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Egito | COP27: Conferência do Clima em um país que persegue ativistas e não luta contra o aquecimento global

A COP-27 está acontecendo em um país cujo regime está na vanguarda da repressão a ativistas políticos e ambientais, e um dos países que está fazendo menos para combater o aquecimento global.

terça-feira 15 de novembro de 2022 | Edição do dia

A conferência internacional do clima da ONU, COP27, começou neste(12) fim de semana na cidade costeira de Sharm el-Sheikh, no Egito. Chefes de Estado, cientistas e ONGs de todo o mundo se reúnem durante duas semanas para discutir o aquecimento global e a transição para energias renováveis. O encontro internacional, que já se mostrou ineficaz para conter as mudanças climáticas, está ocorrendo este ano em um país notoriamente conhecido por sua inação climática e dura repressão e perseguição de oponentes políticos e ativistas ambientais.

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Abdel Fattah al-Sissi, que chegou ao poder em 2013 após derrubar o governo de Mohamed Morsi, está no comando de um regime quase ditatorial. Desde que chegou ao poder, o governo de Al-Sissi realizou uma política repressiva sem precedentes, ainda pior do que no governo de Hosni Mubarak, o presidente derrubado no início da Primavera Árabe em 2011. A liberdade de imprensa é quase inexistente , a liberdade de manifestação é intensamente intimidada, e o país tem mais de 60 mil presos políticos, número que coloca o Egito entre os piores do mundo.

Um dos exemplos mais eloquentes e conhecidos de repressão política é o de Alaa Abd el-Fattah. Este ativista egípcio, figura do levante e rebelião de 2011, pagou caro por sua luta para tentar acabar com a corrupção e o autoritarismo de Mubarak e seu governo. Condenado em 2014 por ter participado de “manifestações não autorizadas”, Alaa permanece preso desde então, em condições desumanas. Ele começou uma greve de fome há alguns meses e desde que o COP começou ele parou de beber água. Ele estará livre ou morto quando a COP terminar.Como ele, dezenas de milhares de presos políticos estão encarcerados, muitas vezes sem nenhum tipo de julgamento, expostos à tortura. Uma situação que não vai mudar, com o Egito de al-Sissi sendo um aliado favorito de muitas potências imperialistas, e em primeiro lugar da União Européia e da França.

O governo egípcio montou uma intensa campanha de comunicação para dar a impressão de que os direitos humanos básicos seriam garantidos durante a conferência, mas nada poderia estar mais longe da verdade. A cidade de Sharm el-Sheikh, um refúgio histórico para a burguesia egípcia e turistas ricos de todo o mundo, já está bem avançada em segregar as populações locais, principalmente beduínas, das classes sociais mais abastadas do país. Um verdadeiro muro foi construído ao redor da cidade para separar as populações (oficialmente para prevenir "atos criminosos ou terroristas"). O acesso às praias é praticamente impossível para os habitantes das redondezas, tendo sido privatizadas todas as praias da cidade e estando agora nas mãos de hotéis de luxo, totalmente inacessíveis.

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A repressão também se estendeu ao terreno virtual: o aplicativo oficial da COP permite que a inteligência rastreie os movimentos de todos os visitantes e solicita um número de passaporte no momento da instalação. Na mesma linha, os primeiros visitantes da conferência denunciaram a impossibilidade de conexão com sites de oposição ao governo, incluindo o da ONG Human Rights Watch.

Ainda assim, as pessoas e organizações autorizadas a presenciar a cúpula foram criteriosamente selecionadas: a chegada de ONGs e ativistas egípcios está condicionada à prévia aceitação dos Ministérios das Relações Exteriores, Meio Ambiente e Solidariedade. A maioria das organizações com vozes ligeiramente discordantes não foi convidada, e qualquer ação de protesto foi relegada a uma área segura ao longo da estrada que leva ao spa onde as atividades da COP acontecem. Diante dessa ação repressiva, a ONU e a UNFCCC, que supervisiona a conferência, fazem ouvidos surdos. Para Ahmad Abdallah, da Comissão Egípcia de Direitos e Liberdades, cuja entrada na COP foi bloqueada, "a ONU é cúmplice do governo egípcio para embranquecer esse regime".

Dessa forma, a COP-27 é uma oportunidade sem igual para o governo egípcio organizar uma gigantesca operação de "Greenwashing" em um país que não faz quase nada para reduzir sua pegada de carbono, limpar cidades ou preservar os recifes de coral que margeiam o Mar Vermelho. A pegada de carbono abismal do Egito pode ser amplamente atribuída à política de liberalização empreendida por Hosni Mubarak durante suas décadas no poder, sob o olhar benevolente do Ocidente.

Mas a situação se deteriorou dramaticamente desde que al-Sissi assumiu o poder. O país ainda é 95% dependente de combustíveis fósseis, a produção de petróleo dobrou desde 2006, e o Cairo é uma das capitais mais contaminadas do mundo (10 vezes a taxa prescrita pela OMS). As actividades extractivas, geridas na sua maioria pelo exército, têm um impacto extremamente prejudicial na fauna e na flora do país, em particular no Sinai, onde se situa Sharm el-Sheikh. A velha represa de Aswan produziu efeitos irreversíveis na ecologia do Nilo, cujo leito está se erodindo a uma velocidade vertiginosa. Danos ao delta do Nilo, combinados com a elevação das águas do Mediterrâneo, farão com que Alexandria, uma das maiores cidades e capital do país por mil anos, afunde nas próximas décadas.

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O local escolhido para a COP27 é assim um pequeno resumo de tudo o que não se deve fazer no combate ao aquecimento global. Organizar uma conferência para salvaguardar o planeta num dos países mais autoritários do mundo e que menos combate o aquecimento global já é um desafio por si só. Soma-se a isso o fato de a conferência acontecer em uma das regiões mais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas. Se os recifes de corais do Mar Vermelho ainda estão preservados, sendo mais resistentes que os da Grande Barreira de Corais, a Península do Sinai é quem mais sofre com os efeitos da ação humana no planeta.
A escolha de Sharm el-Sheikh para uma conferência sobre o clima é um desrespeito aos que lutam por sua preservação: esta cidade de concreto e asfalto, um horror ambiental, é símbolo da impunidade das classes burguesas na destruição dos ecossistemas, quando as populações mais pobres são as primeiras a sofrer os efeitos do aquecimento global.

Como Hussein Baoumi, da Amnistia Internacional, aponta para o The Guardian: Sharm el-Sheikh é um lugar de sonho onde o governo pode excluir a maioria dos egípcios e investir enormes quantidades de recursos para garantir que tudo está sob vigilância e controle. Isso é indicativo de como a presidência e a liderança egípcia veem sua sociedade ideal: uma sociedade fechada sem os pobres.
É neste contexto que o Egito sedia hoje a COP27, em silêncio quase absoluto por parte dos Chefes de Estado e das ONGs convidadas para a conferência. É verdade que se ouvem alguns tímidos protestos: o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, anunciou que quer "discutir" o caso de Alaa com al-Sissi, mas além desses gestos protocolares nada mudará para os egípcios ou para o 60.000 políticos do país presos, tendo em conta que o Egipto é o parceiro preferencial da maioria dos chefes de estado imperialistas convidados para a conferência. As associações egípcias de hidrocarbonetos se multiplicaram este ano no contexto da guerra na Ucrânia e da atual crise do petróleo e do gás. A União Européia, por sua vez, iniciou o processo de negociação de um lucrativo contrato para a entrega de GNL (gás natural liquefeito) israelense via Egito.




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