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Ditadura militar: algumas “outras” manifestações artísticas censuradas

Laura Sandoval

Ditadura militar: algumas “outras” manifestações artísticas censuradas

Laura Sandoval

O período da Ditadura Militar no Brasil foi marcado pelo forte ataque aos direitos democráticos da população. Manifestações políticas e artísticas que se embatiam com o regime foram perseguidas, e seus autores duramente reprimidos, por vezes, presos e torturados. Esse período deixa feridas na história do país, que sangram até os dias de hoje, devido à impunidade assegurada aos responsáveis militares. Estes seguem sendo reivindicados pela asquerosa extrema-direita.

Não esquecer e não perdoar é manter viva a história que o regime militar tentou enterrar. Durante o período de ditadura, houve a dura tentativa de estabelecer a ordem através da força repressora estatal. Essa ordem, por sua vez, não era abstrata: e sim, a ordem da burguesia sob as massas trabalhadoras e camponesas, impondo os interesses dos patrões, latifundiários e do imperialismo norte-americano. Os transgressores dessa ordem, inimigos do regime, eram os militantes políticos, estudantes, pessoas LGBTQ+, artistas, jornalistas e todos os tipos de opositores.

A esses, a perseguição não conseguiu ser escondida nos porões da ditadura, por mais que o regime tenha tentado desaparecer. Esses “desaparecidos”, sabemos que na verdade são os assassinados políticos desse período, que a transição pactuada e da Lei de Anistia até hoje impedem que tenham justiça. Além da repressão à integridade e à vida dos opositores, a ditadura no Brasil também cumpriu o papel de talhar uma das mais potentes formas de expressão humana: a arte.

Não à toa, ao atacarem a liberdade de expressão, reprimiram também a arte, que é capaz de apreender a realidade e aplicar sobre ela o exercício criador, para que retorne ao mundo uma perspectiva visceral. Parte disso foi a aplicação da censura no Brasil, executada a partir de órgãos de Estado, como a Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP), o Conselho Superior de Censura (CSC) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Desse modo, as mídias e a arte eram controladas: submetidas a critérios morais e políticos desses órgãos do regime, que por sua vez deliberavam se a população - o público geral - poderia ter acesso a elas. No Brasil desse período, seu exemplo de maior efeito foi a publicação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968. A censura foi uma forma de silenciar os opositores políticos da Ditadura, e tem marcado no dia 3 de agosto a data comemorativa do seu fim. Com o objetivo de homenagear aqueles que não se calaram frente a Ditadura, e remarcar a liberdade da arte, rememoramos nesta edição algumas “outras” obras que sofreram com a repressão da censura durante esse período, para além das famosas canções de Chico Buarque e Caetano Veloso:

1. “Repressão outra vez: eis o saldo” de Antonio Manuel

A VI Bienal de Jovens em Paris ocorreu no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro em maio de 1969, sendo conhecida como a “pré-Bienal de Paris”. A obra de Antônio Manuel estaria exposta nessa mostra, assim como a de vários outros artistas brasileiros que foram selecionados para a Bienal de Paris do mesmo ano. Porém, horas antes da abertura da exposição para público, os militares invadiram o MAM para impedir a exposição, que teria exposto vários elementos subversivos.

A repressão em 69, na verdade, fez crescer a revolta em Antonio Manuel, que no ano seguinte inscreveu seu próprio corpo nu como obra para ser exposta no Salão Nacional de Arte Moderna do Rio, que ocorreria no MAM novamente. Mesmo a inscrição não tendo sido aceita, Antonio Manuel, como participante do público, decidiu levar sua proposta à frente mesmo assim, e se despiu para concretizá-la. Ele relata: "Pelo clima de exceção que a gente vivia, eu senti que os quadros, a escultura e o desenho não tinham mais uma força de comunicação tão grande. Assim, pelo clima de exceção que a gente vivia, resolvi tirar a roupa toda dentro do museu. Fiquei nu, e completei a minha obra".

2. “Milagre dos Peixes” de Milton Nascimento

Milagre dos Peixes foi lançado pelo cantor e compositor brasileiro Milton Nascimento em 1973. No entanto, o álbum foi lançado quase integralmente sem letras, já que 8 das 11 músicas tiveram suas letras censuradas pelo regime militar. O artista resolveu, então, realizar uma obra bastante experimental e instrumental, ainda muito aclamada pelo público pelo trabalho estético minucioso com as vozes e os diversos instrumentos para compor uma obra singular e com unidade entre as músicas.

3. “El Justicero” de Nelson Pereira dos Santos

O filme de 1967 é um longa-metragem de comédia, dirigido e roteirizado por Nelson Pereira dos Santos. A obra foi inspirada no romance de João Bethencourt, “As vidas de El Justicero: O Cafajeste sem Medo e Sem Mácula”, para ser apresentado como uma criativa aventura cômica, mas que fazia críticas ao governo. O protagonista era filho de um general que aproveitava a boa vida graças ao dinheiro do pai, advindo da corrupção, ainda que muito contraditoriamente o jovem em dados momentos se atenta sobre problemas sociais. Por esse motivo, o filme foi censurado pela Ditadura e todas suas cópias foram apreendidas, exceto uma única que foi divulgada posteriormente.

4. “Primavera nos dentes” de Secos & Molhados

O grupo Secos & Molhados é amplamente conhecido pela sua subversividade, e transgressão artística, que se evidenciava também nas apresentações pelas danças, maquiagens e figurino, especialmente por Ney Matogrosso. A música “Primavera nos dentes” foi lançada em 1973, com letra de João Apolinário e seu filho João Ricardo. A letra remete à resistência e combatividade, sobre ter coragem para se contrapor à realidade, mesmo diante das piores derrotas, devemos segurar a primavera nos dentes. Ela foi censurada por essa mensagem incitar revolta contra o regime, além de a própria banda ter sofrido repressão dos militares por atentar contra a moral e os bons costumes.

5. “Abajur Lilás” de Plínio Marcos

Plínio Marcos foi um dos artistas mais censurados durante a Ditadura Militar, tendo 18 peças censuradas nesse período. O dramaturgo tinha uma predileção por retratar os marginalizados, homossexuais, prostitutas, etc. em suas produções, assim como a temática de miséria, opressão, violência e sexualidade, com críticas sociais. Esse é o caso de “Abajur Lilás”, mas também de uma de suas produções mais conhecidas “Navalha na carne”, que também foi parcialmente censurada. A peça “Abajur Lilás” de 1970 foi censurada e proibida duas vezes, uma no ano de lançamento e outra no ano de 1975, sob acusação de ser imoral.


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Laura Sandoval

Estudante da Letras - USP
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