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terça-feira 25 de agosto de 2015 | 00:10

JBS, o frio e a lei

Os dedos congelam nas pontas, você não sente direito as coisas que pega, mas continua trabalhando. Depois gela o pé, você se arrepia e espirra. Faz qualquer coisa insignificante para se esquentar e continua trabalhando. Duas luvas de pano e uma de plástico não resolvem, são muitas horas com as mãos no produto congelado. Os uniformes de tão velhos também não esquentam, é preciso vestir duas ou três blusas. Às vezes é preciso entrar nas câmaras frias de congelados, ali a temperatura é de -50° C, sua roupa não é propícia para isso, mas é rápido e o trabalho não pode parar. Entra, sente o gelo dominar primeiro seu rosto, o nariz e a boca quase congelam, sente o ar frio por dentro do corpo. Quando sai, o ambiente de 6° C parece confortável, e você continua trabalhando. – Baseado em relatos de trabalhadores da JBS.

“No princípio era o verbo...”

A conservação de alimentos derivados de carne por meio de resfriamento e congelamento data dos anos 1850, nos EUA. No Brasil, o primeiro frigorífico que se conhece é de 1913, na cidade de Barretos. Apesar disso, somente um século depois é que surgiu a legislação específica sobre as condições de trabalho nesse setor industrial em nosso país. Trata-se da Norma Regulamentadora 36 (NR 36), de 18 de abril de 2013, que define as condições para “Saúde e Segurança no Trabalho em Empresas de Abate e Processamentos de Carnes e Derivados”.

Coincidência ou não, foi em 2013 que o canal de TV, Globo News, exibiu o documentário “Carne e Osso”, produzido em 2011, gerando ampla repercussão e debate sobre as precárias condições de trabalho e o desrespeito às leis trabalhistas nesse ramo produtivo. Vale lembrar, que foi também em 2013 que a JBS adquiriu a marca Seara, de seu concorrente Marfrig, consolidando assim sua dominação também no mercado de aves – e mais ainda nos recordes de acidentes e doenças do trabalho.

As NR’s são leis que falam sobre as condições de saúde e segurança no trabalho, tal como o uso de equipamentos de segurança (EPI’s) e fazem parte da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), criada durante a ditadura de Getúlio Vargas, em 1943, como forma de responder às demandas dos trabalhadores, que desde o começo do século vinham se manifestando por meio dos seus métodos de luta, como as greves. Quando um novo ciclo de ondas grevistas se iniciou, no final da década de 70, o Brasil já era amplamente reconhecido como recordista mundial em acidentes de trabalho, e então as leis sobre saúde e segurança no trabalho foram ampliadas, com a regulamentação de 28 NR’s em 1978. Seguiu-se, então, uma lenta ampliação até a NR 36, como citado acima, em 2013.

E por dentro da fábrica?

A maioria dos trabalhadores da JBS não conhece a NR 36, mas perceberam algumas mudanças no seu dia-a-dia nesses últimos anos, tais como a obrigatoriedade de mais uma pausa e o acréscimo de cadeiras em certos postos de trabalho. Como já comentamos aqui recentemente a campeã nacional em acidentes criou uma diretoria específica para tratar de se adequar à legislação vigente, assim como tem empenhado esforços em reduzir a quantidade de processos acumulados. Antes de uma preocupação real com a situação do trabalhador, o que move o gigante é a preocupação com as “contra propagandas”, que já prejudicam a imagem da marca. Além de um vídeo feito por um sindicato denunciando a cobrança abusiva do convênio médico, essa forma de denúncia também foi usada por Andrei Pires, ex-cipeira demitida injustamente Recentemente, recebemos a denúncia de que os uniformes estão sendo substituídos por outros sem forro, de pano fino, que não esquentam, contrariando o que diz a NR 36, na qual podemos ler, “36.9.5 Conforto térmico 36.9.5.1 Devem ser adotadas medidas preventivas individuais e coletivas - técnicas, organizacionais e administrativas, em razão da exposição em ambientes artificialmente refrigerados e ao calor excessivo, para propiciar conforto térmico aos trabalhadores. 36.9.5.1.1 As medidas de prevenção devem envolver, no mínimo: a) controle da temperatura, da velocidade do ar e da umidade; b) manutenção constante dos equipamentos; c) acesso fácil e irrestrito a água fresca; d) uso de EPI e vestimenta compatível com a temperatura do local e da atividade desenvolvida; e) outras medidas de proteção visando o conforto térmico.”, destacando a parte sobre os uniformes.

Segundo os trabalhadores, trata-se de mais uma medida da empresa em busca de cortar gastos, uma vez que a lavanderia que cuida dos uniformes é terceirizada e cobra por peso, as novas roupas mais finas pesariam menos da metade das anteriormente utilizadas. Tal prática nefasta prejudica gravemente a saúde dos trabalhadores e demonstra mais uma vez a disposição e insistência dessa empresa em buscar sempre aumentar sua lucratividade atacando as condições de trabalho e saúde dos seus funcionários, ou seja, suas condições de vida.




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