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Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quinta-feira 14 de maio de 2015 | 00:01

Madrugada de 2 de maio de 2011. Sala de Gestão de Crises da Casa Branca. Obama com um look "casual". A então secretária de Estado, Hillary Clinton, com uma expressão de espanto cobre a boca. Eles são acompanhados por vários funcionários e líderes militares. Todos observaram (surpresos?) uma imagem em uma tela. Esta foi a imagem oficial do assassinato de Osama Bin Laden durante quatro anos. No entanto, o jornalista Seymour Hersh acaba de confirmar a suspeita de que caça do número um da Al Qaeda era demais para ser verdade.

Em um longo artigo publicado na London Review of Books, o prestigiado jornalista S. Hersh, que revelou o massacre de My Lai no Vietnã em 1969 e a tortura em Abu Ghraib, no Iraque, desconstrói a história oficial Casa Branca sobre a morte de Bin Laden. Uma história fantástica, que, em suas palavras, poderia ter vindo da mente de Lewis Carroll.

Apesar de não ser levado a um patamar de gênio como em Alice no País das Maravilhas, esta suposta "missão épica" foi ficcionada no filme Zero Dark Thirty (“A noite mais escura”) que como saberá quem já assistiu, tendenciosamente leva o espectador à conclusão lógica de que a tortura é um meio válido de obter informações a fim de proteger os cidadãos inocentes contra uma ameaça terrorista. Esta é, sim, uma questão de Estado.

Como ficou conhecido através das investigações de uma comissão especial do Senado, a CIA usou métodos brutais de tortura e prisões clandestinas em nome da "guerra contra o terrorismo".

Algumas das descobertas importantes que trouxe Hersh através de sua pesquisa são: Bin Laden não estava escondido no modesto complexo Abbottabad, sem o conhecimento da inteligência paquistanesa (ISI), mas na verdade estava sob prisão domiciliar, sob custódia do exército, pelo menos desde 2006.

Isso explica por que o seu dito esconderijo estava quase em frente à Academia Militar e a poucos quilômetros de uma importante instalação dos serviços secretos.

Durante seu cativeiro, Arábia Saudita ajudava o Paquistão com fundos para mantê-lo juntamente a sua grande família. Ou seja, dois aliados dos Estados Unidos na guerra contra o terrorismo mantiveram Bin Laden refém, por razões diferentes. Arábia Saudita para evitar que o líder da Al Qaeda, em apuros, não revelasse as relações entre a monarquia saudita e os ataques às Torres Gêmeas em 2001. Paquistão para ter uma moeda de troca e entregá-lo quando fosse apropriado.

A equipe de oficiais dos Seals da Marinha entrou em Abbottabad sem encontrar qualquer resistência. Não houve troca de tiros. Não explodiram portas blindadas com explosivos. Os soldados americanos foram direto para o quarto de Bin Laden, localizado no terceiro andar da casa e executaram ele. Eles tinham informações precisas que o homem mais procurado desde 2001 estava muito doente e não seria capaz de se defender.

O corpo de Bin Laden não foi lançado ao mar depois de receber o tratamento prescrito pelo ritual do Islã para os mortos, mas foi desmembrado e seus restos espalhados de um helicóptero sobre as montanhas de Hindu Kush, na zona de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.

Por último, mas não menos importante, não foi a tortura, mas o dinheiro que levou à localização exata de Bin Laden. O governo dos EUA não chegou a ele através dos "interrogatórios forçados" da CIA, mas por um ex-agente do serviço secreto paquistanês que foi até a embaixada dos EUA em Islamabad e vendeu os dados para a módica quantia de US$ 25 milhões, o preço que tinha colocado os Estados Unidos à frente do chefe da Al Qaeda após os ataques de 11 de setembro.

Rapidamente, as grandes corporações da mídia atacaram Hersh. Peter Bergen, analista de segurança nacional para a CNN, o acusou de basear sua pesquisa através de "fontes anônimas" - com exceção de Assad Durrani, ex-chefe do ISI no final dos anos 1990- e descreveu a sua pesquisa como "uma miscelânea nonsense" renhida por uma "multidão de relatos de testemunhas oculares, fatos inconvenientes e o simples senso comum". Mas Bergen só tem para oferecer como provas irrefutáveis as declarações de um dos Seals, que se atribuiu a autoria da execução de Bin Laden. O resto são suas próprias especulações sobre por que os Estados Unidos iriam manter escondido o fato de que o Paquistão sabia o paradeiro do líder da Al Qaeda ou da ajuda financeira da Arábia Saudita. Muito pouco para fazer passar como boas as manipulações estatais para justificar as guerras, torturas e assassinatos. Como Hersh diz no final de sua carta, na qual ele pediu que Obama e o chefe da CIA sejam levados a julgamento: "estas mentiras de alto escalão continum a ser o modus operandi da política dos EUA em conjunto com as prisões secretas, ataques de drones, operações noturnas de forças especiais, transgressão das cadeia de comando e separar todos aqueles que podem dizer não".

Um elemento adicional que cobre de suspeita a história oficial é a morte de quase todos os membros da equipa de Navy Seals que participaram na execução de Bin Laden, dificilmente obra do acaso.

Com a eliminação de Bin Laden, Obama, que ainda estava em seu primeiro mandato, pretendia concluir a "guerra ao terror" e cobrir de legitimidade as ações criminosas do Estado imperialista dos EUA. Mas visto a partir de agora, este fato passou quase despercebido. A morte de Bin Laden não significou o fim do Islã radical, nem desencorajou os inimigos da potência do norte. Os EUA enfrenta agora o Estado Islâmico (conhecido como ISIS, ou EI) um "filho" da Al-Qaeda que representa um desafio de outro tipo: não é mais uma rede frouxa com líderes fantasmagóricas, mas um exército de ocupação de um território entre o Iraque e a Síria do tamanho da Grã-Bretanha ou da Bélgica, que recruta combatentes em todo o mundo, incluindo países europeus, e que não pode ser combater com os mesmos métodos acumulados na luta contra a Al Qaeda.

Mais importante ainda, o EI não é um produto de um líder -de fato, o "Califa" Al Baghdadi, que o encabeça, aparentemente morreu em um dos ataques americanos. Emerge e se reproduz através das condições materiais criadas pelas ocupações imperialistas do Iraque e do Afeganistão, com a intensificação da guerra entre xiitas e sunitas e por rivalidades entre potências regionais que disputam a hegemonia do mundo islâmico.

O Oriente Médio mais parece um barril de pólvora. A mudança na estratégia dos EUA no sentido de restabelecer as relações com o Irã, simbolizado pelo acordo nuclear com o regime de Teerã, está produzindo convulsões, tensionando alianças tradicionais e alterando o equilíbrio das últimas décadas. Não é só o presidente israelense Benjamin Netanyahu que, a partir de uma posição de extrema direita, se opõe à política "diplomática" de Obama. Apenas dois dos seis líderes dos países agrupados no Conselho de Cooperação do Golfo vai participar da cúpula com Obama. Um dos que desertaram não é outro senão o Salman, rei da Arábia Saudita, que vai enviar ministros em seu nome. O Secretário de Estado, John Kerry vai procurar persuadir a Rússia a cooperar na busca de uma solução para a guerra civil na Síria. Enquanto a Líbia está prestes a ser desmembrada e no Iêmen se confrontam uma aliança sunita liderada pela monarquia saudita contra milícias huties aliadas com o Irã.

Neste contexto, a última coisa que os EUA precisa é que se coloque em questão um dos poucos sucessos que pode mostrar neste terreno. Mas parece que pouco se pode fazer para diminuir a credibilidade irresistível daqueles que denunciam a política imperialista.




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