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USP e Estaduais paulistas | As universidades estaduais de São Paulo de costas para população e de braços abertos ao mercado

Os trabalhadores, professores e estudantes da USP, Unesp e Unicamp estão em um momento de preparação das suas lutas nas universidades estaduais paulistas em defesa de melhores condições de estudo e trabalho. Fazem isso em uma situação política nacional marcada pelos primeiros cinco meses do governo Lula-Alckmin na presidência do país, de um governo de extrema-direita em São Paulo com Tarcísio de Freitas a frente e algumas movimentações da classe trabalhadora como a greve dos metroviários de Belo Horizonte e de São Paulo. Apontamos algumas questões para pensar o atual cenário em que os trabalhadores, estudantes e professores das universidades estaduais paulistas se encontram para preparar suas batalhas como parte das batalhas da classe trabalhadora nacionalmente.

terça-feira 9 de maio de 2023 | Edição do dia

O estado de São Paulo concentra 1/3 do PIB brasileiro e é responsável por quase metade da ciência produzida no país. Em São Paulo se encontram 150 centros de pesquisa e desenvolvimento e alguns dos mais importantes complexos de ciência e tecnologia, industrial, de saúde e agropecuária do país. Somente a USP é a 12ª universidade que mais produz pesquisa no mundo, segundo ranking elaborado pelo Centro de Estudos em Ciência e Tecnologia (CWTS, na sigla em inglês) da Universidade de Leiden, está entre as 100 melhores do mundo e responde por mais de 20% da produção científica brasileira. No marco do que se convencionou chamar de processo de desindustrialização pelo qual passa o país e a importância de commodities (como soja, petróleo e minério de ferro, por exemplo) na economia nacional esse grau de concentração de produção científica tem um papel decisivo para a agregação de valor assim como permitir aos empresários otimizar as condições de competição no mercado nacional e internacional a partir da utilização de todas as pesquisas feitas nas universidades.

Os centros de excelência de pesquisa como a USP em um país com tantas contradições como o Brasil, contraditoriamente é também uma expressão do desenvolvimento desigual da economia nacional de modo que convivem em um mesmo país a fome, e o trabalho análogo à escravidão e universidades que galgam rankings internacionais por suas pesquisas extremamente modernas. Um exemplo tomou as ruas em na Faculdade de Medicina, onde as trabalhadoras terceirizadas da limpeza adoecem dentro de uma unidade de formação de médicos, são obrigadas a lavar sacos de lixo já utilizados com materiais contaminantes para reutilizar e só puderam receber seus salários e direitos atrasados graças à sua luta e ao apoio dos estudantes e do Sintusp.

A pandemia, colocou a prova de forma trágica a relação da universidade com a classe trabalhadora e os setores mais pobres e essa capacidade de pesquisa não se reverteu em uma contribuição significativa para que o povo trabalhador não pagasse dessa forma a crise sanitária e capitalista. Ao contrário, em meio a pandemia a universidade servia como plataforma política da campanha eleitoral de Doria se arvorando como porta voz da ciência contra o obscurantismo de Bolsonaro enquanto trabalhadores da saúde do Hospital Universitário que trabalharam durante toda a pandemia não tinham sequer material básico para trabalhar atendendo a população como máscaras, álcool gel, isso para não falar dos trabalhadores da USP que morreram em meio à pandemia, foram demitidos e a situação dramática dos estudantes mais pobres que padeceram com falta de água nas moradias estudantis.

A disputa por colocar o conhecimento das universidades estaduais paulistas a serviço das necessidades do povo trabalhador e pobre ou dos empresários vem de longa data. Os sucessivos governos do PSDB, que governaram São Paulo por mais de 25 anos, apostaram tudo para submeter a produção de conhecimento às necessidades do mercado e colocar as universidades estaduais paulistas de forma mais direta a serviço dos interesses dos empresários. Durante os anos 90 as fundações privadas de ensino e pesquisa foram um exemplo desse processo que ganhou novos contornos nos anos 2000, marcadamente em 2007 quando os decretos do então governador José Serra (PSDB) diziam explicitamente privilegiar algumas áreas do conhecimento em detrimento de outras que fossem menos ligadas diretamente aos interesses do mercado.

Veja aqui: Claudionor Brandão

Os efeitos da crise econômica de 2008 se mostraram no Brasil na queda do PIB dos anos 2014 e 2015 e aceleraram medidas políticas que favorecessem a implementação de maiores ajustes econômicos e retirada de direitos e salários da classe trabalhadora. O golpe institucional de 2016 esteve a serviço da aprovação da reforma trabalhista em 2017, da lei de terceirização irrestrita e do Teto de gastos, para citar algumas dessas medidas. Ainda em 2016, em meio ao governo de Dilma Rousseff foi aprovado o Marco Legal da Ciência e Tecnologia e Inovação. A aprovação dessa medida também respondia às novas necessidades colocadas pelos efeitos da crise econômica no Brasil e exigiam um maior alinhamento das pesquisas às necessidades capitalistas.

Nas universidades estaduais paulistas o projeto de inovação vem se desenvolvendo como uma grande aposta da burocracia acadêmica nos últimos anos. Sob orientação e consultoria da multinacional McKinsey&Company, a reitoria da USP apresentou em setembro de 2016 o projeto “USP do Futuro”, um projeto inteiramente voltado ao avanço da privatização e desenvolvimento dos interesses empresariais que vêm orientando várias medidas adotadas na USP. Parte dessas mesmas movimentações da burocracia se expressam na posse de Marco Antonio Zago (reitor da USP entre 2014 e 2017) na presidência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que em 2019 declararia que considerava que “(...) não existe desenvolvimento econômico e social sem forte participação da ciência e da tecnologia. Não haverá mais grandes economias baseadas apenas na disponibilidade de mão de obra humana ou de exportação de produtos primários. As cinco maiores economias do mundo são, também, as cinco maiores potências de ciência e educação superior. Os países que passaram por grande crescimento em período relativamente curto foram aqueles que fortaleceram significante sua educação e desenvolvimento científico, como China, Coreia do Sul e agora a Índia.” https://fapesp.br/12964/ciencia-para-o-desenvolvimento-marco-antonio-zago

Veja aqui: Patricia Galvão

A relação entre a universidade e o mercado não é parte de um projeto clandestino e oculto mas se coloca há anos publicamente como parte dos objetivos dessa mesma burocracia acadêmica como declararia o mesmo “São Paulo é o único estado brasileiro onde os investimentos em P&D do setor privado são maiores do que os recursos públicos, e onde há mais pesquisadores nas empresas do que na área acadêmica. A formação desses recursos especializados é uma das maiores contribuições da FAPESP para o Estado e para o Brasil; é, por isso, uma de suas prioridades, que consome 40% dos seus recurso.” .” https://fapesp.br/12964/ciencia-para-o-desenvolvimento-marco-antonio-zago

Parte desses negócios se demonstra no volume de investimentos em alguns ramos de pesquisa das áreas de tecnologia, de ciências biológicas, mas também na área de engenharia e no enorme processo de difusão de centros e distritos de inovação no estado de São Paulo, além da criação de pequenas e médias empresas nacionalmente. Desde 2014 a FAPESP criou, em parceria com grandes empresas, 11 Centros de Pesquisa em Engenharia sediados em universidades e institutos. No total, esses centros têm contratos assinados com previsão de investimentos totais de mais do que R$1,0 bilhão para os próximos 10 anos. O programa de pesquisas em pequenas empresas de base tecnológica (PIPE) criou em poucos anos mais de 2.000 projetos em 124 cidades somente em São Paulo e, apenas em 2018 foram cerca de 240 projetos somando mais de R$ 91 milhões em sua maioria destinados à criação das chamadas empresas start-ups.

Desse ponto de vista é possível entender porque o novo governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, um bolsonarista declarado, teria se comprometido em não atacar a autonomia das universidades estaduais e nem da Fapesp, além de indicar Vahan Agopyan (reitor da USP de 2018 a 2021) para a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Na prática as sucessivas gestões da reitoria e do Conselho Universitário da USP mantém um mesmo projeto estratégico de universidade totalmente alinhado com os interesses do mercado e isso está integralmente de acordo com o propósito de Tarcísio que pretendia estreitar a aproximação das universidades da iniciativa privada. Desse ponto de vista é também sintomático que o local escolhido para a apresentação do projeto de desenvolvimento econômico (que inclui a inovação e a utilização das pesquisas a serviço da reindustrialização do país e de SP) pelo secretário de Desenvolvimento Econômico de Tarcísio de Freitas tenha sido justamente o Centro de Difusão Internacional da USP. Não é uma coincidência que em 2022 a partir de iniciativa da reitoria da USP o Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli) já tenha começado a operar suas atividades de ensino superior privado financiado diretamente pela aliança entre a reitoria e o banco BTG Pactual e utilizando-se do espaço físico da USP para oferecer cursos de graduação nas áreas de Engenharia da Computação, Engenharia de Software, Ciência da Computação e Sistemas de Informação. Essa medida longe de ser uma coincidência é parte do projeto elaborado durante anos pelos governos de São Paulo para que a partir da USP se crie uma espécie de Vale do Silício da América Latina, transformando o IPT, que é vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, em uma plataforma de empreendedorismo e inovação.

Veja aqui: Marcello Pablito

Esse projeto de universidade também se reflete na forma de acesso e financiamento da USP. Se já não bastasse o enorme filtro social que é o vestibular em relatório do Banco Mundial publicado em novembro de 2017 expressava de forma escancarada o projeto de cobrança de mensalidades defendida em São Paulo pelo deputado Vaz de Lima (PSDB) nos anos 90 e recuperado por Kim Kataguiri (União Brasil) em nível nacional em 2022: a defesa escancarada da cobrança de mensalidades nas universidades:

“A grande maioria de brasileiros matriculados no ensino superior estudam em universidades privadas. Em 2015, dos aproximadamente 8 milhões de estudantes universitários, apenas cerca de 2 milhões estavam em universidades públicas. A pequena minoria de estudantes que frequentam universidades públicas no Brasil tende a ser de famílias mais ricas que frequentaram escolas primárias e secundárias privadas. Ainda assim, o gasto por estudante nas universidades públicas no Brasil é consideravelmente mais alto do que em outros países com PIB per capita similar […] Em média, um estudante em universidades públicas no Brasil custa de duas a três vezes mais que estudantes em universidades privadas. Entre 2013 e 2015, o custo médio anual por estudante em universidades privadas sem e com fins lucrativos foi de aproximadamente R$ 12.600 e R$ 14.850, respectivamente. Em universidades federais, a média foi de R$ 40.900. Universidades públicas estaduais custam menos do que as federais, mas ainda são muito mais caras do que as privadas, custando aproximadamente R$ 32.200. O custo por aluno dos institutos federais é de aproximadamente R$ 27.850. O custo por aluno em universidades federais é de duas a três vezes superior ao custo em instituições privadas”.

Associado ao seu papel econômico, a USP tem também um papel político e ideológico muito importante na sociedade brasileira. Toda capacidade científica esteve em distintos momentos associada a fundamentação e apoio a projetos políticos que almejavam dirigir o país. É bastante conhecido o papel da elite paulista nas disputas políticas da década de 30 que culminaram na chamada revolução constitucionalista tendo em. Armando Salles de Oliveira o portavoz da fundação da USP como parte de um projeto de país e para “a formação das classes dirigentes” que ganharia ainda mais importância ao se tratar de países como o Brasil de “populações heterogêneas e costumes diversos” que estaria condicionado ‘à organização de um aparelho cultural e universitário, que ofereça oportunidade a todos e processe a seleção dos mais capazes” e estabelecendo o estado de São Paulo como dirigente desse projeto nacional.

Na década de 50 e 60 não foi diferente e a na USP se tornou palco das disputas políticas nacionais e também dos processos de luta contra a ditadura. Nas diretas já e na elaboração da constituinte de 88 professores, estudantes e trabalhadores da USP tiveram papel destacado não apenas na participação dos arranjos políticos, nas lutas mas também na elaboração e reflexão das questões estruturais do país como a questão racial, o projeto de desenvolvimento econômico etc. As universidades continuam cumprindo um papel político e ideológico muito importantes como se mostrou no dia 11 de junho de 2022 onde a USP virou o palco da principal operação política de preparação da transição de um governo Bolsonaro para o governo de Frente Ampla de Lula-Alckmin expressando em plena Faculdade de Direito da USP uma operação política e ideológica que defendia a conciliação de interesses de classe opostos mas que estariam unidos sob a bandeira da "defesa da democracia" que uniu de empresários da Fiesp, banqueiros da Febraban, ex-ministros do STF, reitores, movimento negro, feminista, indígenas às centrais sindicais. A reitoria da USP, ex-reitores da Unicamp e Unesp não se furtaram de se posicionar em defesa da democracia e da ciência nesse momento e durante os anos de governo Bolsonaro tentavam se localizar como parte dos setores críticos a esse governo mas no conteúdo das reformas, privatizações e ataques se alinhavam ao governo federal.

A gestão de Carlotti e Maria Arminda com uma nova roupagem e sob o discurso de "inclusão e pertencimento" estão seguindo o mesmo projeto de universidade. Antecipando a possibilidade de qualquer mobilização que unifique trabalhadores estudantes e professores a reitoria da USP vem buscando tomar medidas para desmobilizar com um discurso de maior diálogo que tem por objetivo amortecer os possíveis choques com seu projeto mais de fundo de universidade que vem sendo implementado graças a aprovação sob bombas dos Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeiros da USP em 2017 na gestão de Marco Antônio Zago. A reitoria sob a gestão Carlotti soma ao seu discurso a implementação de medidas que são vistas como concessões como o auxílio saúde, a concessão de um Prêmio de Excelência e de uma Gratificação para os funcionários e professores que tem menos de 20 anos de trabalho na USP, buscando dividir trabalhadores, professores e estudantes e com uma intenção clara de cooptar parte desses setores seja com concessões materiais ou promessas demagógicas. Se na aparência haveria uma orientação distinta do nível de intransigência de Tarcísio diante da greve do Metrô, no conteúdo a reitoria e o governo atuam de forma alinhada para implementar seus interesses mais de fundo para a universidade e não seria exagero dizer que a divisão entre trabalhadores e estudantes e a tentativa de separar os ataques nas universidades do conjunto de medidas privatistas tomadas por Tarcísio em relação a Sabesp, CPTM e o Metrô também serve a criar melhores condições para que avance sem resistência a aprovação da reforma administrativa.

Veja aqui: Babi Dellatorre

A própria menção da reitoria à necessidade de contenção da evasão de professores e trabalhadores com nível superior em outro nível de funcionários do grupo técnico e superior pensando no projeto de universidade que ela está tentando avançar. Os objetivos da reitoria de passivização da possibilidade de greve de trabalhadores ou mesmo de ações conjuntas entre trabalhadores e um setor da juventude aberta e sensível às ideias do comunismo que colocasse algum obstáculo ao projeto mais de fundo de universidade a reitoria é o que está por trás dos acenos de novas medidas como o retorno do debate de carreira ou inclusive a possibilidade de reposição ao menos do índice oficial de inflação. A reitoria se utiliza da condição excepcional de reservas financeiras da ordem de mais de R$ 5 bilhões, acumuladas graças ao arrocho salarial, demissões, precarização das condições de trabalho e estudo, desvinculação do HRAC, avanço da terceirização e sucateamento de vários setores da universidade como Prefeitura, bandejões, setores de manutenção e operacionais, fechamento e entrega da creche para uma OS e um ataque violento e profundo no Hospital Universitário da USP além de manter a segregação das trabalhadoras terceirizadas que sequer podem utilizar os ônibus circulares na USP.

No dia 14 de abril o Conselho Diretor de Base do Sintusp realizou uma atividade com a professora Michele Schultz, presidente da Associação dos Docentes da USP para debater o significado do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação e seus reflexos na USP. Reproduzimos abaixo o link do conjunto da atividade e as intervenções de integrantes do Movimento Nossa Classe sobre o tema bem como o manifesto em defesa da USP pública assinado pela Adusp, Sintusp e DCE.

Saiba mais: Sintusp discute Marco Legal da Ciência e Projeto de Universidade

Veja aqui: Manifesto em defesa da USP pública




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