×

Conciliação de classes | A aprovação do Marco Temporal caminha junto à conciliação de classes do PT

O Congresso Nacional derrubou o veto de Lula ao Marco Temporal, favorecendo com isso os setores do agronegócio que querem destruir os indígenas e o meio ambiente, o que explicita o quanto a estratégia de conciliação de Lula e do PT durante seus governos e ainda hoje, é o que fortalece os setores mais reacionários e abriu espaço para a extrema direita

Juliane SantosEstudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

sábado 23 de dezembro de 2023 | Edição do dia

Representantes da aldeia Coroa Vermelha (BA) em manifestação contra o Marco Temporal e pela demarcação de terras indígenas em outubro de 2019
Imagem: Tiago Miotto /Cimi

Na última semana, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Lula ao trecho que estabelece a data da promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O veto foi derrubado na Câmara por 321 votos a 137 e uma abstenção, e no Senado por 53 a 19.

Neste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu contra a tese do marco temporal e após isso a bancada ruralista se articulou para aprovar no Congresso um projeto de lei que instituiu o marco na legislação. A proposta, porém, tem muitos outros dispositivos que extrapolam a questão da demarcação e criam brechas para exploração de recursos naturais dentro dos territórios, flexibilizam as proteções de contato com povos isolados e permitem parcerias com não indígenas para trabalhos nestas áreas.

As terras indígenas ainda em estudo, ou seja, que podem ser afetadas caso seja aplicada a tese do Marco Temporal, somam 10.963 autorizações de exploração ou estudo minerário em suas respectivas áreas. A Vale - responsável pelas barragens que se romperam em Brumadinho e Mariana em MG, que deixaram inúmeros mortos e desabrigados e causou um estrago ambiental irreparável - é a empresa com mais processos para exploração desses territórios.

A tese do Marco Temporal é defendida pela bancada ruralista que paralelamente articula uma proposta para incluir o Marco na Constituição, o que faria o STF ter que passar a considerá-lo em suas decisões.

Em relação às demarcações, atualmente seis terras indígenas ainda aguardam o aval do presidente Lula para serem demarcadas. Esses seis territórios fazem parte de um grupo de 14 apontados por movimentos indígenas como prontos para homologação desde o início do governo Lula. Porém, até hoje, somente oito foram demarcados.

Depois de discursos eleitorais inflamados contra os setores no agronegócio, o governo Lula e o PT estão fazendo o contrário do que muitos de seus eleitores poderiam esperar. Estão fortalecendo material e politicamente o agronegócio e parte de seus representantes mais reacionários. Esse fortalecimento do agronegócio passa, dentre outras coisas, por manter notórios bolsonaristas e defensores do golpe Institucional de 2016 em postos chave em diversos ministérios, e pelo fortalecimento material do agronegócio por meio do Plano Safra.

O Plano Safra é um gigantesco financiamento público ao agronegócio e aumentou de forma significante nos governos do PT, com o governo atual apresentando o maior plano da história com investimento recorde de 340 bilhões. Ou seja, enquanto o governo realiza vetos parciais a um ataque histórico aos direitos indígenas, ele também sustenta enormemente o agronegócio que cotidianamente ataca os povos indígenas com grilagem, desmatamento e uma série de brutalidades levadas à frente pelos seus jagunços, um nível de conciliação que deixa bastante gráfico quem perde e quem sai ganhando.

Em junho foram determinados valores e regras para o Plano Safra 2023/24 na presença de Lula e dos ministros da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. Para financiar o custeio e investimentos de médios e grandes produtores, o crédito rural irá disponibilizar 364 bilhões de reais, um aumento de 27% em relação ao ano passado, sendo maior que o disponibilizado na safra anterior pelo governo de Jair Bolsonaro. Para os pequenos produtores serão oferecidos 71,6 bilhões de reais dentro do Pronaf, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, um aumento de 34%.

Do total de recursos disponibilizados para o agro (364 bilhões), R$272 bilhões serão destinados ao custeio e comercialização, uma alta de 26% em relação ao ano passado. Outros R$ 92,1 bilhões vão para o investimento, com um aumento de 28%. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, destacou que os recursos do Plano Safra 2023/2024 são maiores do que os pleiteados inclusive pelas entidades representativas do setor. Ou seja, o governo federal estaria investindo mais do que o próprio setor estava pedindo.

O volume dos recursos destinados ao financiamento da produção agropecuária brasileira seguem a política iniciada no primeiro mandato do PT, que passou de R$ 20 bilhões em 2002/2003 para R$ 187,7 bilhões em 2015/2016. Ou seja, os investimentos na agricultura brasileira nos seus mais diferentes segmentos mais do que triplicaram, com um aumento de 335% nos três governos e meio do PT na presidência, o que sem dúvida já gerou um enorme fortalecimento dos setores mais reacionários do agronegócio no período.

Hoje o primeiro Plano Safra da terceira gestão de Lula na presidência é o que tem o maior volume de recursos da história, sendo um salto qualitativo de fortalecimento da base material, dos lucros e poder daqueles que são os representados pela reacionária bancada do boi e são linha de frente em atacar brutalmente os indígenas e o meio ambiente.

O Ministério da Agricultura e Agropecuária do governo Lula/Alckmin, que está levando a frente o Plano Safra juntamente com Haddad, é comandado por Carlos Fávaro (PSD-MT), um ruralista que antes foi senador do centrão e líder da reacionária bancada do agronegócio no Congresso, e tem no currículo a administração da Aprosoja-MT. Essa entidade já presidida por Fávaro foi conhecida por apoiar o locaute dos caminhoneiros e por ter diversos membros patrocinando ações de golpistas no governo Bolsonaro.

Faváro já foi do PP, partido originado do ARENA da ditadura militar, e atualmente é membro do partido presidido por ninguém menos do que Gilberto Kassab, um partido proeminente do chamado centrão, ala fisiológica do Congresso Nacional e que vem crescendo em influência política no regime brasileiro desde o golpe institucional de 2016. O PSD foi base de apoio de Bolsonaro durante seu governo e hoje é uma das principais bases de apoio do nojento resquício do bolsonarismo no governo estadual de Tarcísio de Freitas em São Paulo.

Somado a esse ataque aos povos indígenas com o Marco Temporal foi aprovado em novembro, em votação simbólica, o projeto que flexibiliza regras de aprovação, registro e comercialização de agrotóxicos. O PL 1.459/2022 é o substitutivo da Câmara dos Deputados ao PLS 526/1999, apresentado pelo então senador Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura. O texto teve voto favorável do relator, senador Fabiano Contarato (PT-ES), com alterações e agora vai a sanção.

O texto aprovado trata de pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação e exportação, embalagens e destinação final e fiscalização desses produtos. Entre as principais medidas, está a concentração da liberação de agrotóxicos no Ministério da Agricultura e Pecuária (de Carlos Favaro). O texto manteve o poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de não aprovar um determinado produto.

Ou seja, fica explicitado o quanto a linha conciliatória do PT com os setores mais reacionários do agronegócio e tantos outros, em que busca levar até o final a lógica de frente ampla que levou Lula à presidência só tem a oferecer derrotas para os trabalhadores, para os setores mais oprimidos e para o meio ambiente. Lula, se por um lado veta trechos do Marco Temporal, por outro fortalece o agro e seus representantes mais reacionarios no Congresso. A falsa ilusão no STF também cai por terra quando lembramos que esse setor foi parte fundamental de abrir espaço e fortalecer a extrema direita, sendo um importante pilar do Golpe Institucional de 2016 e da prisão arbitrária de Lula em 2018, que abriram espaço para a eleição do próprio Bolsonaro e para o fortalecimento do bolsonarismo.

Somente a confiança na força da aliança entre a classe operária, com os indígenas e todos os setores mais oprimidos na luta é que fará com que consigamos as nossas demandas e consigamos derrotar todos os ataques contra os indígenas e contra o meio ambiente.

Utilizado fontes da Agência Senado.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias