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6 anos | Sobre os recentes desdobramentos do caso Marielle e a necessidade de uma investigação independente

Recentemente foram noticiados novos desdobramentos nas investigações do caso Marielle, que já leva quase 6 anos sem que tenham chegado de maneira conclusiva a quem foi o mandante do crime. Ronnie Lessa, que cometeu o assassinato, fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal e afirmou que o mandante do crime foi Domingos Brazão, ex-deputado estadual do Rio de Janeiro e membro do Tribunal de Contas do Estado.

sexta-feira 9 de fevereiro | 18:20

Recentemente foram noticiados novos desdobramentos nas investigações do caso Marielle, que já leva quase 6 anos sem que tenham chegado de maneira conclusiva a quem foi o mandante do crime. Ronnie Lessa, que cometeu o assassinato, fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal e afirmou que o mandante do crime foi Domingos Brazão, ex-deputado estadual do Rio de Janeiro e membro do Tribunal de Contas do Estado.

Domingos Brazão é um nome influente do MDB carioca, e é irmão de Chiquinho Brazão, deputado federal, e Pedro Brazão, deputado estadual. Seu reduto eleitoral é o Rio das Pedras, área dominada por uma milícia de peso do Rio de Janeiro. Domingos e Chiquinho foram citados no relatório final da CPI das Milícias, em 2008, presidida por Marcelo Freixo, então deputado estadual.

Segundo o que vazou na imprensa do suposto conteúdo da delação de Lessa, a motivação do crime teria sido de se vingar contra Freixo, pois além da CPI das Milícias, ele havia tentado barrar sua nomeação ao TCE, em 2015, e, em 2017, conseguiu barrar a indicação de outro capo do MDB, Edson Albertassi, ao mesmo tribunal, por ter sido preso na Operação Cadeia Velha.

Introduzidos os últimos desdobramentos do caso, é necessário trazer algumas reflexões sobre essas novidades que vêm à tona com os métodos de vazamento por parte da imprensa de uma delação premiada, em si mesmo, passíveis de dúvidas e questionamentos. Os próprios familiares de Marielle Franco questionaram tais noticias, sem partir de que são verdadeiras e que, caso sejam, podem atrapalhar as investigações. É muito difícil ter certeza sobre os verdadeiros mandantes, por provavelmente envolver pessoas importantes da política carioca, e seguramente ligadas por diversos laços com a polícia e a justiça para poder intervir nas investigações. Também pelo fato de que os próprios executores possuem ligações profundas com o Estado, a polícia e a milícia, o que, os faz suspeitos em si mesmo também, inclusive porque o método de delações é usado para acusar adversários também, assim como pode ser desvirtuado como foi na Lava Jato.

Demonstração disso é o próprio curso da investigação do caso Marielle e Anderson onde, ainda em 2018, os primeiros suspeitos foram o vereador Marcelo Siciliano e o miliciano Orlando Curicica, a partir do depoimento de um ex-PM. Curicica afirmou, em depoimento, que foi pressionado pelo então chefe da investigação da PC-RJ, Giniton Lages, a assumir o crime. Posteriormente, o próprio delator afirmou que havia tentado incriminar Curicica para se livrar dele.

É possível encontrar motivações para que Brazão tenha ordenado o assassinato, para além da própria vingança, como possíveis desdobramentos da Operação Cadeia Velha, que Freixo apoiava, ao mesmo tempo que não poderia tê-lo diretamente como alvo.

Outro ponto que é praticamente ocultado, como mais um fator da verdadeira anistia que os militares estão sendo presenteados no país, é o papel deles na investigação, ou na falta dela. Quando Marielle foi assassinada, o Rio de Janeiro passava por uma intervenção militar na segurança pública, comandada pelo general Braga Netto. O chefe da Polícia Civil indicado pelos militares, Rivaldo Barbosa, foi responsável por designar Giniton Lages para chefiar a Delegacia de Homicídios (DH), responsável por investigar o caso. Em 2019, Lages foi afastado do caso, já depois de se abrirem investigações paralelas entre a Polícia Civil e o Ministério Público, e admitiu ter cometido erros na busca por imagens do carro utilizado. Os delegados indicados pela Intervenção Federal dos militares diziam que era certo que iam resolver o caso e indicavam que era o Curicica, hipótese bastante questionada agora.

Outra possível ligação dos militares com o encobrimento do caso veio a público recentemente. O diretor da Abin durante o governo Bolsonaro, Alexandre Ramagem, utilizou o software israelense First Mile para espionar a procuradora do Ministério Público carioca Simone Sbilio, responsável pelas investigações. Na época a Abin era parte da estrutura do GSI e Ramagem era subordinado do general Augusto Heleno.

O que é um fato incontestável sobre o caso é sua profunda ligação com o submundo do crime carioca, e particularmente as milícias, incluindo tentativas de incriminar milicianos rivais. As milícias, inicialmente formadas por ex-policiais, mas hoje em dia se misturando mais com o tráfico, sempre tiveram uma ligação profunda com praticamente todos os principais partidos da política fluminense. Se hoje sobressai sua ligação com Bolsonaro e seu séquito, durante muito tempo já foram ligadas ao MDB do próprio Domingos Brazão, mas também de Sergio Cabral, Pezão e Eduardo Paes, ou ao então DEM do ex-prefeito Cesar Maia e já lançou candidatos até pelo PT.

Essa ligação da milícia com a política se explica por seu potencial eleitoral, já que forma currais em suas áreas dominadas. Segundo estudo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismo (GENI-UFF), a área controlada pela milícia cresceu 387% entre 2006 e 2021, passando a controlar cerca de 10% da área territorial da Região Metropolitana, com mais de 1,7 milhão de habitantes. Apesar de não serem um grupo monolítico, contando também com diferentes facções que chegam a guerrear entre si, o apoio desses grupos paramilitares é um fator fundamental nas disputas eleitorais.

Retomando a tese inicial, se é possível ter certa certeza sobre os autores do crime serem Ronnie Lessa e Élcio Queiroz e a provável ligação com as milícias, os interesses políticos em, por um lado, dar uma solução, por outro as tentativas de impedir que se chegue aos reais mandantes, o profundo entrelaçamento dos envolvidos com setores dominantes da política e do crime organizado do Rio de Janeiro e os vários assassinatos de queima de arquivo, torna difícil dar certeza dos mandantes, ainda mais a partir de uma delação premiada, e nos coloca o questionamento se, com a investigação sendo conduzida da maneira que vem ocorrendo, será possível verdadeiramente chegar aos mandantes, o que só é possível aceitarmos que seja com provas irrefutáveis e não meras delações

Desde o assassinato, viemos colocando como MRT que não seria possível resolver efetivamente este caso sem uma luta massiva, que impusesse uma investigação independente. Isso não ocorreu até aqui e, com isso, segue a impunidade e as dúvidas pairando eternamente sobre o caso. Ao que parece, estamos prestes a ter notícias que supostamente resolveriam este crime bárbaro, que é uma ferida aberta do golpe institucional. Enquanto isso não se resolve, seguiremos insistindo que é preciso uma luta nas ruas sem nenhuma ilusão nas forças repressivas e exigir do Estado uma investigação independente, com os parlamentares do PSOL, organismos de direitos humanos, representantes dos sindicatos, intelectuais especialistas na crise social do Rio de Janeiro e outros setores que tenham legitimidade popular. Essa investigação independente tem que ter garantido por parte do Estado os recursos para trabalhar, acesso aos arquivos de investigação, contratação de peritos independentes, participar das produções de provas, entrevista com as testemunhas e ter acesso a todo o tipo de informação por parte do Estado.




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