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LITERATURA | Por que os marxistas precisam ler romances?

Se a filosofia e as ciências humanas orientadas pelo marxismo, fornecem uma análise precisa das questões históricas, qual seria então o espaço político que a literatura ocupa? Seria o texto literário um bibelô que serve apenas para reafirmar a análise marxista? A literatura não ocupa um lugar subalterno na observação( e na ação) sobre a realidade. O efeito literário(e estético em geral) pode ser imaginário, mas não diminui sua influência cultural e seu o impacto sobre a consciência política do leitor(em especial do leitor operário). Um militante revolucionário não deve dominar apenas filosofia, história e sociologia. Este militante precisa ser um intenso devorador de romances.

terça-feira 5 de abril de 2016 | Edição do dia

Dentro da história da literatura encontramos diferentes gêneros narrativos. O romance seria um produto de uma sociedade de indivíduos isolados, que vivem o empobrecimento das formas coletivas de narrar histórias e portanto de organizar a memória social. Entretanto, o romance é um gênero no qual as contradições políticas de uma época explodem, pela narrativa, na cabeça do leitor. Escritor e público podem, pela experiência artística do romance, descobrir os problemas e anseios de uma época. Sabemos que o gênero do romance não é algo monolítico, estando sujeito às variações estéticas presentes na literatura moderna. Muita água passou por debaixo desta ponte literária...Se em alguns momentos de radicalização esta ponte ameaçou não ficar de pé, o fato é que o romance foi historicamente se alimentando das inquietações estilísticas dos autores de vanguarda. Em suas diferentes roupagens estéticas, o romance ainda é aquela bela chave que ajuda na compreensão de uma época.

Já foi comprovado historicamente que romances contribuem para o desenvolvimento das ciências humanas. Marx afirmou que os romancistas ingleses revelaram ao mundo mais verdades políticas e sociais do que políticos, jornalistas e moralistas. Engels chegou a dizer que aprendeu mais sobre a história da França com Balzac do que com economistas e historiadores. Quer dizer, tanto o escritor reacionário quanto o escritor revolucionário podem ser uteis no entendimento de uma época. Porém, é apenas o escritor revolucionário que contribui sensivelmente com a formação crítica dos leitores operários. Sendo assim, o destino político do romance não está no microscópio que o teórico utiliza para compreender o seu significado social, mas na ação específica do objeto literário sobre a consciência de quem lê.

Se no caso do poema moderno as imagens brotam através da livre combinação das palavras, correspondendo aquilo que as cores realizam na pintura, no caso da prosa(e em especial do romance) a intervenção sobre a consciência do leitor é mais direta. Não que um poema não possa exprimir objetivamente os fatos políticos(pode e deve!). Mas acontece que a força política de um poema está mesmo é na imaginação sem fios; vejam só o caso de Rimbaud! Quem quiser sentir os efeitos revolucionários da atmosfera presente na Comuna de Paris de 1871, não precisa recorrer a um poeta que faz versos politizados, mas sim ler Uma Temporada no Inferno(1873). Nesta obra, a embriaguez do verbo e a insubordinação às tradições literárias estão em sintonia com a rebelião dos operários franceses contra o Estado burguês.

Talvez a ficção seja a melhor estratégia para tratar do real, já que a tomada de consciência sobre aquilo que nos cerca não é meramente um processo objetivo, frio e calculista. Por mais que o estilo literário de um escritor seja seco ou austero, a experiência sensível com a palavra escrita não apenas alarga o horizonte mental, mas torna-se um revestimento afetivo na interpretação artística da realidade política. Nós, seres humanos, somos bichos que precisam de narrativas: a bíblia, “os causos “, os mitos, os filmes, as radionovelas, as telenovelas e até mesmo os telejornais comprovam historicamente este fato. Não importa se é uma narrativa fictícia, um fato verídico ou simplesmente um recurso literário para a fé religiosa: a questão é que os personagens de uma narrativa influenciam na maneira como os homens compreendem suas próprias vidas. Os jatos ideológicos na sociedade de classes partem de diferentes formas de narrativa. Já que o marxismo é um esforço revolucionário para que a classe trabalhadora tome consciência do seu papel histórico, a literatura precisa ser pelo menos uma integrante ativa do pensamento socialista. Não é a tentativa artificial de criar uma “ literatura socialista “(o que ainda está muito, muito longe de existir) mas a defesa de uma múltipla produção literária revolucionária.

Já que o trabalho do romancista traz uma contribuição ideológica da maior importância, será que o escritor pode se beneficiar de esquemas teóricos? O pensamento marxista traz uma sólida compreensão da história que certamente interessa ao escritor de esquerda. Se o estilo de um romance de combate passa pelos níveis particulares de desenvolvimento técnico e histórico da literatura de uma determinada época, o conteúdo politicamente engajado pode encontrar respaldo teórico na barba de Karl Marx. Considerando que esta decisão do autor não visa instrumentalizar ou conduzir artificialmente a elaboração estética do romance, a teoria marxista ajuda a corrigir possíveis equívocos políticos. Foi assim, por exemplo, que a escritora inglesa Margaret Harkness aprendeu com Engels. Numa célebre carta de1888 endereçada à escritora, Engels chama a atenção da autora do romance A City Girl, para o fato dela criar uma imagem passiva do proletariado, num momento histórico em que a classe operária já havia apresentado experiências políticas revolucionárias. Mesmo hoje, quando as possibilidades estéticas do romance são muito mais amplas e experimentais do que no século XIX, a troca de ideias entre Engels e Harkness elucida o escritor sobre certos cuidados históricos na representação da luta de classes.

Ler um romance é algo altamente prazeroso. Este hábito pode trazer uma contribuição única para o fortalecimento da consciência de classe. Nas mãos de um trabalhador, o romance revolucionário fala mais alto que os charlatões do capital.




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