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O empresariado da educação vai à caserna: notas sobre a ditadura e seu projeto educacional

Douglas Silva

O empresariado da educação vai à caserna: notas sobre a ditadura e seu projeto educacional

Douglas Silva

Neste mês, rememoramos uma das muitas páginas da história brasileira marcadas pelo reacionarismo dos militares. O início da ditadura militar é um marco, e, ao contrário das declarações de Lula sobre deixarmos o passado no passado, é necessário escovarmos a história a contrapelo [1]. Neste artigo, no entanto, desejamos nos deter na atuação dos militares, juntamente com o apoio do empresariado, no projeto educacional para o país. Afinal, não são desprezíveis os traços deixados pela intervenção dos militares na educação brasileira.

A relação entre os militares e o empresariado, tanto nacional quanto norte-americano, pode ser compreendida através da fundação do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IPES) por um grupo de empresários do Rio de Janeiro e São Paulo, em colaboração com empresários multinacionais e a Escola Superior de Guerra (ESG). Isso ocorreu sob a direção direta dos generais Heitor de Almeida Herrera e Golbery do Couto e Silva [2], um dos principais ideólogos do regime ditatorial. Além disso, Golbery também desempenhou um papel fundamental na formulação da doutrina da interdependência, como expresso pela declaração do general Juracy Magalhães, embaixador nos EUA durante o governo de Castelo Branco. Após uma viagem aos Estados Unidos, Magalhães afirmou que “não há mais independência; o que existe é interdependência", e acrescentou que "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” [3]. Com isso, foi estabelecida uma dinâmica de subserviência e entreguismo que permeou toda a história da ditadura militar, não apenas no campo da educação, mas em todos os aspectos da política e economia do regime.

O IPES, destacou-se não apenas como um veículo proeminente na disseminação da propaganda anticomunista de extrema direita, mas também como um centro conspiratório ativamente envolvido na ocupação da estrutura estatal após o golpe de 1964, mantendo-se operacional até 1973. Entre seus principais colaboradores estavam os empresários Augusto Trajano de Azevedo Antunes, associado à Caemi Mineração, e Antônio Gallotti, ligado à Light S.A. O financiamento primordial do Instituto provinha do governo dos Estados Unidos, sob a administração de John F. Kennedy.

Assim sendo, o IPES, que se apresentava como apartidário com interesses educacionais e cívicos, se lançavam com objetivos de

[...] promover a educação cultural, moral e cívica dos indivíduos, desenvolver e coordenar estudos e atividades de caráter social e, por meio de pesquisa objetiva e discussão livre, tirar conclusões e fazer recomendações que irão contribuir para o progresso econômico, o bem-estar social e fortificar o regime democrático do Brasil [4].

Todavia, por trás da retórica de "fortalecer o regime democrático do Brasil", estava a verdadeira intenção de combater a classe trabalhadora, seus movimentos sociais e sindicais, além de suprimir ideias comunistas. Em 1968, durante um período de crescente agitação social, com destaque para o movimento estudantil, o IPES e a PUC do Rio de Janeiro organizaram um simpósio para discutir questões relacionadas à educação, alinhadas aos interesses do regime e do empresariado nesse campo.

“A educação que nos convém”: a visão pedagógica do regime militar

Na Constituição de 1967, aprovada pelo regime, foram duas importantes alterações a traçar o destino da educação no país. Em primeiro lugar, a Constituição desobriga a União e os estados a investirem um mínimo, que antes estava previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961. Em segundo lugar, a Carta de 67 abriu as portas para a iniciativa privada. Assim, a ditadura preparava o terreno para a expansão de sua concepção educacional e de seus financiadores capitalistas.

De 10 de outubro a 14 de novembro de 1968 ocorria, então, o Fórum, organizado pelo IPES, intitulado de “a educação que nos convém”, em contraofensiva aos impactos das mobilizações do Maio de 68 francês no cenário mundial e num nítido incômodo com a força do movimento estudantil [5].

Durante o evento, o Ministro da Justiça da Ditadura, Gama e Silva, proferiu que os “estudantes têm que estudar” e não podem se envolver em “baderna” [6]. Essa declaração ecoa anos depois nas palavras de Abraham Weintraub, um dos Ministros da Educação do governo Bolsonaro, que se referiu às universidades como “balbúrdias”. Em ambos os casos, o que os ministros rotularam como “baderna” e “balbúrdia” era, na realidade, o espírito de contestação e luta da juventude contra a ditadura e, posteriormente, contra o governo de extrema direita de Bolsonaro, que se mostrou como um defensor incansável daquele regime e de seus torturadores.

Outra figura destacada na organização do evento foi Roberto de Oliveira Campos, antigo ministro do Planejamento do governo de Castelo Branco entre 1964 e 1967, quando se definiu a política econômica do regime militar. Assim, também no Fórum, o ex-ministro do Planejamento da ditadura deu as cartas sobre a intenção do governo em garantir uma educação de caráter dualista, formando os filhos dos trabalhadores para o mercado de trabalho e a universidade destinada aos filhos da elite. De acordo com Campos:

A educação secundária de tipo propriamente humanista devia, a meu ver, ser algo modificada através da inserção de elementos tecnológicos e práticos, baseados na presunção inevitável de que apenas uma minoria, filtrada no ensino secundário ascenderá à universidade; e para a grande maioria, ter-se-á que considerar a escola secundária como uma formação final [7].

A atuação dos militares, juntamente aos setores empresariais da educação, asseguraram a manutenção de seus interesses no aprofundamento de uma perspectiva produtivista e dualista, garantindo que só uma minoria, oriunda das classes altas, chegaria às universidades, restando as classes subalternas servirem de mão de obra barata e precarizada.

Nesse sentido, enquanto ocorria o fórum, também tramitava no Congresso Nacional, desde o dia 7 de outubro, sendo aprovado em 6 de novembro de 1968, o projeto de lei da reforma universitária, promulgado em 28 de novembro. Logo, sustentando os interesses das classes dominantes, o artigo 2º do Decreto garantiu que nenhuma universidade ou estabelecimento isolado fosse criado sem garantir as exigências do mercado. Ou seja, uma nítida subordinação da educação aos interesses do capital, escancarando não apenas tal relação, mas o apoio direto de empresários ao regime.

À vista disso, enquanto a denominada Escola Nova assistia seu declínio, outra tendência despontava no horizonte da década de 1960: a pedagogia tecnicista. Sobre o sistema em questão, Saviani afirma que:

Essa pedagogia acaba impondo-se, a partir de 1969 - depois da Lei n. 5.540, que reestruturou o ensino superior, destacando-se nesse quadro o Parecer n. 252/69, que reformulou o curso de pedagogia. Nessa reformulação, a influência tecnicista já está bem presente. O curso é organizado mais à base de formação de técnicos e de habilitações profissionais e reflui aquela formação básica, formação geral, que era a marca anterior do curso de pedagogia [8].

Posteriormente, se instituiu, em 11 de agosto de 1971, a Lei nº 5.692/71, “que unificou o antigo primário com o antigo ginásio, criando o curso de 1º grau de 8 anos e instituiu a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, visando atender à formação de mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho” [9]. Tudo isto, em consonância com o modelo americano, expresso nos “acordos MEC-Usaid, centrada nas ideias de racionalidade, eficiência e produtividade, que são as características básicas da chamada pedagogia tecnicista” [10].

Não obstante, junto ao avanço tecnicista na educação, também se intensificava a perseguição aos professores, estudantes e funcionários de estabelecimentos de ensino público, como ficou demonstrado pelo Decreto-Lei 477, que impedia qualquer manifestação dos mesmos. Dessa forma, a visão produtivista da educação avançava de mãos dadas ao maior controle sobre seus agentes, elevando a máxima de Taylor de que todo trabalhador teria que ser como um “gorila amestrado”.

Nesse sentido, o fenômeno americano (ou americanismo), conforme discutido por Gramsci nos Cadernos do Cárcere, representa um esforço na criação de um novo tipo de trabalhador e de homem. Essa influência também se reflete no Brasil, especialmente na formulação da educação, que é concebida com os mesmos objetivos do mercado. Gramsci destaca a organização industrial proposta por Taylor, a qual identificamos como um exemplo dessa influência no modelo educacional, indicando a busca por uma padronização e eficiência da indústria a partir de:

[...] desenvolver ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais e automáticas, romper o velho nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador, e reduzir as operações produtivas apenas ao aspecto físico maquinal [11].

Assim, a automatização tanto do trabalho quanto, no nosso caso, do ambiente educacional, desempenha o papel de moldar tanto os trabalhadores quanto os estudantes. Na época da ditadura, essa automação era especialmente direcionada à classe operária e seus filhos, os quais frequentemente resistiam fortemente ao regime. Logo, a implementação de uma pedagogia baseada na técnica, no controle econômico, político e social, atendia aos interesses de formar jovens que fossem dóceis tanto no trabalho quanto na vida em sociedade.

Por conseguinte, as mudanças curriculares, como a inclusão da disciplina "Educação Moral e Cívica" e a “Organização Social e Política do Brasil”, cumpriram um papel chave na reprodução da disciplina militar nas escolas, o culto à pátria e aos valores do regime militar. Disciplinas como Sociologia e Filosofia foram excluídas do currículo básico dos estudantes, enquanto promoviam outras mudanças nas matérias da área de humanas, bem como História e Geografia.

Além do mais, a ditadura assegurou a perseguição política ao movimento estudantil, como pela Lei nº 4.464, de 6 de abril de 1964, na qual jogou na ilegalidade grêmios estudantis em todo país ao mesmo tempo que perseguia e matava estudantes opositores ao regime. Como no caso do assassinato do secundarista Edson Luis por um soldado, em meio a manifestação contra o preço do restaurante estudantil, no Calabouço, Rio de Janeiro.

A ditadura militar também colocou em xeque o princípio da gratuidade do ensino na Carta Magna de 1967, quando afirmou que “sempre que possível o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior”. Na Emenda de 1969, o que antes era exceção, destacada pelo “sempre que possível”, passou a ser descrita como “o Poder Público substituirá, gradativamente, o regime de gratuidade no ensino médio e no superior pelo sistema de concessão de bolsas de estudos, mediante restituição, que a lei regulará” [12]. Ou seja, a compreensão de uma educação elitizada, garantida sobretudo aos filhos da elite, atravessa o regime militar e desemboca na constituição de leis que a legitimam.

Portanto, na sequência, assistimos ao crescimento das instituições particulares, marcado pela relação umbilical entre militares e empresários. As instituições públicas de ensino superior passaram de 129 para 222, enquanto as privadas foram de 243 para 663. Todavia, tal crescimento se dava sob controle político e ideológico dos militares, com a criação de “conselhos curadores”, constituídos de representantes das empresas e empresários, entusiastas do regime, como membros dos conselhos universitários [13]. Assim, a ditadura buscava minar qualquer oposição nas universidades, tanto a partir da organização burocrática, quanto por meio das perseguições aos professores e estudantes que se opunham ao regime.

Parece que a organização do ensino no Brasil está fadada a ser regulada por regimes autoritários. Com efeito, a estrutura que vigorou até a década de 1960 foi instituída pelo Estado Novo. No caso da educação básica, decorreu das leis orgânicas constitutivas das chamadas “reformas Capanema”, baixadas pelo ministro da Educação do Estado Novo, Gustavo Capanema. Daí decorreu um ensino primário de quatro anos, seguido pelo ensino médio dividido em dois ciclos: o ginasial, com a duração de quatro anos, e o colegial, com a duração de três anos. No caso do ensino superior, a estrutura decorreu do Decreto-Lei n. 1.190, de 4 de abril de 1939, também de iniciativa de Capanema, que estabeleceu a duração de quatro anos para os cursos de bacharelado e licenciatura pela via do “esquema 3+1”. Essa estrutura geral do ensino primário, médio e superior se manteve mesmo depois de aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 20 de dezembro de 1961. Uma nova estrutura organizacional só veio a ser estabelecida exatamente pelo regime militar. Essa nova estrutura permanece em vigor atualmente, não tendo sido modificada pela nova LDB [14].

Contudo, os governos da Nova República mantiveram os professores nas mesmas condições precárias que vigoravam no modelo tecnicista da ditadura militar. Logo, “a rede escolar desorganizou-se ainda mais, passando da gestão tecnocrática, própria do período autoritário do regime militar, para o extremo oposto, da fragmentação e do descontrole, em nome da descentralização, mantendo-se, porém, os mecanismos autoritários pelos quais se impunha a nova situação” [15].

Por fim, o legado da ditadura militar no Brasil ainda está presente nas relações entre militares, empresários e políticos até os dias atuais. A privatização, que teve início nesse período, continuou ao longo da história do país. Durante os primeiros mandatos do governo Lula, houve um significativo aumento no número de universidades privadas e no financiamento dessas instituições pelo poder público. Ao mesmo tempo, testemunhamos o endividamento de estudantes que não conseguiram ingressar nas universidades federais e acumularam dívidas por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Apesar da retórica sobre a ampliação do acesso ao ensino superior, isso resultou no enriquecimento das grandes corporações da educação, como a rede privada de ensino Kroton, durante os governos do PT.

Esta relação entre o empresariado da educação e a ditadura se perpetuou nos governos que sucederam esse período, incluindo o golpe institucional de 2016, no qual o Novo Ensino Médio foi implementado de forma autoritária por meio de medida provisória. O governo de extrema direita de Bolsonaro acentuou essa tendência, transformando os professores em alvos a serem combatidos. Atualmente, no governo de Frente Ampla, observamos a não revogação do NEM e um incentivo à precarização da educação, através de um arcabouço fiscal que legitima e incentiva o sucateamento dos serviços públicos nos estados e municípios.

Os fios de continuidade do projeto educacional da ditadura na atualidade

A postura da ditadura em relação à construção de uma perspectiva dualista e tecnicista da educação não é surpreendente, como evidenciado pelas declarações de Campos durante o Fórum mencionado anteriormente. Isso sinaliza uma visão do empresariado e da ditadura de conjunto que sugere, nas palavras do próprio Campos, que “a educação secundária em um país subdesenvolvido deve se orientar para a educação em massa, enquanto o ensino universitário inevitavelmente permanecerá elitista” [16].

Assim, os planos da ditadura para a educação em um país subdesenvolvido representa os interesses imperialistas e da burguesia nacional na formação de mão de obra barata para o capital. Nesse sentido, buscamos traçar alguns fios de continuidade, ou pontos de contato, entre a proposta educacional do regime e a direção tomada pelo Novo Ensino Médio, assim como a reforma (da reforma) proposta por Mendonça, no último mês.

A aprovação do NEM no governo Temer, logo após o golpe institucional de 2016, sinalizou qual os planos dos empresários e políticos brasileiros para a educação, a saber, o barateamento da mão de obra por meio do sucateamento do ensino, seu esvaziamento de conteúdo, oferecendo disciplinas como os itinerários e o avanço de cursos técnicos precários. O NEM chega, portanto, como uma “reforma trabalhista para trabalhadores da educação” [17], se somando aos inúmeros ataques em curso no plano político e econômico.

Todavia, tal concepção, embrenhada na precarização do trabalho, seguiu sendo atravessada, mais especificamente durante o governo Bolsonaro, pela intensificação da perseguição aos professores e defesa do Escola Sem Partido, o qual, mais do que um projeto, simbolizava uma concepção de educação técnica e esvaída de qualquer criticidade que perdurou também a partir do NEM. À vista disso, como parte do esforço para garantir um maior controle por meio das administrações escolares, testemunhamos um aumento na militarização das escolas durante o governo Bolsonaro. No entanto, não se pode ignorar o fato de que esse processo já vinha crescendo significativamente de 2013 a 2018, por meio de inúmeros outros programas [18].

Nesse sentido, sob a égide empresarial da educação, mas também militar, como no caso das escolas militarizadas, está toda a privação de formação intelectual e disseminação de ideias como empreendedorismo, mascarando o real caráter de precarização da reforma, além de apontar como “com a militarização de todo tipo que continua em curso, é concorrência e gestão policialesca de relações educativas. No fundo, é uma formação que fortalece a direita e a extrema direita, apesar de se apresentar como “alternativa democrática”” [19].

De conjunto, não são poucos os fios de continuidade entre o modelo educacional da ditadura nos dias atuais. Como mencionamos anteriormente, a ênfase na formação de mão de obra barata, tanto na ditadura quanto atualmente, segue como tendência. Desse jeito, a educação técnica - cabe dizer, precária - se sobrepõe a uma educação mais ampla e “humanística”. À vista disso, salientamos a proposta da reforma (da reforma) do ensino médio que visa, justamente, a redução da carga horária para aqueles estudantes que optarem pelo ensino técnico, reduzindo drasticamente a formação geral básica em favor dos interesses do mercado.

Leia também: Reforma (da reforma) do ensino médio e PL da uberização: a precarização continuada pela Frente Ampla

Assim, a concepção de favorecimento do mercado, que permeou os últimos governos, também se faz presente no governo Lula-Alckmin, onde o ministro Haddad advoga em favor da educação técnica, inclusive na negociação de dívidas com estados como Minas Gerais. Recentemente, o ministro da Fazenda, em março, durante negociações com o governo reacionário de Zema, condicionou a redução dos juros da dívida do estado com a União ao investimento em ensino médio técnico, mas em um cenário marcado pelo sucateamento dos mesmos, que agora visam atender aos interesses da plataformização e precarização do trabalho. Isso significa que a frente ampla, que não demonstrou esforços na revogação do autoritário Novo Ensino Médio, mas ao contrário, se aliou à proposta de reformulação, mantém uma postura de defesa dos interesses do mercado ao promover uma visão tecnicista do sistema de ensino.

A conexão de Haddad com o grande empresariado nacional é um exemplo duradouro dos interesses desses grupos que perpassam a história do país. Tomemos como exemplo a criação do "Todos Pela Educação" em 2006, durante o mandato de Haddad como Ministro da Educação, em colaboração com o setor empresarial. Um conglomerado de empresas sociais ligadas a grandes corporações e instituições financeiras, como Itaú, Unibanco, Gerdau, Grupo Pão de Açúcar, Ifood, B3, entre outras, que se estabeleceram como porta-vozes da educação, sem qualquer vínculo com a comunidade escolar e seus interesses, mas sim com os interesses empresariais. Dessa forma, a educação bancária de Paulo Freire larga de ser uma metáfora, ela passa a comunicar “hoje uma relação concreta e refere-se a um caráter estrutural da política e da organização da educação básica dessa vasta parcela da população” [20].

Além disso, a defesa por Haddad de um ensino técnico, especialmente em um contexto marcado pela crescente uberização e precarização do trabalho, em detrimento de uma educação mais abrangente e humanística, no mínimo, reflete uma visão semelhante àquela outrora defendida pelos militares. Ou seja, a dicotomia entre uma educação técnica ou vocacional destinada à maioria e uma educação superior voltada para a elite. Assim, “se partirmos dos interesses da burguesia, o objetivo da escola variará segundo a camada da população à qual se destina. Destina-se às crianças da classe dominante, tem por objetivo preparar indivíduos capazes de desfrutar a vida e de governar” [21].

Assim, tanto na ditadura quanto no conjunto do sistema educacional atual, o que prevalece é a centralização do poder decisório. Portanto, o que assistimos na aprovação do Novo Ensino Médio com Temer, por meio de medida provisória, o que minou todo e qualquer diálogo com as comunidades escolares, é prática recorrente na história educacional do país. Nesse contexto, a tomada de decisões relativas aos sistemas de ensino permanece nas mãos dos governos, grupos políticos e empresários, excluindo a participação democrática, bem como a autonomia das escolas, dos professores e dos estudantes.

Contudo, tudo se dá sob forte influência dos interesses econômicos, especialmente aos relacionados ao mercado de trabalho e ao desenvolvimento econômico, os quais moldaram e seguem a moldar as políticas educacionais, refletindo uma abordagem pragmática e utilitarista da educação. Todavia, com a imposição do silêncio sobre a ditadura imposto por Lula, quando se completa 60 anos do golpe, também assistimos a uma segunda anistia, pois se a primeira perdoou os crimes dos militares de 1964, “a segunda vem para impor duplo esquecimento” [22].

Nesse cenário, é evidente uma conexão entre o modelo educacional vigente durante o regime militar e aquele que está sendo implementado atualmente. O Novo Ensino Médio, e sua manutenção, expressa o pacto com diversos atores políticos, incluindo militares e empresários, no marco da degradação do regime político, em benefício da precarização do trabalho, do ensino e da vida. Por isso, reafirmamos a necessidade de se apoiar na força da classe trabalhadora, com seus métodos, como vem ocorrendo com as greves protagonizadas pelos técnicos e professores de universidades e institutos federais, além das que vêm ocorrendo nos estados e municípios no campo da educação, mas não apenas.

Para enfrentar o NEM e a precarização, e para construir outra perspectiva educacional, é necessário que as centrais sindicais e a UNE rompam a paralisia e organizem trabalhadores e estudantes em cada local de trabalho e ensino.


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FOOTNOTES

[1BENJAMIN, Walter. Teses sobre o Conceito de História. In: Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 222-232.

[2SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do regime militar. Cadernos Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.

[3SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. 1 ed. Campinas-SP: Autores Associados, 2007.

[4DREIFUSS, R. A. A conquista do Estado – Ação política, poder e golpe de classes. Petrópolis: Vozes, 1981.

[5CARVALHO, Celso. O simpósio "A educação que nos convém: o Ipes e a ação político-ideológica da burguesia na década de 1960". EccoS Revista Científica, vol. 9, núm. 2, julho-dezembro, 2007, pp. 369-385. Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil.

[6Ibidem.

[7CARVALHO, Celso. O simpósio "A educação que nos convém: o Ipes e a ação político-ideológica da burguesia na década de 1960". EccoS Revista Científica, vol. 9, núm. 2, julho-dezembro, 2007, pp. 369-385. Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil.

[8SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica. 24. ed. Campinas: Autores Associados, 2012.

[9SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do regime militar. Cadernos Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.

[10SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica. 24. ed. Campinas: Autores Associados, 2012.

[11GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. In: Maquiavel, a política e o Estado moderno Tradução de Luiz M. Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980 [1934]. p. 375-413.

[12SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do regime militar. Cadernos Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.

[13Ibidem.

[14Ibidem.

[15SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica. 24. ed. Campinas: Autores Associados, 2012.

[16CARVALHO, Celso. O simpósio "A educação que nos convém: o Ipes e a ação político-ideológica da burguesia na década de 1960". EccoS Revista Científica, vol. 9, núm. 2, julho-dezembro, 2007, pp. 369-385. Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil.

[17CATINI, Carolina. A Reforma do Ensino Médio é uma reforma trabalhista para trabalhadores da educação. Esquerda Diário. Disponível em: <https://esquerdadiario.com.br/Carol...>

[18CATINI, Carolina de Roig. A Educação Bancária, "Com um Itaú de Vantagens". Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v.13, n.1, p.90-118, abr. 2021.

[19Ibidem

[20Ibidem

[21KRÚPSKAYA, Nadezhda. La educación laboral e la enseñanza. Moscú: Editorial Progreso, 1986, tradução nossa.

[22FLAMÉ, Thiago. Os militares e a república, 60 anos depois. Esquerda Diário. Disponível em: <https://www.esquerdadiario.com.br/O...>
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Douglas Silva

Professor de Sociologia
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