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O que o caso Marielle revela sobre os militares e as heranças da ditadura?

Miguel Gonçalves

O que o caso Marielle revela sobre os militares e as heranças da ditadura?

Miguel Gonçalves

No marco da impunidade dos militares no período pós-Ditadura, e do salto no ativismo político destes em meio à ofensiva do golpe institucional de 2016 que realizou a Intervenção Federal militar no Rio de Janeiro, que começa pouco antes do assassinato de Marielle e Anderson, é possível questionar qual foi o grau de envolvimento dos militares no caso?

Nesta semana se completam 60 anos do golpe militar no Brasil que instaurou o período reacionário da ditadura militar que atacou os direitos políticos e econômicos da classe trabalhadora e dos setores oprimidos e populares por 21 anos, e cujos principais responsáveis, os militares, seguiram com a impunidade garantida através de uma transição pactuada. Também nesta semana avançaram as investigações do Caso Marielle Franco, que foi brutalmente assassinada durante a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018 ao longo do Governo golpista de Michel Temer. As investigações apontam como mandantes os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além do delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa. No entanto, apesar dos muitos indícios, seguem ocultados o possível maior envolvimento dos militares no caso.

Não é atoa que começamos este texto retomando o “aniversário” do golpe de 1964. A Ditadura militar perdurou até 1985, ou seja, 21 anos que representaram muitos ataques às organizações sindicais, aos movimentos populares e também aos direitos econômicos e políticos do conjunto da população. Mesmo com todas as mortes, torturas e desaparecimentos, os militares nunca foram responsabilizados no Brasil, pelo contrário, foram anistiados e seguiram com seus direitos políticos. Mais do que isso, os militares seguiram sendo atores importantes do regime político brasileiro, inclusive com cargos políticos, o que é parte constitutiva da degradação bonapartista do regime político brasileiro. A já limitada constituição promulgada em 1988 terminou de ser rasgada com o golpe institucional de 2016 e com a Intervenção Federal no Rio de Janeiro e a prisão de Lula em 2018. O regime degradado com peso de diferentes forças como o centrão, o judiciário, também tem nos militares um de seus principais autores. É justamente neste marco da impunidade dos militares, e do salto no ativismo político destes em meio à ofensiva do golpe institucional de 2016 que realizou a Intervenção Federal militar no Rio de Janeiro, que começa pouco antes do assassinato de Marielle e Anderson, que podemos questionar qual foi o grau de envolvimento dos militares no caso.

Neste sentido, também é importante retomar que parte das denúncias de Marielle Franco eram contra a violência policial e o crescimento das milícias nos territórios do Rio de Janeiro. Segundo o professor José Cláudio Alves da UFRRJ que pesquisa as milícias, estas que são uma herança dos esquadrões da morte surgidos na Ditadura Militar, cuja composição era de policiais e membros das Forças Armadas, que em um primeiro momento perseguiram e assassinaram setores que lutavam contra o regime militar, e em um segundo momento buscam exercer um poder mais amplo sobre partes do território da cidade do Rio de Janeiro. Neste sentido, o fortalecimento territorial, político e econômico que tiveram nos últimos anos chegou a um patamar muito superior se comparado ao passado.

Ou seja, é impossível pensar na morte de Marielle sem questionar em que nível - direta ou indiretamente - os militares estão envolvidos. No momento de sua morte, o cenário político consolidava um giro à direita no Brasil que se expressa em vários fatores: o golpe de 2016 de Michel Temer que aprovou as reformas da previdência e trabalhista, a intervenção federal no Rio de Janeiro, a prisão de Lula, o crescimento da extrema-direita que culminou na eleição de Bolsonaro em 2018. Todos esses fatores desde o começo colocavam na ordem do dia que a luta por justiça não seria confiando nas instituições deste próprio regime político. No sentido oposto, naquele momento, Marcelo Freixo chamou a confiar nas investigações da polícia, inclusive em Rivaldo Barbosa, comandante da polícia civil, cujo envolvimento no caso agora se faz claríssimo

Naquele momento, nós do MRT buscamos debater a importância de uma luta massiva que impusesse uma investigação independente por parte de organismos de direitos humanos, parlamentares do PSOL, de sindicatos, movimentos de favela, etc, como a única capaz de impedir a impunidade. Essa investigação independente teria que ter sido garantida por parte do Estado os recursos para trabalhar, acesso aos arquivos de investigação, contratação de peritos independentes, participar das produções de provas, entrevista com as testemunhas e ter acesso a todo o tipo de informação por parte do Estado.

Os militares que já tiveram sua impunidade historicamente garantida, no caso de Marielle Franco, se apoiavam em investigações arrastadas que não avançavam ao longo do Governo reacionário de Bolsonaro. Os fatores que mostravam que não poderíamos confiar na polícia para resolver o caso eram mais que evidentes. Nesta semana, os mandantes do crime foram presos: o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil - RJ) e seu irmão e ex-cacique do PMDB carioca Domingos Brazão, atualmente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-comandante da polícia civil nomeado 12 dias antes pelo General Braga Netto, e empossado 1 dia antes do assassinato de Marielle no comando da Polícia Civil. Ainda que em agosto de 2018, ocorreu o questionamento acerca do envolvimento de 3 políticos do MDB (Edson Albertassi, Jorge Picciani e Paulo Melo), o fato é que o nome dos Brazão não chegou a ser ventilado.

Domingos Brazão é um nome influente do MDB carioca, e é irmão de Chiquinho Brazão, deputado federal, e Pedro Brazão, deputado estadual. Seu reduto eleitoral é o Rio das Pedras, área dominada por uma milícia de peso do Rio de Janeiro. Domingos e Chiquinho foram citados no relatório final da CPI das Milícias, em 2008, presidida por Marcelo Freixo, então deputado estadual. E tal como acontece na prisão de hoje as investigações chegaram à cúpula da polícia civil, naquele momento em 2008 a Álvaro Lins, e agora a Rivaldo Barbosa - nome de Braga Netto e de Richard Nunes, portanto da cúpula das Forças Armadas, no Rio de Janeiro.

Ainda que se reconheça a importância do envolvimento desses nomes, nossa luta para conhecer e punir cada envolvido nesse assassinato político precisa se redobrar porque ainda há muito a esclarecer e para que se possa enfrentar os problemas de fundo que esse assassinato revela. Marcelo Freixo e um setor do regime político que está alinhado à Frente Ampla dão o caso como resolvido, no entanto, seguem obscuras e sinistras o possível maior envolvimento dos militares, afinal, é no mínimo suspeito que Braga Netto tenha empossado Rivaldo Barbosa apenas 1 dia antes do assassinato de Marielle.

As prisões foram acompanhadas de outras 12 operações de busca e apreensão, inclusive do chefe do Departamento de Homícidios (DH), Giniton Lages, nomeado por Barbosa para obstruir o caso que ele teria planejado a execução a mando dos Brazão. Ainda não foi plenamente esclarecido o papel de Giniton Lages, Rivaldo Barbosa, Richard Nunes, e seu chefe, Braga Netto, na trama, mas é um fato que no exercício de seus mandatos desviaram a investigação para acusar o Curicica e Siciliano como mandantes. Meses depois do assassinato, Richard Nunes, Secretario de Segurança Publica interventor das Forças Armadas chegou a ser categórico em 14 de dezembro de 2018 ao dizer que Marielle foi morta por milicianos pela ameaça que representava à grilagem de terra feita por milicianos, sendo tudo isso anterior ao fim da Intervenção federal, não podendo esquecer era homem de confiança de Braga Netto.

Richard Nunes chegou a se mostrar contra o maior envolvimento das forças federais no caso, querendo dar este como praticamente encerrado. Já há fontes jornalísticas que apontam que a nomeação de Barbosa a chefe da polícia civil por Braga Netto teria sofrido oposição da inteligência deste órgão mas que mesmo assim o general teria decidido fazer isso. Quais os interesses que Richard Nunes, secretário de segurança pública interventor das forças armadas no Rio em 2018, tinha ao conduzir as investigações de forma a responsabilizar pessoas que não estavam de fato envolvidas? É muito frágil a fundamentação do relatório do STF de que o general teria sido ludibriado por Rivaldo Barbosa.

Apesar dos avanços, as motivações e conexões dos Brazão seguem sem estar esclarecidas com as operações de hoje e a própria família da vereadora segue lançando dúvidas. É evidente que ainda há muitas coisas no caso que precisam ser esclarecidas, principalmente acerca do papel dos militares.

A maioria da grande imprensa omite o papel de Braga Netto e seus indicados à polícia civil do Rio de Janeiro no caso que aconteceu sob a intervenção federal. Trata-se de uma tentativa flagrante de poupar as Cúpulas das Forças Armadas de seu envolvimento direto ou indireto no caso. Familiares de Marielle reagiram com estranhamento sobre os desdobramentos incluírem a cúpula da polícia e suas motivações.
Outra possível ligação dos militares com o encobrimento do caso veio a público recentemente. O diretor da Abin durante o governo Bolsonaro, Alexandre Ramagem, utilizou o software israelense First Mile para espionar a procuradora do Ministério Público carioca Simone Sbilio, responsável pelas investigações. Na época a Abin era parte da estrutura do GSI e Ramagem era subordinado do general Augusto Heleno.

A milícia e o Estado

O que é um fato incontestável sobre o caso é a profunda ligação do Estado, de políticos a membros do TCE às Forças Armadas, com o submundo do crime carioca, e particularmente as milícias, incluindo tentativas de incriminar milicianos rivais. As milícias, inicialmente formadas por ex-policiais, sempre tiveram uma ligação profunda com praticamente todos os principais partidos da política fluminense. Se hoje sobressai sua ligação com Bolsonaro e seu séquito, durante muito tempo já foram ligadas ao MDB do próprio Domingos Brazão, mas também de Sergio Cabral, Pezão e Eduardo Paes, ou ao então DEM do ex-prefeito Cesar Maia e outros partidos.
Pensar o envolvimento dos Brazão com o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes é justamente se dar conta no nível de ligação e envolvimento que existe entre o Estado e a milícia. Composta por policiais civis e militares na ativa e na reserva, parlamentares de todos os tipos e membros do judiciário, a milícia controla cerca de 40% do território da cidade do Rio de Janeiro nos quais controlam serviços essenciais como água, gás, TV a cabo, transporte, segurança, mercado imobiliário, entre outros.
Enquanto cada envolvido no caso Marielle não for responsabilizado, temos que seguir batalhando para conseguir justiça, através da mobilização e não da espera passiva das instituições.

A impunidade dos militares no governo da frente ampla de Lula-Alckmin é tal que até mesmo o golpe de 1964 é para o governo “página virada do passado”, bem como foi promulgada uma Lei Orgânica das Polícias que aumenta sua impunidade. Tais tipo de medidas acontecem ao mesmo tempo que são mantidas e aprofundadas as relações com o miliciano Waguinho, pai da ex-ministra do Turismo Danielle Waguinho, ilustrando como a conciliação do PT alimentou o MDB carioca amplamente relacionado às milícias e a esse assassinato político, como segue, no tempo presente, fortalecendo e alimentando alas da política carioca conectadas às milícias, não só Waguinho, como também Eduardo Paes, antigo entusiasta das milícias e que o PT compõe o gabinete de secretarias de sua prefeitura e busca indicar seu vice nas próximas eleições.

É impossível fechar a ferida aberta do golpe institucional e das heranças da Ditadura Militar sem obtermos todas as respostas acerca deste caso e acabar com toda herança da ditadura no Brasil, que se expressa no caso Marielle e segue viva em diversos aspectos do regime político brasileiro.


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