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TEORIA | revolução permanente ou revolução democrática? Programa de transição ou programa motor?

segunda-feira 18 de janeiro de 2016 | 23:14

Nos momentos de agudização da luta de classes muitas vezes é necessário retomar antigos debates teóricos, programáticos, estratégicos, como forma de esclarecimento sobre as divergências atuais que se expressam entre os revolucionários. O resgate da tradição revolucionária onde se está inserido, o estabelecimento de claras linhas de demarcação entre essa tradição e as suas concorrentes é elemento de suma importância para a construção de fortes organizações proletárias, que possam se diferenciar de todas as influências pequeno-burguesas e burguesas que permeiam o movimento operário (centristas e reformistas) sem ao mesmo tempo cair-se no sectarismo estéril (que é apenas a contra-cara dessas mesmas influências).

Vivemos no Brasil hoje um desses momentos de retomada das lutas e da mobilização da juventude e dos trabalhadores, momento cuja inflexão foram as jornadas de junho de 2013, que colocaram o país em maior consonância com a luta de classes internacional e o fim da etapa de restauração burguesa, que tem como marco a crise de 2008 e a consequente primavera árabe. A partir daí os debates entre os revolucionários perdem seu caráter mais abstrato para ganhar contornos cada vez mais concretos, as diferenças que apareciam como diferenças teóricas cada vez mais passam a se expressar como efetivas diferenças práticas, de como os revolucionários atuam nas lutas reais dos trabalhadores e da juventude.

Assim, a agudização das lutas não exclui que antigas divergências teóricas devam ser aprofundadas e debatidas, muito pelo contrário, é nesses momentos em que a teoria tem a potencialidade de se tornar força material, possibilidade de se fundir com as massas, que o esclarecimento e a demarcação conseqüente das divergências ganha muito maior importância; ainda mais quando essas teorias são base para a construção e atuação de organizações que tem peso real na vanguarda do movimento.

Em 1984, impactado pelas fortes mobilizações que estão ocorrendo na América do Sul contra os regimes ditatoriais-militares, Nahuel Moreno escreve aquela que talvez seja sua obra mais influente e conhecida ‘Revoluções no Século XX’, que será marco teórico/programático da corrente que ele irá construir, a LIT-qi.

Essa obra encerra uma série de erros e limites teóricos, revisões mesmo do trotskysmo, e esse artigo e outros que seguirão tem a pretensão de mostrar esses erros e as suas consequências práticas para a atuação dos revolucionários, como eles são a porta de entrada para a série de equívocos teóricos e práticos que a LIT-qi vem demonstrando frente aos novos fenômenos da luta de classes. Mas disso não decorre que aqui se responsabilizará Moreno por todos os erros da direção contemporânea da LIT. Esta aprofunda e leva a conseqüências ainda mais revisionistas os primeiros desvios do dirigente argentino.

Como expresso anteriormente Moreno irá escrever sobre o impacto direto de fortes mobilizações populares contra as ditaduras sanguinárias que dominavam a maioria dos países do Cone Sul, que levaram a queda desses regimes e a implementação de regimes democrático-burgueses; sem sombra de dúvidas importantes vitórias táticas do proletariado, grandes demonstrações de sua força social, pois mesmo sem uma direção consciente nossa classe consegue impor uma derrota à burguesia e conquistar uma importante posição no campo de batalha.

O grande erro de Moreno, aquilo que leva a sua revisão do trotskysmo, é construir uma teoria onde o tático é transformado em semi-estratégico, onde um momento da luta é transformado em uma etapa marcadamente distinta, com suas próprias consigneas, palavras de ordem, programa. Dessa maneira, na prática se constrói uma perspectiva onde convivem dois programas e duas estratégias para o partido revolucionário, um para a primeira etapa, de revolução democrática, e outro para a segunda etapa de revolução socialista, um programa mínimo e um programa máximo, numa ruptura da unidade estabelecida por Trotsky entre as demandas democráticas e demandas socialistas na teoria da revolução permanente e no programa de transição, numa relação, para o revolucionário russo, onde a revolução democrática transcresce diretamente em revolução socialista.

Assim como Moreno a atual direção da LIT escreve sobre o impacto de fortes mobilizações populares e operárias e respondendo a uma questão concreta que devem se colocar os revolucionários: como, nesses momentos de agudização das lutas, superar a condição marginal que até hoje teve a IV internacional em praticamente todos os fenômenos de luta de classes e fazer dela força organizativa material, efetiva, capaz de influenciar a luta e assim poder dirigir o proletariado? Esquecem, no entanto, que a luta por essa influência não pode estar baseada no abandono de um programa transitório, que a todo momento tenha como lógica levar cada luta concreta do proletariado para além de seus objetivos mais diretos e imediatos e se coloque em choque direto com o capitalismo. Se para conquistarmos influência sobre o proletariado rebaixamos ou adaptamos nosso programa a sua consciência imediata, certamente isso pode ser um atalho para a construção de uma organização, para sua mais rápida inserção na classe, mas aqui novamente a vitória tática se coloca contra a perspectiva estratégica, a conquista de posições organizativas se dá a expensa do rebaixamento do programa e da estratégia.

A atual direção da LIT vai além nos erros que tinham se expressado anteriormente em Moreno pois enquanto esse via equivocadamente revoluções democráticas em vitórias táticas efetivas do proletariado frente a burguesia essa vê revoluções democráticas em todos os lugares, a invasão imperialista do Líbia, o golpe militar no Egito, as lutas entre o imperialismo e a Rússia na Ucrânia.

São essas as questões que se buscará debater e responder no presente artigo.

Transformações quantitativas e qualitativas (reforma e revolução).

O primeiro elemento a ser posto em questão no livro de Moreno, a base teórico/metodológica dos erros posteriores, é a discussão feita a partir do segundo capítulo sobre o que é uma transformação quantitativa e o que é uma transformação qualitativa, o que é uma reforma e o que é uma revolução.

Moreno começa com um debate sobre as transformações tecnológicas e na história natural que não será expresso aqui, pois apenas colocaria elementos complicadores sem em nada ajudar no debate efetivo: o que são transformações quantitativas ou qualitativas, reformas ou revoluções, no âmbito histórico-social?

De uma constatação correta feita no primeiro momento que a dialética é a lógica do relativo, do mutável, que busca apreender a realidade como processo, em sua constante transformação, rompendo assim com a rigidez e o formalismo da lógica formal aristotélica, Moreno busca convencer o leitor que a afirmação de que um determinado processo histórico-social é uma reforma ou uma revolução é algo totalmente contingente, indeterminado, que não existe algum critério objetivo que nos permita estabelecer se um dado processo é uma transformação quantitativa ou qualitativa, se é uma reforma ou uma revolução, pois é uma reforma ou revolução em relação a que, qual o critério que permitiria estabelecer objetivamente a profundidade do processo em questão?

"Estas categorías de reforma y revolución también se dan en el terreno histórico social. Para poder usarlas correctamente, no debemos olvidar nunca su carácter relativo. ¿Revolución con relación a qué? ¿Reforma con relación a qué?"
Revoluções no Seculo XX, Reforma e Revoluçào

Certamente sempre há um elemento de reforma em toda revolução e vice-versa, uma das leis centrais da dialética é a da interpenetração dos contrários, nenhum elemento é puramente unilateral, somente revolução ou somente reforma, em toda transformação há um elemento de conservação relativa e a conservação pressupõe mudanças, mas disso não decorre uma utilização sofistica da dialética, pelo menos não da dialética materialista.

Assim, se a dialética materialista entende efetivamente toda realidade como relativa, como mutável e histórica, não o faz como o relativismo burguês e pequeno burguês que apreendendo essa relação de forma unilateral e portanto superficial nega a possibilidade do conhecimento objetivo da realidade, pois poderíamos afirmar qualquer coisa sobre qualquer fenômeno, já que para os teóricos dessas correntes não existem parâmetros concretos com que se possa analisar a realidade.

Talvez influenciado pelas correntes pós-modernas então em voga Moreno chega a conclusões parecidas no âmbito da metodologia e em como ele entende a relação entre a dialética e a realidade. Dessa forma, a dialética vira uma sofistica, como “numa noite escura onde todos os gatos são pardos”.

Se é correto afirmar dentro de uma concepção dialética da realidade que todos os fenômenos são relativos, mutáveis, disso não se deprende, como no relativismo burguês, que não podemos fazer nenhuma afirmação objetiva sobre a realidade, que o conhecimento sobre essa realidade objetiva nos esta vedado, e que qualquer afirmação sobre ela é apenas um tipo ideal, uma construção arbitrária, que só tem validade subjetiva e nenhum contato concreto com o mundo material.

Isso porque dentro de uma concepção materialista de dialética o relativo é compreendido como relações reais, concretas, efetivas, entre objetos e sujeitos reais, concretos, efetivos; outro elemento ainda é que existe um critério objetivo para a validação, para a verdade mesmo de um determinado julgamento, de uma determinada afirmação sobre a realidade, que é a capacidade dessa afirmação ser mediação para a apreensão, para a transformação pelo sujeito da realidade, ou seja, o critério para a verdade é a prática, na realidade social a práxis revolucionária.

Para estabelecer-se, portanto, se um determinado fenômeno social é uma reforma ou revolução deve-se partir das relações concretas, efetivas, materiais, do qual esse fenômeno é expressão. Dentro de uma concepção materialista histórica e dialética da realidade quais são os parâmetros centrais que definem os elementos objetivos de um determinado fenômeno social? Obviamente a relação entre as classes.

A tentativa de Moreno de fazer passar que pode haver revoluções no âmbito do estado, do regime, são apenas demonstrações primeiras dos elementos revisionistas que permeiam todo seu livro, conceções metodológicas ao pensamento pós-moderno. Isso apenas demonstra como firmes bases teóricas, mesmo nos elementos aparentemente mais abstratos, são fundamento central para pensarmos a construção de fortes organizações revolucionárias, com um programa e uma estratégia corretos.

Para definirmos cientificamente o caráter de um determinado processo social temos que partir das bases materiais, da concretude das relações, do qual esse processo é expressão e essas bases materiais só podem ser as relações objetivas que se estabelecem entre as classes sociais.

Um fenômeno social é revolução se transforma a relação entre as classes sociais fundamentais, se as subverte, toda outra transformação esta ainda no terreno da reforma. Não existem revoluções apenas no estado ou no regime porque esses são instrumentos que utiliza a classe dominante para exercer seu poder, são as manifestações políticas de sua dominação.

Sejam quais forem as transformações no estado e no regime, se não transformam a relação fundamental da sociedade, a estrutura por sobre as quais todas as outras relações são erigidas, se mantém o essencial daquela relação, o fundamento a partir do qual ela se desenvolve, ou seja, a exploração dos trabalhadores pela burguesia, de forma alguma essa transformação pode ser entendida como qualitativa ou revolucionária.

O elemento central, portanto, de uma transformação qualitativa ou revolucionária, é que ela rompe com os fundamentos da antiga relação e cria novos fundamentos para uma nova realidade.

Dessa forma, qualquer afirmação sobre o caráter revolucionário de uma mudança no estado ou no regime perde qualquer significado e se estabelecem sólidas bases teóricas para pensar-se fenômenos que estarão cada vez mais presentes; se não mudam as bases da sociedade qualquer mudança no estado ou no regime são quantitativas, são reformas, pois esses ainda são instrumentos da classe que domina para exercer seu poder sobre os dominados.

Continua...


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