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STF | O Vale Tudo do STF para esvaziar a justiça do trabalho - até aproximar terceirização com uberização [1]

segunda-feira 11 de dezembro de 2023 | Edição do dia

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Sucesso na década de 80, a música do eterno síndico, Tim Maia, foi marca de uma geração que apresentou para o mundo grandes sucessos, revelando dos artistas como Rita Lee, Gal Costa, Cazuza, Michael Jackson, Pink Floyd e Madonna.

A canção “vale tudo” convida seus ouvintes a desfrutarem de um estado de espírito de permissão total, embora manifeste preconceito por orientação sexual, talvez comum para os tempos em que foi escrita.
Esse inclusive foi o mote utilizada pelo advogado sustentante da empresa Cabify no último dia 05 de dezembro de 2023, no plenário da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação Constitucional número 64018, recordando os Ministros da 1ª turma, que a Suprema Corte não uniformiza sua interpretação como se vivêssemos em um “museu de grandes novidades”, tal como estendeu o fez, ao estender igualdade de direitos civis a casais homossexuais na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF no. 132, e por isso mesmo, sendo o trabalho prestado para as empresas – plataforma, possível em face do desenvolvimento informacional, deveria aquela turma, julgar à luz do princípio da livre iniciativa, garantindo aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais.

“Ideologia”, foi outra canção que ganhou notoriedade na década de 80 e foi a palavra utilizada pelo Ministro Relator Alexandre de Moraes ao afirmar que ideologicamente e academicamente o Tribunal Superior do Trabalho tem desrespeitado diversos precedentes pelos quais permitem outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT, como foi defendido na ação declaratória de constitucionalidade (ADC) 48, na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 324, na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5835 e nos Recursos Extraordinários (REs) 958252 e 688223, com repercussão geral sobre contratos mantidos entre salões de beleza e o profissional dito “parceiro”, representando o entendimento do STF sobre o estado muito próximo de “vale tudo”, para defender a liberdade de estruturação da produção como alicerce do poder diretivo-empresarial, em detrimento da sustentação da busca do pleno emprego.

Quase chamando de “inútil”, outra canção sucesso popular na voz da banda ultraje a rigor, o árduo trabalho que é judicializar, processar e julgar demandas individuais e coletivas sobre trabalhadores vinculados a empresas – plataforma, dentro da estrutura do Poder Judiciário trabalhista, o Ministro Relator defendeu que “motoristas de aplicativos de entrega ou de transporte são microempreendedores, pois têm liberdade para aceitar ou recusar corridas e para escolher os horários de trabalho e a plataforma para a qual prestarão serviço. Eles também podem ter outros vínculos, porque não há exigência de exclusividade e de disciplina e nem hierarquia em relação à plataforma.”

“Como eu quero”, canção que inclusive foi uma das primeiras músicas que a autora deste texto aprendeu a tocar no violão, também sucesso dos anos 80, muito se aplica a interpretação da aludida turma, ao aproximar terceirização do que seria a relação de trabalho conhecida como “uberização”, sob o argumento de que “essa não é uma relação de trabalho típica da CLT, mas outra forma de contratação que pode merecer disciplina própria”.

Isto porque, o “vale tudo” para esvaziar a competência da justiça do trabalho, como tem agido reiteradas vezes o STF neste último ano de 2023, foi quase como um “whisky a go go”, outra canção enredo da década de 80, pois equipara um motorista do uber, que em sua maioria desproveem de condições financeiras suficientes para sequer utilizar o ar-condicionado do veículo utilizado para o trabalho em favor da empresa- plataforma, a uma empresa terceirizada, que à luz da lei de terceirização (13.429/2017), relaciona, como requisito para constituir empresa de prestação de serviços terceirizados, o capital social de pelo menos R$ 10.000,00 (dez mil reais), caso tenham até 10 funcionários.

No entanto, os terceirizados/as brasileiros são empregados/as celetistas. É como entoar “vou de táxi” – outra música clássica dos anos 80, atualmente, ao possivelmente categorizar os trabalhadores ditos uberizados como terceirizados, visto que estes últimos possuem, ainda que precários, com baixos salários e essencialmente ocupado pela população negra, periférica e feminina, vínculo de emprego celetista, tendo acesso a garantias trabalhistas e sociais, como proteção ao salário, recolhimento do INSS e FGTS, sob a responsabilidade de seu empregador, embora quase sempre estejam “alagados” em dívidas, outra canção enredo dos anos 80, dos Paralamas do Sucesso.

A prática da terceirização, que se consolidou em um contexto pós-fordista de acumulação flexível, recebeu a permissão legal da jurisprudência [2] e do texto reformista trabalhista, cedendo às pressões empresariais, não deve deixar de ser vista como uma “janela” para a redução ou anulação das principais pautas trabalhista historicamente conquistadas, aumentando a produtividade para o capital através da redução dos custos e da externalização de conflitos trabalhistas, crescendo assim os riscos com o trabalho para os trabalhadores.
Contudo, a mobilização desses trabalhadores, organizados de modo a atender a finalidade empresarial de transporte e entrega para empresas – plataforma, não deve se confundir com a terceirização, já que a troca de interesses mantidas nesta organização empresarial deve ser tratada como a operacionalidade de um grupo econômico e sua consequente responsabilidade objetiva [3].

Em outra Reclamação Constitucional, de número 59.765, de idêntica relatoria, cassou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª, que havia reconhecido o vínculo de emprego de um motorista com a plataforma Cabify Agência de Serviços de Transporte de Passageiros Ltda, determinando, ainda, a remessa do caso à Justiça Comum, tal como o fez no julgamento da reclamação constitucional em debate.

Se ousassem dedicar uma canção sucesso dos anos 80, os trabalhadores nomeados como uberizados certamente entoariam o sucesso da banda blitz, “você não soube me amar” e em seguida o trecho da música “podres poderes”, de Caetano Veloso, “enquanto os homens exercem seus podres poderes, motos e fuscas avançam os sinais vermelhos”, aos Ministros e Ministra do STF, reunidos em plenária naquele 5 de dezembro. Um erro imenso aproximar a terceirização quando inexiste para tanto, forma e conteúdo que permita a proposta simetria, decepcionando diversos trabalhos científicos, os esforços dos jurisdicionados do Poder Judiciário Trabalhista e principalmente os milhares de trabalhadores e trabalhadoras das empresas – plataformas espalhadas pelo Brasil. Esse “vale tudo”, não anima nada.

Flora Oliveira
Mulher, Nordestina, Advogada Trabalhista, Professora da UniFBV Wyden e Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Católica de Pernambuco. E-mail: [email protected]

Notas :

1. A autora desse texto considera que o termo “uberização” não facilita a compreensão social- trabalhista do papel das empresas, trabalhadores e Poder Público. Pelo contrário, as empresas que operam através de plataformas digitais de entrega se favorecem dessa ausência de identidade para se apresentarem como empresas de tecnologia, quando na verdade ofertam serviços de entrega de alimentos e de logística. Por conta disso, será utilizado nesse texto o termo “empresas - plataforma”;

2. A súmula 331 do TST permite a terceirização das atividades empresariais não vinculadas a finalidade econômica da empresa contratante, o que foi flexibilizado com a aprovação da Lei 13.429/2017, que permite a terceirização da atividade fim.

3. Artigo 2º, § 2o , CLT: Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

Obras Citadas

DUTRA, Renata Queiroz. 2018. Trabalho, Regulação e Cidadania: A dialética da regulação social do trabalho. São Paulo : Ltr, 2018.
DUTRA, Renata e FILGUEIRAS, Vitor. 2021. Distinções e aproximações entre terceirização e uberização: os conceitos como palco de disputas. Caderno CRH. V. 34 de 2021, pp. 1-14.




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