×

TEORIA | Debate com Nahuel Moreno (parte final)

Para justificar teoricamente a efetiva revisão que propõe do trotskysmo Moreno tenta se apoiar em analogias históricas pretensamente baseadas em Lenin e Trotsky. Fica evidente pra qualquer um que se aprofunde nos exemplos tirados por Moreno que essas analogias são equivocadas, que antes de provar o ponto que o dirigente argentino defende o contradizem.

quarta-feira 27 de janeiro de 2016 | 00:01

Analogias históricas, Lenin revolução democrática, Trotsky revolução política.

Para justificar teoricamente a efetiva revisão que propõe do trotskysmo Moreno tenta se apoiar em analogias históricas pretensamente baseadas em Lenin e Trotsky. Fica evidente pra qualquer um que se aprofunde nos exemplos tirados por Moreno que essas analogias são equivocadas, que antes de provar o ponto que o dirigente argentino defende o contradizem.

A analogia com a revolução na Rússia no começo do século XX que tinha por objetivo a derrubada dos resquícios do feudalismo e que algumas vezes é caracterizada por Lenin como revolução democrática, pois instituiria as liberdades democráticas então vigentes nos países do ocidente da Europa, permitindo uma maior organização dos trabalhadores, é um erro pois a revolução contra o czarismo teria um caráter não apenas político, não apenas de transformação do regime ou da estrutura do estado, mas teria um caráter efetivamente de transformação das bases da sociedade russa; os resquícios do feudalismo não se expressavam apenas na falta de liberdades formais para o conjunto da população e principalmente para os trabalhadores e camponeses, mas que uma determinada classe social, a nobreza latifundiária, se apropriasse de uma parte da riqueza produzida pela sociedade, numa forma efetiva de exploração do trabalho; a revolução teria por objetivo, portanto, não apenas a conquista das liberdades formais, mas da transformação das bases mesmas da sociedade russa, de sua estrutura fundiária extremamente concentrada, a eliminação dos resquícios da servidão que ainda existiam na exploração do trabalho dos camponeses, a conquista de direitos efetivos para as minorias nacionais que ainda eram oprimidas pelos grão russos dentro dos limites do estado, etc. Portanto a analogia aqui entre a revolução que se pretendia na Rússia, que derrubaria e transformaria uma antiga estrutura econômico- social e a derrubada de regimes políticos na América Latina não se sustenta.

A analogia fica ainda mais insustentável quando feita por um dirigente trotskysta e em relação a generalização feita por Trotsky da teoria da revolução permanente. Após a experiência da derrota da revolução chinesa em 1925-27 sob a bandeira da revolução democrática defendida pelos stalinistas Trotsky irá generalizar a TRP (que até então era uma teoria para explicar a dinâmica da revolução na Rússia) mostrando que dentro da época imperialista era já impossível revoluções apenas democráticas, que nessa nova época de choques violentos entre o proletariado revolucionário e o imperialismo não existiria uma alternativa média entre esses dois caminhos fundamentais. Para o revolucionário russo, dessa forma, a defesa de uma revolução democrática era uma forma de alimentar ilusões na classe operária sobre um possível papel progressista que poderia jogar uma pretensa burguesia nacional, ou sobre a capacidade de os setores médios da sociedade cumprirem um papel independente na revolução, ilusões que apenas enfraqueciam a combatividade dos trabalhadores e fortaleciam seus inimigos, sendo uma efetiva traição da revolução por parte das direções stalinistas.

Ao buscar restabelecer essa perspectiva de uma etapa democrática da revolução, uma revolução democrática, Moreno volta a momentos já superados pela experiência e pela teoria revolucionária, que mostram claramente em uma série de processos (China, Espanha, etc) que a defesa de uma fase democrática da revolução é uma busca pelo desvio do processo revolucionário e que a estratégia dos revolucionários deve desde um primeiro momento se dirigir à revolução socialista, o que de forma alguma significa excluir a defesa de bandeiras democráticas, mas sim que essas se realizem no contexto da revolução operária, numa perspectiva de transcrescimento direto das demandas democráticas em demandas socialistas.

Em alguns sentidos Moreno nesse ponto específico vai à direita dos stalinistas (mas apenas nesse ponto específico, nos separa um rio de sangue em relação aos stalinistas, o que não é o caso obviamente com os morenistas, que são um grupo centrista com quem temos que dialogar) pois enquanto esses entendiam a revolução democrática como aquela que defendia demandas democráticas estruturais (superação da dominação imperialista e soberania nacional nos países semi-coloniais, reforma agrária, etc) que seriam dirigidas por uma fantasiosa burguesia nacional progressista, Moreno defende uma revolução democrática que apenas conquista demandas da democracia formal (liberdade de expressão, de associação, etc) ou seja, reformas apenas no regime, que não tenham nenhum caráter estrutural.

Quanto a analogia com a revolução política que defende Trotsky em relação a degeneração burocrática na U.R.S.S. é o caso em que a perspectiva que Moreno defende mais parece ter pontos de apoio, pois aqui efetivamente Trotsky fala de uma revolução que seria dirigida contra o regime político, mantendo as bases, a estrutura, as formas de propriedade, então existentes na Rússia. Trotsky nesse caso está analisando e respondendo a um fenômeno completamente novo na história, a degeneração do primeiro estado operário, do primeiro estado construído pelas classes subalternas, em sua luta contra a exploração. A constituição a partir disso de uma casta burocrática afastada do conjunto da população, como um grupo social distinto, mas que não se configura como uma classe por conta de seu caráter necessariamente transitório permite a essa se apropriar de forma ilegítima de uma parte do sobre trabalho produzido; como essa casta defenderia seus privilégios com unhas e dentes não mais seria possível a regeneração do regime por meio de auto-reformas, mas seria necessária uma efetiva revolução (política) para superar a deformação e construir um saudável estado proletário, rumo a extinção do estado.
No entanto fazer uma analogia entre a burocracia soviética, como degeneração do estado operário, e a burocracia estatal nos estados fascistas ou em qualquer outra ditadura burguesa é um profundo erro, primeiro porque longe de ser uma degeneração do estado burguês o fascismo e as ditaduras em geral são modos de seu funcionamento, armas conscientes da burguesia em sua luta contra o proletariado, quando as mobilizações de nossa classe colocam em risco sua dominação e lhe é necessário métodos de guerra civil para nos derrotar; segundo, que se sim a burocracia estatal no capitalismo se apropria de parte da mais-valia através dos impostos, dos títulos da dívida pública, etc, isso de forma alguma é uma deformação da economia capitalista (como era no caso soviético), mas forma normal de seu funcionamento.

Processo revolucionário e revolução.

Nem toda queda de um regime ditatorial é para Moreno uma revolução democrática, ele reserva esse conceito para as quedas dos regimes ditatoriais que são feitas através da mobilização das massas que impõe de forma violenta a derrubada do regime anterior e sua substituição por uma democracia burguesa. Comparando essa mudança de regime no Brasil e na Argentina e Bolívia, por exemplo, ele caracteriza o primeiro de uma mudança reformista de regime, pois foi fruto de um planejamento (segundo Moreno) , de mudanças graduais e contidas dentro de um plano concebido pela classe dominante, enquanto na Argentina e Bolívia a queda do regime ditatorial se deu de maneira abrupta, sem nenhum planejamento, dentro do bojo de uma crise revolucionária onde por um determinado momento não houve inclusive um governo reconhecido, etc, e isso caracterizaria que nesses países aconteceu uma revolução democrática.

O que caracteriza uma revolução, como expresso anteriormente, não é simplesmente a violência ou a força do processo de mobilização, mas os resultados que esse processo produz; se é evidente que uma efetiva revolução, que transforme as bases mesmas da sociedade capitalista, só é possível com uma profunda mobilização das massas, essa mobilização pode acontecer sem que necessariamente se efetive uma revolução, seja porque o processo de mobilização crescente das massas é derrotado fisicamente, seja porque a burguesia, por falta de uma direção proletária consciente, consegue desviar o processo para dentro dos marcos da democracia burguesa.

É nesse sentido que se deve estabelecer uma diferença entre processo revolucionário, processo de aguda mobilização da classe operária e de todos os setores oprimidos da população, de crise orgânica da dominação capitalista, onde “os de baixo já não aceitam a dominação como antes e os de cima já não podem dominar como antes” e revolução.

O processo revolucionário, expressão de uma série de fatores objetivos e subjetivos, pode ou não desembocar numa efetiva revolução, na transformação das bases da sociedade e na alteração da relação entre suas classes fundamentais, mas para que isso se produza é necessária a direção de uma vanguarda consciente, com clareza do que fazer nesse momento de agudização da luta, de que programa e que estratégia devem ser defendidos.

Existiram revoluções durante o século XX que foram dirigidas por setores sem um programa e uma estratégia corretos, fruto da pressão objetiva da mobilização de massas e dos conflitos agudos entre burgueses e proletários que naquele momento se expressavam inclusive no conflito entre as duas principais superpotências mundiais, mas o máximo que esses processos produziram foram estados operários deformados desde um primeiro momento, o que colocava para os reais revolucionários a necessidade de um programa de revolução política desde a primeira hora.

Fica claro que o fator fundamental para que o processo revolucionário desemboque em uma efetiva revolução é a existência de uma direção revolucionária com clareza de suas tarefas. E isso porque dada as condições objetivas em que vivem sob o capitalismo a classe operária e todos os setores oprimidos da população, mesmo quando se mobilizam de maneira aguda o fazem de maneira tateante, sem clareza de que caminhos devem percorrer, sem um conhecimento profundo dos processos de luta anteriores de sua classe, cometendo uma série de erros que são expressão direta de sua inexperiência na luta, isso porque um dos elementos centrais para que a burguesia mantenha sua dominação é exatamente sua capacidade de atomizar nossa classe, de afastá-la de sua história de luta.

Se erros na luta são inevitáveis, e inclusive elemento positivo relativamente pois permitem novas experiências, dado que cada processo tem suas particularidades, em política, como na guerra, tempo é um fator fundamental. A existência de um grupo de pessoas com conhecimento das lutas anteriores de nossa classe, que sintetizou essa experiência numa teoria, numa estratégia, num programa corretos, que se preparou no momento anterior, se temperou nas pequenas lutas para atuar da maneira mais perspicaz e resoluta na hora das grandes batalhas faz toda a diferença, a diferença mesmo entre a vitória e a derrota.

Uma das principais lições a serem tiradas de todas as grandes lutas anteriores de nossa classe é que devemos defender desde um primeiro momento um programa e uma estratégia efetivamente revolucionários, que não se devem buscar atalhos, caminhos fáceis, para o contato com os trabalhadores, mesmo quando no começo do processo somos pequenas organizações. Se a adaptação do programa e da estratégia pode num primeiro momento permitir uma mais rápida construção da organização irá impedir no momento seguinte que ela possa cumprir um papel efetivo de direção revolucionária, pois toda a base e os quadros da organização serão educados não para tomada do poder, não para a revolução socialista, mas para ser pata esquerda de uma pretensa “revolução democrática”.

Conseqüências práticas para a atuação dos revolucionários.

O debate expresso aqui busca ser base, a partir das experiências reais de luta de nossa classe, para a atuação concreta no próximo período, que certamente será atribulado, da luta de classes. Elemento essencial para que atuemos corretamente nos novos levantamentos dos operários, da juventude, dos oprimidos em geral é que tiremos as lições dos processos de luta anteriores, conheçamos os programas e estratégias defendidas pelas distintas organizações para que armados dessas lições possamos atuar de forma mais aguda, aproveitando os acertos e evitando os erros das jornadas anteriores. O balanço das posições defendidas pelos dirigentes do movimento operário que atuaram em processos de luta agudos é parte integral desse aprendizado.

Os principais ensinamentos que ficam da crítica das posições defendidas por Nahuel Moreno em relação às lutas que aconteceram na América do Sul durante a década de 80 contra as ditaduras militares são: que uma caracterização correta do processo é elemento fundamental para os revolucionários pensarem a estratégia e o programa corretos, os movimentos táticos que se ligam a essa estratégia; que é essencial não separar o processo revolucionário em etapas marcadamente distintas, cada uma tendo o seu próprio programa e estratégia, mas entender o processo revolucionário como um todo orgânico, com seus fluxos e refluxos; que na época imperialista existem apenas duas saídas para as crises econômico-políticas que desembocam em situações revolucionárias: a saída da burguesia e a saída da classe operária, não sendo possível qualquer via intermediária, “democrática”; que se sim os revolucionários devem se ligar as demandas mais diretas e imediatas das massas que se levantam devem sempre ligar essas demandas a consigneas transitórias, que se choquem diretamente com o capitalismo, que devemos lutar desde um primeiro momento para esclarecer os trabalhadores e os oprimidos em geral que na época imperialista, qualquer vitória parcial que não leve a derrota do capitalismo é apenas uma meia vitória, que tende a ser retirada no momento seguinte, quando a burguesia retome sua organização e sua capacidade de ir à ofensiva, que devemos lutar contra os atalhos, os caminhos fáceis, a adaptação do programa para chegarmos mais rapidamente a classe trabalhadora, pois esse caminho pode até permitir a construção mais rápida de uma organização, mas não constrói um partido de revolucionários reais, forjados e temperados para serem audazes e resolutos na luta pela tomada do poder.

Assim, o esclarecimento essencial que devemos ter é que os revolucionários defendem um programa correto, transitório, desde um primeiro momento da luta, não rebaixam seu programa e sua estratégia para chegar mais rapidamente as massas, que o processo revolucionário não é por si só uma pressão revolucionária para o partido, mas também encerra pressões centristas, de adaptação a consciência imediata com que os oprimidos entram na luta, que num primeiro momento para defender nossas posições é provável que tenhamos que nadar contra a corrente e que é com sua própria experiência de luta, do qual nossa defesa intransigente de um programa correto é um fator importante, que é com essa experiência com os distintos programas e estratégias, testados em sua próprias ações concretas, que os trabalhadores se convencerão da correção de nossas posições.

Isso de forma alguma quer dizer que devemos ter uma posição abstencionista ou passiva em relação a cada luta concreta da classe operária. Podemos e devemos dar exemplos agudos de mobilização e combatividade em cada um dos espaços onde temos peso e capacidade de influenciar setores reais, mas cada uma das ações parciais, táticas, devem estar submetidas a nossa estratégia.

De todo o expresso aqui não se conclui de forma alguma que se a Lit nesse ascenso operário nos anos 80 tivesse defendido um programa e uma estratégia corretos certamente os trabalhadores teriam saído vitoriosos. Uma guerra como essa, um momento de profunda agudização da luta de classes, encerra uma série de fatores contingentes, de acasos, uma correlação de forças em que se entra na luta que não é escolhida pelos lutadores, principalmente no lado dos oprimidos, que não permite uma previsão, mesmo com a defesa de um programa e estratégia corretos, de quem será vitorioso.

Mas o peso de uma direção não se mede apenas pelo que ela fez diretamente, mas também pelos fios de continuidade com a tradição revolucionária que ela manteve, as novas tradições de luta que ela criou em nossa classe, e aqui podemos fazer um balanço negativo concreto da atuação da Lit-qi. A adaptação programática e estratégica que essa organização levou a frente nesses momentos de luta criou raízes que se refletem até hoje em seu próprio partido e nos setores da vanguarda por eles influenciados. Não é por acaso que nesse momento, com o fim da etapa de restauração burguesa, onde uma perspectiva revolucionária volta a estar no horizonte dos lutadores essa organização enfrenta um processo de social-democratização cada vez mais agudo, estando totalmente despreparada para cumprir um papel ativo na luta dos trabalhadores (o que se demonstra desde suas análises teóricas equivocadas dos processos de luta pelo mundo, Líbia, Egito, Ucrânia, até em sua atuação na luta mais importante que dirigiram, a greve dos metroviários de SP, GM, por exemplo).

Se ao contrário, como uma das organizações trotskistas de maior peso naquele momento, a LIT tivesse defendido no ascenso do final dos 70 que perpassou pelos anos 80 na América do Sul, um programa e estratégia intransigentemente revolucionários, esse programa e estratégia poderiam ter fincado raízes no seio de nossa classe ou pelo menos num setor importante de sua vanguarda, o que nos permitiria estarmos muito melhor preparados para o próximo período da luta de classes.


Temas

Teoria



Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias