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Frente Ampla | O embate entre Lula e Lira e a busca de uma acomodação

Nas últimas semanas cresceu a tensão entre o governo Lula e o presidente da Câmara Arthur Lira. No entanto, depois do que foi considerada uma vitória parlamentar do governo, Lula e Lira se reuniram, o processo contra Lira no STF foi rejeitado e agora se discute uma reforma ministerial

Thiago FlaméSão Paulo

terça-feira 13 de junho de 2023 | Edição do dia

A disputa entre o governo Lula/Alckmin e Arthur Lira precisa ser entendida nas suas diferentes dimensões. Lira representa os apetites de uma casta política que assumiu um papel mais importante do regime político pós-golpe institucional e no governo Bolsonaro e que luta para manter posições. Lira chantageia, ameaça paralisar o governo, mas como parte de uma negociação que até agora garantiu a aprovação dos principais temas de interesse do governo no Congresso.

Lula, quando se aliou com Alckmin, sinalizou abertamente que está disposto a repactuar relações com a maioria do bloco golpista de 2016. Aceita todos, menos Dallagnol e Moro, cujo direito à vingança exige como questão de honra. Até mesmo o bolsonarismo institucional é cortejado pelo governo, que quanto mais polariza com Bolsonaro e família, mais se dispõe a integrar o centrão e os militares ao novo pacto da frente ampla e ao bonapartismo institucional convertido no hiperpresidencialismo que se forma em torno da dupla Lula/Alckmin. Desde o apoio à Lira na eleição para a presidência da Câmara, Lula se mostrou disposto a negociar com essa figura medonha e direitista, que representa o PP, o partido do centrão que é herdeiro direto do Arena.

Depois das vitórias que o petismo mais seguidista e acrítico à política de Lula comemora cegamente, Lira deve ganhar de presente um ministério. Em troca do que? De uma nova estrutura de ministérios que não traz nenhum benefício direto para a classe trabalhadora ou o povo, mas permite a criação de novos cargos para o centrão e de um novo Teto de Gastos que em alguns pontos piorou o de Temer e em outros o tornou mais passível de ser aplicado.

Nesse jogo de morde e assopra, ninguém pretende levar as coisas até uma ruptura de consequências imprevisíveis. Lira não pretende ir até o fim Lira nas suas ameaças, e correr o risco de se ver isolado frente a ofensiva conjunta do Senado, do STF e da presidência. Mas também o governo não quer brigar com Lira e a operação da PF sobre o esquema de kits de robótica em Alagoas funciona como uma forte ameaça, mas não como uma declaração de guerra.O resultado imediato desse jogo é o relativo enfraquecimento de Lira, mas com um alto custo para todo o regime, numa situação em que o Congresso se arrasta numa crise de legitimidade que atravessa uma década e que nenhuma das alas consegue uma maioria social sólida nem impõe um enfraquecimento decisivo ao outro lado. Lira foi obrigado a ceder terreno, mas não perdeu seu poder.

Esses poderes se acumularam na presidência da Câmara nas mãos de Lira e do centrão durante o governo Bolsonaro como parte da disputa entre duas tendências bonapartistas. O bolsonarismo, como uma tendência bonapartista mais clássica, se apoiando na presidência e nas forças armadas com uma radicalizada e fascistizante. E o bonapartismo institucional, do STF, dos partidos da direita tradicional e da Globo, intensificou a concentração de poderes nas mãos das presidências da Câmara e do Senado para conter Bolsonaro. Lira se tornou todo poderoso quando se apoiou na articulação política dos generais que integraram o governo Bolsonaro e ajudou a destronar Rodrigo Maia, seu antecessor. Se apoiando ora nos poderes da presidência, hora no bonapartismo institucional, Lira foi o melhor para atender os interesses na sua base fisiológica.

Nas pautas em que as forças do bonapartismo institucional somadas ao petismo no governo Lula/Ackmin convergem, o poder de Lira encontra seus limites. Os interesses da casta empurram Lira a se integrar ao hiperpresidencialismo expresso nessa convergência de forças, levando ainda mais a direita a política do governo.

Depois da tensão se elevar, a tendência ao pacto parece estar se impondo. Os petismo comemorou as vitórias do governo e os analistas políticos dos grandes jornais começam a especular sobre um reforma ministerial que daria mais espaço para Lira em detrimento do União Brasil. Essa solução de compromisso, no entanto, seria um pacto muito precário num regime que segue em crise e que segue tensionado pelo bolsonarismo a direita e pelas disputas institucionais.

A casta que representa a política tradicional, que foi fortemente golpeada em junho de 2013, se fortaleceu ainda mais no regime do golpe institucional. Num sentido histórico mais profundo esse é um dos principais elementos da crise de legitimidade que a classe dominante não conseguiu ainda superar e por onde, na falta de uma resposta revolucionária do movimento de massas, se fortalecem os aventureiros candidatos a golpes de estado como Bolsonaro e outros fenômenos bizarros, como a força assumida por Lira.

Em 2013 Dilma e Lula eram populares e tinham um apoio que nenhum outro presidente teve desde a Nova República. No entanto, o Congresso, o centrão e os métodos de corrupção descarada que os intelectuais tucanos, mestres na arte da hipocrisia, chamaram de presidencialismo de coalizão, acumulavam um desgaste histórico. A luta contra um aumento de vinte centavos desatou a ira popular por que era um insulto. Haddad havia ganhado a prefeitura, Alckmin seguia do governo. Era um insulto que os dois partidos que se alternavam no poder pagando o centrão com bilhões e bilhões, se juntassem para massacrar com uma repressão feroz a juventude que pedia apenas vinte centavos. Junho não é uma foto na parece…

O fantasma de um Junho que não aparece na foto

Essa frase diz muito, talvez muito mais do que o jornalista Miguel de Almeida teve em mente quando escreveu sua coluna no jornal O Globo: “Junho não é uma foto na parede”... como um fantasma, a imagem naquelas manifestações seguem atormentado as classes dominantes e seus articulistas, assim como a esquerda institucional defensora da ordem. Como Alckmin e Haddad mais uma vez se dão as mãos para aplicar um ataque, um novo Teto de Gastos, a memória de junho vem a tona, fortalecida pela coincidência do aniversário de dez anos daquelas manifestações.

Quando o jornalista diz que os Black Block exalavam já o ódio que o bolsonarismo representa, iguala duas coisas completamente diferentes. Mostra como a tese petista de que a radicalização da juventude serviu à direita só vai servir no futuro para reprimir suas manifestações. A tática, ou movimento, Black Block é profundamente equivocada. Não raras vezes sua busca permanente pelo enfrentamento prejudica o movimento e nos expõe desnecessariamente aos golpes dos inimigos, quando não dificulta a unidade da juventude e da classe trabalhadora. Mas o ódio da juventude contra a polícia, o estado e todos seus órgãos de repressão é profundamente legítimo e justificado. Não tem nada a ver com ódio bolsonarista contra o povo.

Nas últimas semanas o bolsonarismo votou, junto com aliados do próprio governo, apoiados inclusive por um ministro, o marco temporal. O governo Lula liberou bilhões de emendas para esses mesmos deputados, para pagar o centrão de Lira, mas também de Kassab, de Valdemar e tantos outros. A juventude esteve presente nos atos contra o marco temporal. Nesse domingo em São Paulo quem se moveu até a aldeia Guarani no Pico do Jaraguá para protestar contra o marco temporal respirou um ar mais puro. Quem prestou atenção pode sentir lá num fundo um certo aroma que remete ao junho de dez anos atrás. Em pequeno, como numa experiência de laboratório, estavam lá presentes os movimentos de juventude anarquistas, punks, black block, as correntes de esquerda, a vanguarda sindical e o movimento popular.

A referência a junho de 2013 não é apenas um recurso formal de argumentação há dez anos daquelas manifestações. O significado daquelas manifestações que abriram um período prolongado de crise orgânica, com giros a esquerda e a direita segue em disputa, assim como a solução para essa crise orgânica. Tomando algumas manchetes da época, naqueles dias que antecederam a revolta é fácil entender por que sua imagem atormenta tanto nos dias de hoje.

Ao mesmo tempo em que os jornais estampam uma queda de apoio a DIlma, mas que mantinha um apoio superior aos 50%, também traziam coisas assim“Assassinato de índios aumenta 168% nos governos Lula e Dilma”Resumindo em uma frase, o resultado histórico de um governo que em doze anos cedeu tudo ao centrão em nome da ideia de que mantendo o crescimento econômico a vida iria ir melhorando aos poucos.

Os Black Block simbolizam muito bem todos os limites do espírito de junho, no seu potencial e nos seus limites. Hoje não podemos mais repetir os mesmos erros. Não basta colocar o corpo e se enfrentar com a polícia. Mas não venham os arautos digitadores, os defensores do neoliberalismo e da frente ampla, ou os burocratas encastelados a décadas parasitando as organizações operárias encobrir sua responsabilidade e suas alianças e pactos com o bolsonarismo, colocando a responsabilidade pelo crescimento da extrema direita na juventude que se rebelou em junho. É preciso estratégia, programa, organização para que a revolta que cedo ou tarde virá da crise deste governo de frente ampla, desemboque não em alguma variante de golpe de força, mas sim em um processo de radicalização de setores de massas e de questionamento mais profundo da ordem capitalista.




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