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OPINIÃO | Reflexões sobre as causas estruturais para a crise financeira chinesa

quarta-feira 26 de agosto de 2015 | 00:00

O que são relações capitalistas de produção?

Há algum tempo escrevi texto para esse diário sobre o aumento das contradições na relação entre China e África e num determinado momento afirmava que o campesinato chinês não estava diretamente submetido a relações capitalistas de produção e que a partir disso o desenvolvimento capitalista chinês contava com um reservatório de “colônias internas” (utilizando conceito expresso por Lenin em seu ‘O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia’) como base para sua expansão.

Alguns leitores me questionaram sobre essa afirmação, qual seria seu significado, em que sentido o campesinato chinês não estaria submetido a relações capitalistas, que consequências políticas trariam tal afirmação?

Escrevo aqui para esclarecer a questão e avivar o debate sobre as bases teóricas para uma compreensão marxista do desenvolvimento capitalista em geral e no gigante asiático em particular e compreender os fatores estruturais de sua presente crise.

Limpando campos, China capitalista e relação metabólica com espaços não capitalistas

A primeira coisa a deixar clara nesse debate é que do fato de que parte do campesinato chinês não estar submetido diretamente a relações capitalistas de produção (ou seja, grande parte da população chinesa, posto que por volta de 50% dos chineses ainda vivem no campo) não decorre de forma alguma que na China ainda seja possível qualquer tipo de revolução ou ação política que tenha como perspectiva a quebra de antigas relações de produção e o desenvolvimento de relações capitalistas, uma revolução nacionalista, ou coisa que valha. É mais que evidente que a relação de produção predominante na China e em todo leste asiático é a capitalista e que um processo revolucionário nesses espaços será um processo hegemonizado pelo proletariado, respondendo as demandas de todos os setores oprimidos (inclusive o campesinato) numa lógica revolucionária permanente.

Como já expressava Lenin em seu ‘Imperialismo, fase superior do capitalismo’ a partir da época imperialista o capital financeiro passava a dominar todo o globo, submetendo toda população mundial, em última instância, a relações capitalistas de produção. O equívoco aqui seria por uma concepção lógica formalista fazer decorrer dessa afirmação a consequência de que todos os espaços econômicos do globo seriam diretamente capitalistas; o erro é importante pois não permitiria compreender a própria dinâmica do desenvolvimento capitalista.

Já no final do século XIX começam os debates entre os marxistas e entre esses e economistas de outras correntes teóricas sobre a dinâmica do desenvolvimento capitalista e sua apropriação de espaços econômicos ainda não submetidos ao capital (os debates entre Lenin e os populistas russos em seus livros ‘Uma caracterização do romantismo econômico’ e ‘O Desenvolvimento do capitalismo na Rússia’; Rosa Luxemburgo em seu livro ‘O Desenvolvimento do capitalismo na Polônia’; Karl Kautsky ‘A questão agrária’)

Lenin debate contra a teoria dos populistas russos da impossibilidade do desenvolvimento do capitalismo na Rússia, baseados numa leitura do economista suíço Simonde de Sismondi, derivando essa impossibilidade de uma pretensa falta de mercados para as mercadorias produzidas pelos capitalistas russos, posto que os mercados internacionais já eram dominados pelas potencias ocidentais. Contra essa visão que caracterizará como pequeno-burguesa, Lenin demonstrará (com alguns limites que precisam ser desenvolvidos, mas isso seria tema para outro artigo) que o limite para o desenvolvimento capitalista não é a demanda (esse ponto é importante para uma crítica marxista às concepções keynesianas), posto que dentro de certos limites o capital pode criar sua demanda (sem de forma alguma Lenin se submeter as concepções de Say na famosa “lei” econômica que leva seu nome). O limite para o desenvolvimento do capitalismo é para Lenin (sem ser muito claro, essa sendo a grande contradição de seu livro, mas lembremos que o homem que o escreveu era ainda um joveníssimo intelectual, com por volta de 27 anos) a capacidade ou não do capitalismo de se apropriar de relações ainda não capitalistas, submeter essas antigas formas de produção a essa mais desenvolvida.

O grande marco nesse debate, no entanto, será o livro de Rosa Luxemburgo ‘A Acumulação do Capital’ de 1912. Apesar da tese central do livro ser equivocada, posto que retoma grande parte dos erros de Sismondi criticados por Lenin anteriormente (a tese central de Rosa a grosso modo é que as crises capitalistas são explicadas pela falta de demanda efetiva, posto que num segundo ciclo produtivo, com a produção de um valor maior do que no ciclo anterior, a mais-valia, não existiria no antigo espaço econômico o valor equivalente ao novo valor produzido. Isso também explicaria a necessidade do imperialismo, posto que para realizar a mais-valia produzida seria necessário dominar espaços econômicos não capitalistas, pois eles seriam os produtores da demanda capaz de realizar o novo valor) o livro de Rosa tem o grande mérito de mostrar que para existir o capitalismo necessita constantemente estabelecer um metabolismo com um espaço econômico não capitalista, que é central para o desenvolvimento do capital a destruição e apropriação das antigas formas de produção, sua transformação constante em relações burguesas, uma constantemente renovada ‘acumulação primitiva’ (desenvolvendo esse conceito o economista e geografo britânico David Harvey formulará o conceito de acumulação por despossessão, voltaremos a isso em breve).

Partindo dessa ideia Ernest Mandel mostrará (em suas obras ‘Tratado de Economia Marxista’ e ‘O Capitalismo Tardio’) como para continuar seu desenvolvimento o capital tem que produzir espaços subdesenvolvidos que sejam reservatórios de mão de obra barata e de matérias primas (como exemplo o nordeste brasileiro durante o grande boom de industrialização na segunda metade do século XX, ou as regiões camponesas na China e Índia hoje).

Assim, o que temos que ter em mente quando buscamos compreender o desenvolvimento do capitalismo, sua dinâmica de expansão, sua acumulação ampliada, é essa necessidade constante de uma relação metabólica com espaços econômicos ainda não submetidos às relações capitalistas de produção, sua apropriação destrutivo/criativa dessas antigas relações, sua submissão dessas antigas formas de produção a estas mais modernas e eficientes.

Marx e relações capitalistas (O Capital)

Após esses interstícios e interregnos chegamos a questão central do artigo, quais são as características peculiares ao modo de produção capitalista, quais suas particularidades que o distinguem dos outros modos de produção?

O leitor impaciente talvez se enerve um pouco com o autor dessas linhas, pois ainda farei um breve parêntese: um modo de produção é, a grosso modo, a forma através do qual os seres humanos associados estabelecem relações reciprocas para se apropriar de seu ambiente natural, ou seja, forjam uma relação metabólica com seu meio ambiente através do qual transformam esse espaço natural num espaço humano. Os determinados modos de produção são baseados em determinados instrumentos técnicos, ferramentas, que medeiam a relação dos seres humanos com seu ambiente, e se expressam em formas particulares de organização do trabalho, sendo evidente que essa relação entre os meios técnicos e as formas de organização do trabalho não é unívoca, de mão única, mas de influencias mútuas.

Nas sociedades baseadas na exploração do trabalho de outra classe essa relação se torna ainda mais complexa, posto que aos instrumentos técnicos e as formas de organização do trabalho se juntam as formas particulares de submissão da classe explorada para formar a síntese que é o modo concreto de produção da riqueza.

Qual o elemento distintivo do capital, portanto, os elementos que o particularizam em relação às outras formas de produção da riqueza e exploração do trabalho de outrem que existiram na história? De maneira bem resumida poderíamos sintetizar esses elementos (seguindo Marx em O Capital e nos Grundrisse) em 3, que juntos formam o modo de produção da riqueza capitalista:

1)A produção como produção para o mercado; diferente dos outros modos de produção onde a riqueza é apropriada de forma imediata pelos produtores ou por seus exploradores diretos (o senhor feudal ou o dono de escravos, por exemplo) o capitalismo se baseia numa produção que deve ter como mediação para seu consumo final o mercado, a troca. Em outros modos de produção também existiu um mercado e uma economia baseada em trocas, mas sempre “nos poros da sociedade” nunca como forma predominante de mediação entre a produção e o consumo. É no capitalismo que o mercado, a troca, passa a ser a forma predominante de mediação entre esses dois momentos, a circulação e distribuição da riqueza tendo que essencialmente passar por essa fase de troca entre produtores independentes.

É isso que faz com que no capitalismo a riqueza assuma a forma de um “conjunto de mercadorias”, que o capital seja sempre síntese de múltiplos capitais, que os produtores independentes produzam para um mercado em última instancia desconhecido por eles (essas características assumem configurações distintas na época imperialista, mas ainda são momento predominante e determinante do capitalismo).

2) A separação entre o produtor, o trabalhador, direto e os meios e instrumentos para a produção; enquanto no feudalismo e no modo de produção asiático em geral os meios de produção pertencem ao trabalhador, a forma particular de exploração de seu trabalho sendo a partir de taxas (corveia entre os servos, impostos estatais no modo de produção asiático, por exemplo) no capitalismo, assim como em geral no escravagismo, os meios de produção e os trabalhadores estão separados, ou seja, os meios e instrumentos técnicos para a produção da riqueza pertencem a uma classe distinta da dos produtores/trabalhadores.

No capitalismo é essa separação entre uma classe de proprietários dos meios de produção e uma classe de trabalhadores “livres”, depossuídos dos meios de produção, a base para a exploração do trabalho (diferente do escravagismo onde o próprio trabalhador é propriedade privada).

3)A transformação da força de trabalho, da capacidade de trabalhar, em mercadoria; ou seja, diferente do escravagismo, onde o próprio trabalhador é propriedade, onde o trabalhador é uma mercadoria, portanto não uma pessoa livre, no capitalismo não é o trabalhador que é uma mercadoria, portanto propriedade de outro, mas sua capacidade de trabalhar, sua força de trabalho, é uma mercadoria, que ele, como pessoa livre, vende por um determinado período para outra pessoa livre que esteja interessada no valor de uso daquela mercadoria particular.

A exploração do trabalho no capitalismo assume a forma particular de que o trabalhador por ser privado dos meios de produção da riqueza é obrigado a vender sua única mercadoria, sua força de trabalho, para o capitalista, que assim pode se apropriar do valor de uso peculiar dessa mercadoria, que é produzir um valor maior do que o necessário para sua reprodução.

Fica evidente assim que o capital para continuar o processo de sua reprodução ampliada necessita permanentemente produzir e reproduzir esses elementos que são fundamentais para sua existência, e só pode fazê-lo se apropriando de forma destrutiva/criativa dos modos de produção anteriores e que convivem constantemente com ele.

Exportação de capitais

Um dos elementos novos da época imperialista segundo Lenin é que os países centrais do capitalismo deixam de exportar predominantemente mercadorias para os países coloniais e semi-coloniais para passarem a exportar capitais, mas o que significa exportar capitais?

Do exposto acima fica claro que capital não é uma coisa, que capital não são as máquinas, as indústrias, os insumos, ou qualquer uma das mercadorias particulares essenciais a produção, que são apropriadas de forma capitalista. Capital é uma relação social específica através da qual os seres humanos estabelecem sua relação metabólica com o ambiente (evidentemente, como também exposto acima, essa relação social pressupõe uma base técnica e um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas).

Exportação de capital significa, portanto, exportação de uma determinada relação social, levar e impor a um novo espaço econômico uma nova forma de apropriação do meio ambiente, algo que só pode ser feito destruindo as antigas formas de produção e estabelecendo, de forma impositiva, novas formas.

Acumulação por despossessão

Assim, fica claro que para continuar sua reprodução ampliada um elemento fundamental para o capital é a exportação de capitais, ou seja, a destruição de antigas formas de produção com que ele convive e que reproduz como formas subdesenvolvidas dependentes da forma predominante que é o capitalismo e sua apropriação e submissão a formas diretamente capitalistas.

Esse processo de dissolução das antigas formas de produção e apropriação constante pelo capital pode algumas vezes se dar de forma pacífica, pela submissão gradual dessas antigas formas primeiro a relações de troca ainda baseadas na pequena propriedade onde o produtor direto é dono dos meios de produção e pouco a pouco pela concorrência no mercado vai sendo substituído pelo proprietário capitalista e se proletarizando (processo descrito por Lenin em ‘O Desenvolvimento do capitalismo na Rússia’), mas em grande parte das vezes é feita de forma brutal e violenta, num processo análogo ao da acumulação primitiva que se deu na Europa e nas Américas no começo do capitalismo ( é assim que Rosa Luxemburgo caracteriza esse processo em seu ‘A Acumulação de capital’).

Tendo em vista a contradição que seria uma acumulação primitiva que fosse constante o geógrafo e economista britânico David Harvey cunhou o conceito de acumulação por despossessão para expressar esse processo de expropriação constante levado a cabo pela burguesia em relação aos outros modos de produção não submetidos diretamente a relações capitalistas.

Esse processo de acumulação por despossessão hoje vemos de forma mais marcante no sudeste asiático, com grande exemplo na China, onde o campesinato ainda não diretamente submetido às relações capitalistas (ou seja, sua produção não é toda voltada para o mercado, pois existem elementos de produção para sub-existência, os meios de produção não são separados dos produtores diretos, pois a terra pertence em geral aos camponeses e portanto sua força de trabalho não é mercadoria a ser vendida no mercado) é expropriado de forma violenta de suas terras pelo governo chinês como forma de impor pela força a separação entre os produtores e os meios de produção e que esses sejam obrigados a vender sua força de trabalho nas grandes cidades industriais chinesas (a título de explicação, é evidente que do fato de que grande parte dos camponeses chineses não estejam diretamente submetidos as relações capitalistas não decorre que essas não sejam momento predominante e que o capital não influencie por diversas formas sua relação metabólica com o ambiente, através do crédito, da concorrência com produtos mais baratos, etc).

Acumulação ampliada, exploração extensiva e intensiva do trabalho, limites do capital

Vimos no decorrer desse texto que a reprodução ampliada do capital é reprodução ampliada da exploração da classe operária, que o objetivo central do capitalista ao investir na produção da mercadoria não são sua propriedades concretas, particulares, seu valor de uso, mas o fato de a mercadoria ser portadora de valor e de um valor maior que o necessário à produção de seus componentes anteriores ao processo de trabalho, ou seja, o objetivo do capitalista ao investir na produção é retirar uma valor maior que o investido, a mais-valia.

Essa reprodução ampliada da exploração da classe trabalhadora pode se dar por duas vias, uma intensiva outra extensiva; explico: a via intensiva (chamaremos de 1) da exploração ampliada do proletariado se dá, como o próprio nome demonstra, por uma exploração mais intensa de um mesmo número de trabalhadores, sobre uma classe operária já constituída; essa via intensiva de reprodução ampliada do capital, por sua vez, pode se dar de várias formas:

a)pelo aumento da produtividade do trabalho, que faz com que o tempo de trabalho necessário diminua e o tempo de mais-trabalho aumente, com a introdução de novas máquinas, novos métodos de produção, etc, ou seja, o aumento da mais valia relativa.

b)através da diminuição dos salários e das condições de vida dos trabalhadores, por meio de ataques diretos, após uma derrota importante imposta pela burguesia ao conjunto do movimento operário, ou através de ataques indiretos, como por meio da inflação, que mantem o salário nominal diminuindo o salário real.

c)com o aumento da jornada de trabalho, que faz com que o mesmo custo com jornada de trabalho produza uma maior parte de mais-valia, as duas últimas formas sendo um aumento da mais-valia absoluta.
Cada uma dessas formas de ampliação da exploração da classe operária, e portanto manutenção das possibilidades de reprodução ampliada do capital, encerra suas próprias contradições; em a) o fato de que o aumento da composição orgânica do capital leva em última instancia (tendo em conta todas as contra-tedências) a uma queda na taxa de lucro, em b) e c) a que esse aumento da exploração absoluta da classe operária entra em choque com a resistência do proletariado e a agudização da luta de classes.

Outra forma de garantir a reprodução ampliada do capital é o alargamento da base de exploração do capitalismo, a extensão de seu espaço geográfico. O capital através desse movimento é capaz de se apropriar de novas fontes de mão de obra barata, de novos reservatórios de força de trabalho.

Como exemplo, se a burguesia mesmo mantendo a antiga configuração da exploração do trabalho consegue alargar a base de exploração, consegue trazer novos contingentes de trabalhadores para seu espaço econômico, ela consegue reproduzir de forma ampliada a exploração da classe operária (ex: se 10 trabalhadores tem uma jornada de trabalho necessária de 6 horas e uma jornada de mais-trabalho de 2h a jornada conjunta que produz mais –valia é 20, se no segundo ciclo produtivo o capitalista consegue alargar a base de sua exploração para 20 trabalhadores, mantendo a mesma configuração da exploração do trabalho a produção de mais valia aumentará para 40 horas por dia).

A forma intensiva e extensiva de reprodução ampliada do capital, por sua vez, se interinfluenciam. Por exemplo, o alargamento da base de exploração do capital, o desenvolvimento de novos reservatórios de mão de obra barata, são elemento fundamental para que os capitalistas formem um sempre maior exército industrial de reserva, pilar essencial para garantir sua possibilidade de atacar os salários e as condições de trabalho da classe operária já constituída anteriormente.

É nesse elemento da reprodução ampliada extensiva do capital que entra a acumulação por despossessão, como processo através do qual o capital destrói os antigos modos de produção que coabitam com ele e os transforma em formas capitalistas de produção, submetendo sua população a essas novas relações e as transformando em proletários.

A reprodução ampliada extensiva da exploração capitalista, por sua vez, também enfrenta limites, o principal sendo a resistência desses setores a acumulação por despossessão, a separação entre produtores e meios de produção. Não muito tempo atrás órgãos centrais do imperialismo como New York Times, Financial Times, lançaram uma série de notícias sobre elementos iniciais de resistência no campo chinês à expropriação de suas terras pelo estado, numa clara demonstração de resistência as necessidades de reprodução ampliada do capitalismo chinês.

A passagem do eixo produtivo para o leste asiático e o futuro da China

O fator fundamental para a mudança do eixo produtivo capitalista para o sudeste asiático foi portanto o limite para a reprodução ampliada do capital nos países capitalistas ocidentais, tanto pela dificuldade de aumentar, de intensificar, a exploração da classe operária, posto a tradição de organização e luta desta em mais de um século de resistências e conquistas de trincheiras em seu enfretamento com a burguesia, quanto a dificuldade de encontrar no ocidente novos reservatórios de mão de obra, de força de trabalho, passíveis de serem trazidos para os espaços econômicos capitalistas e explorados dentro dessas relações.

O sudeste asiático, nesse sentido, com um capitalismo ainda sub-desenvolvido, amplos espaços ainda não submetidos diretamente a relações capitalistas, uma ampla população ainda não proletarizada, um proletariado ainda jovem e sem grande tradição de luta e organização (apesar da revolução chinesa, mas a relação entre essa e a organização do proletariado na Ásia seria tema pra outro artigo) oferecia grandes esperanças de desenvolvimento como válvula de escape para as contradições acumuladas pelo capitalismo no ocidente, sua sobre-acumulação de capitais (e aqui devemos compreender esse conceito de sobre acumulação de capital, que expressa uma sobre capacidade do capital frente as possibilidades de exploração lucrativa da classe operária, tanto intensiva quanto extensivamente).

A restauração capitalista na China aprofunda esses fatores, pois retorna para o espaço econômico capitalista um reservatório aparentemente (naquele momento) inesgotável de mão de obra barata, passível de ser explorado tanto intensiva quanto extensivamente pela burguesia mundial.

Intensivamente, pois fruto de sua desorganização, da repressão estatal, da legitimação dessa repressão pela bandeira comunista do partido dirigente o proletariado chinês sofre com jornadas de trabalho superiores a de qualquer país ocidental e recebe salários mais baixos, não tendo direito a praticamente nenhuma assistência social.

Junte-se a isso o fato de que o capitalismo chinês parte de uma base técnica tão baixa que a introdução de novas tecnologias permitem um aumento exorbitante da mais-valia relativa de um proletariado já super-explorado de forma absoluta.

Extensivamente, pois existe um amplo setor camponês que é um reservatório de mão de obra que parecia não se acabar, sempre pronto a ser expropriado e proletarizado, tendo que se submeter as mais brutais formas de exploração nas novas cidades industriais que se formavam.

Esse oásis do capital, um manancial aparentemente inesgotável de força de trabalho pronta a ser explorada num novo ciclo ampliado de reprodução capitalista foi a seiva que alimentou o crescimento sem precedentes do capitalismo chinês.

A crise financeira que parece se gestar nos mercados chineses, no entanto, mostra, de forma fetichizada e reificada, que a reprodução ampliada do capital em solo asiático passa a se chocar cada vez mais com a resistência do proletariado e do campesinato chinês.

Fruto de anos de opressão e de resistências pontuais e parciais, que não podiam se nacionalizar por conta da repressão estatal, parece cada vez mais que o proletariado chinês começa a encontrar vias de organização para lutar e resistir aos ataques do capital financeiro radicado na China e do capitalismo chinês.

Num momento de agudização da crise capitalista a luta por direitos parciais e elementares do proletariado chinês, combinado com a luta por democracia e contra o autoritarismo no país, somado ainda a uma possível resistência camponesa a sua constante expropriação, pode ser o fator elementar para começar uma grande luta no gigante asiático, luta essa que só pode ser vitoriosa dentro de uma lógica revolucionária permanente, que forje um programa transitório que permita ao proletariado responder as questões mais sentidas por todos os setores explorados da sociedade chinesa, hegemonizando assim um possível processo de rebelião popular.


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