o PSOL, que trata com candura a política escandalosa de Lula. Em sua nota, o PSOL “saúda a iniciativa de Lula sobre o cessar-fogo na ONU”, uma instituição que deu origem ao Estado de Israel em 1947, e que é comandada pelos Estados Unidos, que estão armando Netanyahu até os dentes para continuar a ofensiva. Efetivamente, a política de Lula está em consonância com a própria retórica da Casa Branca, que através do secretário de Estado, Antony Blinken, pediu cinicamente por “pausas humanitárias” enquanto segue o envio de mísseis e bombas a Israel. O PSOL, ademais, diz apoiar “a revogação dos acordos assinados por Bolsonaro”, acordos que agora são efetivos no governo Lula-Alckmin, do qual são parte. Embora não estejamos mais num governo de extrema direita, os acordos do bolsonarismo tem vida longa no Itamaraty.

Essa política vergonhosa do PSOL se traduz na postura de Guilherme Boulos, que se nega a aparecer ligado ao apoio à resistência palestina em função das eleições à prefeitura de São Paulo em 2024. Boulos vem sendo atacado pelo bolsonarismo, que busca associá-lo ao Hamas. Nos solidarizamos com Boulos diante dos ataques da extrema direita, que aplaude o massacre realizado por Netanyahu, e precisa ser combatida nas ruas. Justamente, a melhor forma de fazê-lo é colocar todas as energias na defesa do povo palestino contra a burguesia mundial, aquela de origem sionista, mas também as burguesias árabes. Entretanto, o candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo prefere sumir do cenário. Nos dois atos em São Paulo em defesa dos palestinos contra os massacres de Israel, Boulos não deu as caras. Quem olha suas redes sociais tem a impressão que não existe um massacre na Faixa de Gaza, já que o candidato do PSOL preserva silêncio sobre o caso, salvo um vídeo perdido em sua timeline sobre o tema que reproduz o conteúdo de Lula sobre “cessar-fogo” sem condenar o estado terrorista de Israel.

Parte disso está ligada a sua estratégia de desvencilhar-se da “figura de esquerda” e aproximar-se dos empresários e industriais paulistanos (como dizem O Globo e Metrópoles), para os quais uma postura contundente contra Israel é inadmissível, evitando com isso perder aliados por este tema, como chegou a acontecer. Isso é assim porque a FIESP tem inúmeras relações com os sionistas, e comemora o aniversário da Nakba (a “grande catástrofe” para os palestinos), projetando em seu edifício a bandeira de Israel. Da mesma maneira, as tentativas de Boulos de aproximar o apoio de setores políticos ligados à cúpula evangélica, como ocorre com o Republicanos de Marcos Pereira com quem Boulos tem diálogo desde 2021, vai na contramão do apoio explícito à resistência do povo palestino. Além disso, partidos da base de apoio do governo federal do qual Boulos é parte, no Congresso Nacional, são notórios defensores de Israel, como é o caso do PSDB. Com essas credenciais, é impossível ter uma política de independência de classe e anti-imperialista, e o principal porta-voz do PSOL coloca suas articulações eleitorais acima da defesa irrestrita dos palestinos.

Quão distinta daquela de Boulos é a posição de Myriam Bregman, do PTS na Frente de Esquerda argentina! Myriam participou dos debates presidenciais como a única candidata que defendeu os palestinos contra a política de apartheid social de Israel, e durante a campanha fez no Congresso Nacional um ataque fulminante contra os sionistas argentinos que, agrupados com Milei e Patricia Bullrich, estão ligados aos militares genocidas. Os deputados federais do PTS exigiram um posicionamento público do Congresso e do governo nacional sobre o tema. Da mesma maneira, Myriam Bregman e os deputados federais do PTS na Frente de Esquerda deixaram claro sua independência política diante de todas as variantes patronais ligadas ao sionismo no segundo turno presidencial, combatendo Milei sem dar apoio político e eleitoral a Sergio Massa, a quem o PSOL apoia assim como suas correntes Resistência e MES, mesmo com o peronista fazendo campanha junto aos sionistas da Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA).

Não se trata de “mesquinharia”, e sim do principal fator da política mundial hoje. A postura do PSOL e de Boulos contrasta com os atos de massas nos Estados Unidos, nos países europeus e em todo o mundo árabe em apoio à luta do povo palestino. E ela é explicada, como dissemos, pela subordinação política desse partido ao governo Lula-Alckmin, cuja administração dos interesses capitalistas impede qualquer política independente do sionismo. Isso tem consequência na própria política das correntes do PSOL. O MES defende Gustavo Petro como “exemplo” para os povos latinoamericanos, sendo o presidente da Colômbia o administrador dos assuntos capitalistas num país que manteve durante décadas relações diplomáticas e militares com os sionistas para recepção de armamento usado na perseguição de lideranças sindicais e da esquerda (somente em 2023 são 97 líderes sociais assassinados na Colômbia, uma tendência que se mantém como continuidade dos governos direitistas de Álvaro Uribe e Ivan Duque). Não se trata de exemplo nenhum, especialmente para os socialistas que lutam pela abolição dos Estados nacionais. Já o Resistência atribui a solução do conflito à…ONU (sic). Isso mesmo, a ONU, já que em “situações desfavoráveis” é preciso, na cabeça dessa corrente que está perdida para a independência de classe, abandonar “as consignas propagandistas” e atuar segundo permitem as instituições internacionais existentes. Para o Resistência, Trotsky padeceria de caprichos propagandistas quando, em meio à catástrofe do Segunda Guerra Mundial, diz sobre a questão judaico-palestina que "A tentativa de resolver a questão judaica por meio da migração de judeus para a Palestina deve ser vista pelo que é: uma trágica zombaria do povo judeu [...] Nunca ficou tão claro como hoje que a salvação do povo judeu está inseparavelmente ligada à derrubada do sistema capitalista". Somente uma corrente subordinada ao status quo imperialista trataria a solução integral e efetiva do problema palestino, que passa pela transformação revolucionária de toda a configuração capitalista do Oriente Médio e pelo desmonte do artificial Estado de Israel, como “ultraesquerdismo” (cujo antídoto seria implorar piedade ao Lula, que "está triste e sofrendo", segundo Sílvia Ferraro).

A luta em defesa do povo palestino só pode se dar com total independência do governo Lula-Alckmin, e dos Estados capitalistas em geral e suas instituições imperialistas. Ao contrário do que faz o PSOL, o correto nesse momento seria lutar para que os sindicatos organizem assembleias com a base, para que os trabalhadores possam debater e se posicionar contra o massacre de Israel e em solidariedade aos palestinos. Combinado a isso, seria correto diante do incremento dos massacres exigir das centrais sindicais, começando pela CUT e a CTB, uma jornada nacional de paralisação em solidariedade aos palestinos, e pela imediata ruptura das relações diplomáticas do Brasil com Israel. Exemplos assim deram o Conselho Central dos Sindicatos da Índia, o sindicato italiano SiCobas, e o sindicatos dos portuários de Oakland, nos Estados Unidos, que paralisaram suas atividades e renunciaram a transportar armamento para Israel, assim como a Canadian Union of Public Employees, o maior sindicato do Canadá, que aprovou uma resolução em solidariedade com a Palestina e exigindo que seu governo “acabe com sua venda de armas para Israel”.

Nós lutamos pela realização plena e efetiva do direito do povo palestino à autodeterminação nacional e pela única solução estratégica verdadeiramente progressista, que é a luta por uma Palestina operária e socialista, como primeiro passo para uma federação socialista no Oriente Médio, que tenha como objetivo pôr fim a toda opressão e exploração, e que possa garantir a coexistência democrática e pacífica entre árabes e judeus. Apoiamos incondicionalmente a resistência do povo palestino, independente de suas direções atuais. Ao mesmo tempo em que, para defender a independência de classes, nos opomos categoricamente ao programa reacionário do Hamas (a construção de um Estado teocrático de tipo iraniano), e também aos seus métodos. Apostamos na confluência dos habitantes em Gaza com os trabalhadores árabes em Israel e com os trabalhadores israelenses que romperam com o sionismo, assim como na solidariedade da classe trabalhadora de todos os países do mundo para enfrentar os capitalistas e sobretudo o imperialismo, que sustentam o Estado sionista de Israel e seu massacre contra o povo palestino. Apostamos que essa unidade se dará com os métodos da classe trabalhadora, como a greve geral combinada com a intifada e o desenvolvimento de organizações de autodefesa capazes de unir todos esses setores da classe trabalhadora.

Esse é o único programa digno de ser levado adiante por uma esquerda socialista, e é por isso que o PSOL e Boulos não estão à altura desse combate com esta política. Chamamos toda a juventude e trabalhadores que tem referência no PSOL, e inclusive a militância do PSOL que vê criticamente essa atuação do partido frente ao massacre palestino, a cerrar fileiras na luta para enfrentar o estado de Israel e lutar por uma Palestina operária e socialista.




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