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UFRGS | 60 anos do golpe e o papel do Movimento Estudantil da UFRGS contra a ditadura

Aos 60 anos do golpe militar no Brasil, lembramos a história de luta e combate do movimento estudantil da UFRGS, contra a perseguição do regime, contra a elitização da universidade, aprofundada pela reforma universitária de 1968. Lembramos cada professor, estudante, trabalhador, negro, pobre, indígena, quilombola que foram perseguidos ou mortos pelos duros anos de chumbo, cujas marcas estão presentes até hoje.

Gabriela MuellerEstudante de História da UFRGS

quarta-feira 3 de abril | Edição do dia

Para quem é estudante do IFCH e se questiona o porquê o campus é tão longe, vai encontrar a resposta para isso voltando à década de 1970. Quando a ditadura militar começou, os cursos de humanas como Filosofia, Ciências Sociais e Psicologia, ficavam no campus centro, onde hoje é o Anexo I da Reitoria. Perto dali, estava o Centro acadêmico da Filosofia, o Centro Acadêmico Franklin Delano Roosevelt, que era a principal entidade estudantil que reunia os estudantes dos cursos de humanas. Ocupava, junto com o Bar do Filô, o que hoje é o Bar do Antônio. Ali, eram feitas acaloradas discussões e debates políticos que não podiam ser feitos em sala de aula, por conta do regime militar e de professores indicados pelo regime ou mesmo estudantes infiltrados

Logo no início do golpe, em 1964, os estudantes da UFRGS reagiram ocupando a rádio da UFRGS, anunciando os acontecimentos, suas opiniões e críticas. Nesse mesmo ano, porém, a UFRGS criou a Comissão Especial de Investigação Sumária (CEIS), para investigar os funcionários da UFRGS que estivessem com alguma conduta “desviante. A CEIS era atrelada a uma outra comissão, comandada por um general nomeado por Costa e Silva, e foi responsáveis por expurgar 17 professores: 5 arquitetura, 4 direito, 4 economia, 1 Belas-artes, 1 agronomia, 1 filosofia e 1 medicina. As acusações persecutórias eram as mais variadas, como “controlar a situação comunista”, “exercer influência comunizante nos alunos” ou mesmo “ter tendência ideológica esquerdizante.”. Em 2019, um monumento em homenagem aos professores expurgados da UFRGS foi inaugurado no Campus Centro, em memória aos 50 anos daqueles perseguidos pelo regime.

Cabe, nesse texto, dedicar algumas linhas ao estudante de engenharia da UFRGS Ary Abreu Lima da Rosa, torturado e morto pela ditadura militar. Ary foi preso em 9 de Janeiro de 1969, quando estava panfletando com seu amigo Paulo Walter Radke quando estavam distribuindo um manifesto que denunciava a ditadura militar e a elitização do ensino superior, além de também estarem convocando os estudantes para a participação na eleição do DCE-Livre, apoiando o MUC – Movimento Universidade Crítica. Foi solto e depois preso novamente em agosto do mesmo ano, por crime “contra a segurança nacional”, sendo condenado a 6 anos de reclusão. Após, seu pai, Arcy Cattani da Rosa, que se opunha fortemente às ideias de seu filho e era membro do reacionário ARENA, internou o filho à força em uma clínica psiquiátrica, o qual foi assassinado na Base Aérea de Canoas em 28 de Outubro de 1970. Os militares na época noticiaram que Ary haveria se matado por “problemas psiquiátricos de inadequação familiar”, com um laudo psiquiátrico em que consta o seguinte:

“Passou a apresentar idéias reformistas, principalmente de natureza materialista, identificando-se com os princípios esquerdistas, socialismo, e mesmo comunismo. Deixou crescer a barba e cabelo como ‘um protesto ao mundo capitalista’. Foi atendido em domicílio, já que se negava a sair de casa para entrevistas no consultório e a abordagem para sua hospitalização naquela oportunidade tornou-se impraticável. Atualmente recidivam alguns aspectos do quadro acima relatado, embora em menor intensidade e tendo em vista ter realmente se envolvido em política estudantil de esquerda, onde procurava, dentro de sua psicopatologia esquizoparanóide, por em prática certos aspectos quase delirantes das concepções que morbidamente defende, sugerimos a baixa, que foi aceita pelo paciente”.

Hoje, resgatamos a memória de Ary como forma de insubordinação ao regime que mantém os pactos com os militares e dizemos: não perdoamos, não esquecemos!

Mesmo com esse duro cenário os estudantes não abaixavam as suas cabeças. As recepções de calouros eram transformadas em caminhadas de protestos, que saíam pelas ruas do Bom Fim e do Centro, juntando-se à população e aos trabalhadores, rumo à Esquina Democrática, em 1966 uma greve estudantil estourou na UFRGS, contagiando a cidade inteira contra a ditadura. Eram realizadas assembleias, discussões entre os estudantes, debates intensos no campus centro da UFRGS. Em 1968, ano que marcou o mundo por mobilizações internacionais de estudantes e trabalhadores, como na França, aconteceu o assassinato do estudante Edson Luis no Rio de Janeiro, o que desencadeou mobilizaçõe estudantis por todo o país. Aqui na UFRGS não foi diferente, com uma grande ocupação da faculdade de filosofia, com mais de 700 alunos, que criticavam o regime.

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Parte de resgatarmos essa memória de luta é para tirar as principais lições para enterrar de vez toda a herança da ditadura militar que segue viva na UFRGS - com um interventor bolsonarista que, ao que tudo indica, irá terminar seu mandato com tranquilidade, a extrema-direita e o militarismo presente hoje no fortalecimento das forças armadas, na polícia racista que mata a sangue frio inúmeros jovens negros todos os dias nas periferias. Nesse ano, as manifestações em memória aos 60 anos do golpe militar foram vetadas por Lula, que, no início do ano havia dito que não queria “remoer o passado”, para o agrado dos militares, os quais se mantêm preservados e fortalecidos no seu governo. Nesse contexto, se faz ainda mais importante, para uma juventude revolucionária, que quer varrer toda a extrema-direita de volta para os porões da ditadura, a lembrança e a memória daqueles que lutaram.

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Por isso, é fundamental hoje, resgatarmos a história de um Movimento Estudantil de luta, e, mais do que nunca, um movimento que seja independente dos governos e das reitorias. Frente ao cenário de precarização das universidades federais devido aos quase 10 anos de cortes na educação, com um MEC que cede cada vez mais espaço ao empresariado, é essencial defender as cotas, lutar contra a terceirização e por mais verbas para a educação. Isso só é possível se dar com a organização dos estudantes pela base, em cada curso, em cada local de estudo, com os DCEs e a UNE cumprindo um papel de impulsionar essa luta, em vez de manter um silêncio ensurdecedor com qualquer ímpeto de mobilização, como faz hoje, silenciando totalmente sobre a greve dos técnicos das federais. Essa batalha é urgente, e precisa ser parte de questionar a arcaica e antidemocrática estrutura de poder da universidade, para acabar com os resquícios da ditadura e impor que a universidade seja governada por quem faz ela funcionar: estudantes, professores, técnicos e terceirizados.

Nós da Faísca Revolucionária como parte de não deixar com que a memória de luta de tantos que foram assassinados na ditadura, fizemos uma intervenção visual nas salas de aula do IFCH na UFRGS, no último dia 1 de Abril.

Essa é uma das histórias que iremos resgatar no Tour Comunista pela UFRGS, que irá acontecer no próximo sábado, dia 06/04, no campus centro, às 14. Inscreva-se e participe!




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