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Argentina | Centrais argentinas chamam nova paralisação, mas como derrotar o plano Milei?

Após quase 3 meses de trégua, a central sindical argentina CGT foi forçada a convocar uma paralisação nacional, mas dentro de 30 dias. O chamado não altera a sua estratégia onde negociam o ajuste e cada sindicato ou setor luta sozinho. Aceitam discutir uma reforma trabalhista, não enfrentam o DNU e a nova Lei Omnibus e se recusam a enfrentar o plano de Milei como um todo. Mas a esquerda argentina quer discutir outro caminho. A necessidade de apoiar cada luta, apostar na coordenação desde as bases e aproveitar a paralisação geral para torná-la ativa e impor um plano de luta, incluindo greves e mobilizações quando estiver tramitando a Lei Omnibus. Só a greve geral pode derrotar o conjunto do plano Milei.

Fernando ScolnikBuenos Aires | @FernandoScolnik

sábado 13 de abril | Edição do dia

Um giro de 180 graus dos dirigentes das centrais sindicais argentinas?

Na última quarta à noite, já estava escuro quando os dirigentes sindicais da CGT deixaram a sede do governo argentino, a Casa Rosada, sem prestar declarações. Horas antes, haviam divulgado um documento que abria as portas para a discussão de uma reforma trabalhista. Não disseram uma palavra sobre a repressão aos movimentos sociais ocorrida poucas horas antes ou sobre as exigências dos setores mobilizados por medidas enérgicas.

24 horas depois, a situação parecia diferente. Os motoristas de ônibus fizeram uma grande greve que movimentou a Cidade Autônoma de Buenos Aires, exigindo salários, mas não conseguiram torcer o braço do governo e dos empresários. Metalúrgicos fizeram uma grande marcha. A PepsiCo Mar del Plata paralisou devido a demissões. O governo Milei rejeitou mais uma vez o acordo coletivo dos caminhoneiros e o secretário geral da CGT, Hugo Moyano, teve que prometer uma greve no plenário do sindicato. Os demitidos da GPS-Aerolinhas Argentinas e funcionários públicos foram às ruas contra as demissões, mas também contra o novo projeto da Lei Omnibus. Os movimentos sociais vêm marchando em massa e resistindo à dura repressão no centro da CABA. Professores, técnicos e estudantes de diversas universidades nacionais alertam que se preparam para iniciar uma grande mobilização no dia 23 de abril.

Os mesmos burocratas pelegos de quarta-feira passaram a chamar uma paralisação geral. Também convocam um ato para 1º de maio. O que aconteceu?

Se observarmos como o peronismo e sua ala esquerda, representada por Grabois, falam das eleições de 2025 enquanto Milei destrói os trabalhadores argentinos e o povo pobre hoje, a postura da CGT parece ser de fato outra política. Parece que mudou de estratégia, mas não: são a mesma coisa. Por baixo, a raiva se acumula com uma situação econômica sufocante. A inflação atingiu a população duramente nos últimos meses. Os salários caíram como nunca antes em tempo recorde. Os aposentados são os que mais pagam pelo custo do ajuste fiscal que a casta política e econômica deveria pagar. As cozinhas comunitárias não recebem alimentos. E além disso vêm novas taxas sobre os serviços básicos. Entretanto, os bancos, patronais rurais, mineiradoras e as empresas energéticas privatizadas saem no lucro.

A própria burocracia ficou espremida entre a agitação vinda de baixo e a dureza do governo e dos empresários. Não há espaço para conciliação.

Por isso a CGT anunciou medidas de combate, mas sem alterar o essencial. Apostam que a greve os ajudará um pouco na negociação sindicato por sindicato, tentando perder o mínimo possível contra a inflação, descomprimir a raiva e “melhorar” o projeto de reforma trabalhista que estão dispostos a discutir. Mas fazem-no, ao mesmo tempo, dividindo as lutas, deixando de lado os demitidos, abandonando os precárizados à própria sorte e abrindo a porta a uma maior flexibilização. Em suma: dividir a imensa força social da classe trabalhadora em vez de unificá-la. Se recusam a confrontar o plano de Milei como um todo, o FMI e os donos do país (Rocca, Galperín, Bulgheroni): são funcionais a cada avanço do ajuste fiscal.

A CGT de fato se recusa a enfrentar o mega Decreto de Necessidade e Urgência. Embora o capítulo trabalhista esteja parado pela Justiça, o decreto traz muitos ataques: Destruir as conquistas populares e desregulamentar os mercados para que eles possam fazer o que quiserem com as vidas dos trabalhadores argentinos. Por isso que os empresários aumentam os preços de tudo: aluguel, remédios, gasolina, benefícios de saúde, educação... Também não se convocam greves e mobilizações para os dias em que a nova Lei Omnibus for discutida no Congresso Nacional argentino. Se dependesse dos burocratas da CGT, discutiriam categoria por categoria os reajustes enquanto o plano motosserra avança e a grande maioria fica cada vez mais pobre. Com Milei, a cada dia a Argentina se torna um pouco mais uma colônia ianque.

Essa estratégia corporativista é criminosa porque divide os trabalhadores. Se, por exemplo, se conseguisse um aumento para os motoristas, mas à custa de uma nova tarifa nas passagens, estaria atingindo os bolsos de milhões de trabalhadores e setores populares. Se fosse possível sustentar os salários de alguns sindicalizados enquanto os precários, os desempregados e mesmo as classes médias empobrecem, não podemos dizer que esta se “freando o ajuste”.

O menemismo na Argentina conseguiu aplicar seus ataques precisamente por isso: conseguiu dividir cada luta e reivindicação para impor a política neoliberal como um todo.

Há setores da CGT e da CTA que têm dito que concordam com “ter outra paralisação” e “um plano de luta”. Que “o plano Milei deve ser derrotado”. Mas eles permanecem em palavras. Não convocaram medidas conjuntas e de “solidariedade”, que poderiam afetar setores importantes da indústria e dos serviços. Mesmo nos seus próprios centros ou sindicatos convocam medidas separadas. Portanto, para além dos seus discursos, são funcionais à estratégia da CGT.

A atitude da esquerda e do sindicalismo combativo tem sido completamente o oposto. Desde dezembro, desde o PTS e a Frente de Esquerda fomos os primeiros a sair às ruas enfrentando o protocolo repressivo de Patricia Bullrich junto com milhares de lutadores. Nessas mobilizações convergimos com as assembleias de bairro e os panelaços. Dissemos: temos de exigir os direitos dos motoristas, mas não podemos esperar que eles protestem. Em Janeiro ainda fizemos parte da primeira greve geral que a CGT foi obrigada a convocar, criticando que fizeram tudo sem entusiasmo, sem garantir a contundência da medida e permitindo que os transportes funcionassem normalmente quase todo o dia. Exigimos que tenha continuidade a medida que demorou a chegar.

Nos dias 8 e 24 de março, nos reunimos com centenas de milhares de pessoas nas ruas da Argentina. Junto dos trabalhadores culturais, lutamos lado a lado. Nas universidades, faculdades e técnicos, estamos na vanguarda da luta pela universidade pública. Em cada uma destas lutas não colocamos apenas os nossos corpos: propomos o nosso programa , que resumimos nestes 10 pontos para unir os trabalhadores, os jovens e as mulheres contra Milei e o poder econômico saqueador.

O que fazer?

Na Argentina e no Brasil, para enfrentar os ataques contra nossa classe, nos parece importante debater tudo isto em cada sindicato, em cada local de trabalho, em cada luta, em cada assembleia popular: qual é a estratégia do peronismo e da CGT? Com que objetivos chamam essa greve? O que aqueles que querem derrotar todo o plano de ajuste capitalista fazem para construir uma alternativa a essa estratégia de paz social das centrais e de fato vencer?

As próximas semanas serão de lutas importantes que teremos que assumir nas nossas mãos na Argentina. Nesta sexta-feira sairemos às ruas ao lado dos demitidos da GPS e do Estado, INCAA, empreiteiras Aysa, entre outros. No dia 23 faremos parte da grande marcha universitária nacional. Estaremos nas ruas junto com milhares de pessoas para marchar até o Congresso Nacional e repudiar as demissões, dando uma nova mensagem como em fevereiro: não vamos deixar aprovarem a reacionária Lei Omnibus. E exigiremos que os sindicatos e centros estudantis parem e se mobilizem quando for necessário.

Para fortalecer todas essas lutas, marcaremos uma reunião dos setores combativos da Argentina, visando unir forças e coordenar desde as bases, para estabelecer um espaço de reagrupamento para travar essas batalhas.

E no dia 9 de maio participaremos plenamente da greve convocada pela CGT, mas sem depositar um minuto de confiança na sua liderança. Nesse dia, os trabalhadores terão que paralisar o país fazendo uma grande demonstração de força. Para que não seja uma greve de pijama, a contundência da medida vai ter que ser garantida com piquetes e atos nas ruas. Exigimos isso de todos os sindicatos e propomos isso aos setores combativos. Se depender dos burocratas, vão transformar o dia em uma medida de pressão para negociar algo enquanto todo o plano Milei avança.

Portanto, como sempre dizemos, temos o objetivo de “atacar juntos, marchar separados”. Toda unidade na luta, mas mantendo a independência dos setores democráticos e combativos. Porque não se trata apenas de lutar por sindicato ou setor por setor, nem de tomar medidas nacionais isoladas de vez em quando. Trata-se de lutar pela continuidade de um plano de luta como parte da construção da greve geral. Porque essa é a única maneira de derrotar todo o plano de Milei.

Aos lutadores dizemos: é preciso a partir de hoje organizar a partir de baixo em assembleias em cada local de trabalho, de estudo e em cada bairro - como fazem as assembleias populares. Se coordenar nas instâncias democráticas e assim ter também mais força para apoiar cada luta e combater a burocracia. Queremos abrir caminho para a luta por outra saída. Uma solução que começa por afirmar que há dinheiro para salários, educação, saúde, ciência, obras, mas tirando dos grandes empresários e do capital financeiro. Que proponha a ruptura com o FMI , o não pagamento da dívida e a nacionalização dos bancos e diante das altas tarifas levante a nacionalização e expropriação sob controle operário de todo o sistema energético, no caminho de um programa para que a crise seja paga pelos capitalistas e que imponha um governo dos trabalhadores e do povo pobre que, ao questionar o domínio dos donos do país, inicie a reorganização da sociedade com base nas necessidades das grandes maiorias e não nos lucros capitalistas. Isso implica também que, no calor de cada luta, apostemos na construção de uma força política socialista dos trabalhadores, sem cair nas armadilhas do peronismo que recém vem do fracasso e do ajuste fiscal durante os seus governos, deixando 41,7% de pobreza, e que hoje aposta em deixar o plano de Milei passar e então “voltar” e administrar as ruínas empobrecidas da Argentina.




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