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Tim Maia, o rei do soul e funk

Renato Shakur

Tim Maia, o rei do soul e funk

Renato Shakur

No último dia 15 de março completaram-se 25 anos da morte de Tim Maia. Esse artigo é uma homenagem a sua vida e obra.

Cresci ouvindo na TV que Tim Maia era um tipo encrenqueiro, não gostava de fazer shows (muitas vezes os abandonava no começo), brigava com gravadoras e donos de casas de eventos…usava bastante droga e bebia muito. Um tipo fanfarrão, que só falava besteira e de índole duvidosa. Tinha sido preso por roubo e por aí vai sua extensa ficha de maus hábitos.

Essa “ficha” de Tim Maia é resultado de uma condenação parcial, eu diria, mas que sem sombra de dúvida foi uma condenação sumária e sem chance do contraditório. Mas quem poderia fazer isso com o grande Tim Maia, eleito 14 anos depois de sua morte pela revista Rolling Stones Brasil junto a Elis Regina como os dois maiores cantores do país de todos os tempos? Quem poderia fazer isso com Tim Maia que tocou no mesmo palco que James Brown no clube do Palmeiras nas noites de baile black nos anos 1970 para milhares de trabalhadores? Quem se atreveria a fazer isso com o rei do soul e funk?

No dia 16 de março de 1988, dia seguinte à sua morte, o 1º caderno do Jornal O Globo dedicava 3 páginas para Tim Maia como uma suposta “homenagem” à sua carreira. “Tim Maia, um cantor sem limites” e “Um síndico envolvido em confusões incendiárias”, eram essas as chamadas de dois artigos sobre sua carreira. Os subtítulos eram ainda piores, “Faltas a show e abandono do palco causaram prejuízo a empresários, brigas com casas noturnas e indignação dos fãs”, dizia um deles. O outro vinha escrito o seguinte, “Depois de uma semana internado, o papo do soul deixa como herança polêmica e devoção” [1]

Bom, acho que nem preciso me alongar nessa discussão, mas é digno de nota, certamente, a total falta de respeito com um artista do tamanho de Tim Maia, sobretudo no momento de sua morte.

Ah, mas preciso também ser justo. Não se trata aqui de forma alguma em responder mentiras com outras mentiras. Tim Maia tinha um defeito absoluto que o fez pagar esse preço de ser taxado por coisas que jamais foi ou fez ao longo de toda sua carreira. Ele odiava os empresários da música e a indústria fonográfica de sua época. E novamente, sejamos justos…mas que defeito maravilhoso!

Olha só a briga que comprou com Bonifácio Sobrinho e Roberto Marinho da Globo:

Eu acho que eles tentaram me banir por algum tempo, mas agora não vai acontecer mais porque eu cheguei à conclusão que tenho de lutar pelos meus direitos. Eu quero que isso seja um exemplo pra outros artistas. [...] Eles não deram a mínima. Então, agora estamos entrando com uma ação cível e uma criminal. Porque eu acho que o que ele tá fazendo é crime, entendeu? Tá me boicotando. E é um boicote assim vitalício, sacumé? Não é um boicote tipo: “Você não vai cantar aqui durante três meses porque você nos sacaneou”. Eles alegam que eu não fui no programa do Fausto Silva e isso tira a moral dele… Não tira, ele é um ditador. O Boni é um ditador. Ele pode me acionar por eu estar chamando ele de ditador, mas tudo bem. O Mariozinho Rocha (na época, diretor musical da Rede Globo) já me acionou duas vezes. Me acionou criminalmente porque eu falei que ele recebia R$ 10 mil por cada música que se coloca na novela. Aí, um cara lá do Jornal do Brasil – eu sempre me esqueço o nome dele, o filho da puta do… – me perguntou: “É verdade que o Mariozinho recebe dez?”; falei: “Não, recebe quinze!” (gargalhada). Quer dizer, eu vou acionar eles pra acabar com essa farsa, com essa mentira, que o mundo todo sabe que todo mundo recebe jabaculê no Brasil, né?

E fica o Faustão, o programa inteirinho sacaneando o “coiso”… E ele mesmo não toca nada naquele programa! Tem uma hora que ele faz: “Toca, Caçulinha”! (imitando o Fausto Silva): “Ó o nariz do Caçulinha! O Caçulinha é um babaca!”. O Caçulinha é o saco de esporro, o saco de pancada… Pô, por quê? Gostaria até de convidar o Caçulinha pra tocar com a gente na banda Vitória Régia; a gente arruma uma sanfoninha pra ele, pode até vir com o pianinho dele, coitado… Ele não precisa daquilo, é um cara de renome! Antes do Fausto Silva chegar, o Caçulinha já estava aí há anos… Acho aquilo tão ridículo… Deviam botar o Bonifácio Sobrinho lá de chifre e o Roberto Marinho dentro da geladeira. Isso eles não fazem. Fica lá o Faustinho puxando o saco do Roberto Marinho. “Oi, seu Robertinho. Como vai, tudo bem? Tudo bem, seu Roberto?” Isso é uma coisa que denigre a imagem de um músico, saca? O músico fica esculachado, o músico é um saco de piadas. Músico é pra tocar música! Não pra ficar ali, sendo motivo de chacota [2]

Não era pra menos o boicote, Tim Maia se enfrentava abertamente contra nada mais nada menos do que um dos maiores monopólios brasileiros da tv naquela época. E denunciava a corrupção interna, os maus tratos com os trabalhadores, músicos e artistas. Silvio Santos, a Record e as gravadoras também eram alvos das denúncias do artista.

Mas o status de persona non grata vinha de tempos anteriores.

Tim Maia quando havia tido contato com a soul music e o movimento por direitos civis nos Estados Unidos onde ficou de 1959 até 1964. Ele tocou junto a uma banda de rhythm & blues chamada The Ideals com quem chegou a gravar um compacto. A música “Meu País” (1971) é uma homenagem a sua passagem por lá. “Sim…Bem sei que aprendi muito no seu país/ Justo no seu país…" Tamanho foi esse impacto que ainda em 1977 ele chegou a afirmar: “Faço música de preto. E os pretos precisam se convencer de que chegaram ao mundo dos brancos acidentalmente, em navios negreiros” [3]. Não à toa, por essa época foi convidado pela Chic Show, uma das maiores equipes de som em São Paulo, para tocar num baile black.

Não era só com os blacks com que tinha uma afinidade de alma. Tim Maia era bem quisto por toda juventude. A indústria fonográfica e cultural, junto da mídia burguesa, achava que vinculá-lo ao uso de drogas e bebidas “queimava o filme dele”. Na pior das hipóteses, isso só o conectou ainda mais ao espírito da contracultura de uma geração anterior, os beatniks, hippie, tropicalismo, etc que a juventude admirava por conta da arte, psicodelia, orientalismo…

Seu vozeirão e os arranjos inconfundíveis da banda Vitória Régia eram as marcas de um artista que viveu intensamente para alcançar o elevado nível da arte, atingidos apenas por um Mozart, Beethoven, Nina Simone. Como o próprio Tim Maia disse numa entrevista a Jô Soares, os treinos e repetições eram incansáveis [4]. A dedicação exaustiva se traduz em fruição profunda, basta ouvi-lo de olhos fechados, sentir a harmonia entre sua voz grave e os metais e as notas do baixo dando a melodia do funk. Tudo dando forma ao extraordinário soul brasileiro.

É claro, por isso a mídia e a indústria cultural não esperavam. A força de Tim Maia residia justamente na sua arte. Inabalável porque transmitia o black power. Inatingível porque foi feita com a dedicação e empenho de invejar qualquer revolucionário.

Por mais que tenham tentado destroná-lo, o povo brasileiro há muito tempo tinha escolhido, Tim Maia é o rei do soul e funk.


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FOOTNOTES

[1Jornal O Globo, edição 16 de março de 1998

[2Entrevista de Tim Maia em 1995, publicada pela primeira vez apenas em 2009. https://artebrasileiros.com.br/cultura/uma-entrevista-historica-com-tim-maia/

[3Entrevista cedida ao jornal Conversão, 1977 que pode ser encontrada em: Carlos Eduardo Amaral Paiva. “Black Pau: A soul music no Brasil nos anos 1970”, 2015.

[4Entrevista com Jô Soares no SBT em 1995 https://www.youtube.com/watch?v=JTb1OuVPmfE
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Renato Shakur

Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
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