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Alemanha | Acampamento do Klasse gegen Klasse: "Vamos ser a geração que vai tirar o mundo das mãos dos capitalistas"

Com mais de 160 participantes, o acampamento de verão da Klasse Gegen Klasse, parte da rede internacional do Esquerda Diário na Alemanha, mostrou que é possível construir uma alternativa revolucionária diante do crescimento da direita e da fragmentação da esquerda.

sexta-feira 8 de setembro de 2023 | Edição do dia

No último final de semana, a Organização Internacionalista Revolucionária (RIO - Revolutionären Internationalistischen Organisation) da Alemanha, organização irmã do MRT que compõe também a Fração Trotskista - Quarta Internacional e que impulsiona o jornal virtual Classe contra Classe (KGK - Klasse gegen Klasse), promoveu um acampamento de verão na cidade de Regensburg ao sul do país.

O chamado do acampamento se deu em torno do mote “É possível a construção de uma força revolucionária na Alemanha!” e o fato de mais de 160 trabalhadores, jovens e convidados internacionais terem participado do acampamento confirma essa afirmação. A quantidade de participantes aumentou quase a metade em relação ao ano passado e foi um dos maiores da esquerda na Alemanha, maior até do que o acampamento da organização juvenil do Die Linke (A Esquerda), Linksjugend, que teve cerca de 100 participantes.

Em particular, o acampamento de verão da KGK mostrou que há uma geração crescente de jovens e trabalhadores interessados nas ideias do marxismo revolucionário diante do fracasso do partido reformista Die Linke, e em busca de respostas sobre a guerra na Ucrânia, a crise climática e a ascensão da direita.

Num cenário em que a AfD (Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, continua batendo recordes nas sondagens e em que o vice-primeiro-ministro da Baviera - aliado do Governo nacional - Hubert Aiwanger, é acusado de ter difundido um panfleto antissemita nos anos 1980, o Governo nacional (liderado pelo chanceler Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata da Alemanha - SPD) está mais impopular do que nunca.

No entanto, o partido reformista Die Linke não oferece nenhuma oposição séria e alguns setores do partido querem mesmo se adaptar ainda mais ao Governo e à OTAN ou, pelo menos, continuar como estão até agora. O Die Linke está mergulhado numa crise interna, com alas e cisões que resultam em posições céticas, colaboracionistas e até de direita. Exemplo disso é o pessimismo de Mario Candeias, membro do Die Linke e diretor da Fundação Rosa Luxemburgo, que pretende colocar toda a esquerda social na defensiva e profetiza "10 anos na defensiva para a esquerda alemã".

Por outro lado, Sahra Wagenknecht, recentemente expulsa do Die Linke, quer levar adiante um projeto nacionalista com retórica chauvinista e, assim, se aproximar da AfD. Diante da divisão da esquerda, há uma necessidade urgente de construir uma alternativa revolucionária.

A questão de como atingir esse objetivo foi o tema central do painel de discussão na tarde de sexta-feira dia 1 de setembro, intitulado "A ascensão do AfD e a necessidade de construir um partido revolucionário". Após uma introdução à situação política atual, Lennart Beeken, ativista do RIO e ex-membro da corrente Marx 21, que compõe o Die Linke, falou sobre seu rompimento com esse partido, em busca de uma alternativa independente. Em particular, ele se opôs ao pessimismo impotente de Candeias e argumentou que os fenômenos crescentes da luta de classes internacionalmente e na própria Alemanha são o antídoto para a ascensão do AfD e para a luta contra o governo social-democrata. Em vez de declarar que a situação está "fechada" e até mesmo perdida, como fez Candeias, Lennart disse que é preciso aprofundar as contradições econômicas e políticas no país, a fim de impulsionar a luta e a auto-organização dos trabalhadores e da juventude.

As contribuições dos palestrantes Daniel, da Organização Socialista Revolucionária (RSO - Revolutionären Sozialistischen Organisation), e Ramazan, da Ação contra a Injustiça dos Patrões, de Berlim (Berliner Aktion), sublinharam a necessidade de os socialistas trabalharem em conjunto contra a ascensão da direita, mas também de contraporem à crise do Die Linke uma alternativa baseada na luta de classes.

O painel foi encerrado por Tabea, do RIO, que também está criando o grupo universitário marxista Armas da Crítica (Waffen der Kritik). Tabea voltou a falar da necessidade de combater a ascensão da direita e as políticas antissociais e militaristas do governo, fazendo um balanço da experiência internacional do neorreformismo e do populismo de esquerda, que só contribuíram para a ascensão da direita. Diante da iminente divisão do Die Linke, fazer uma escolha entre as duas alas seria um erro e não a solução. Em vez de apostar em uma frente popular de "todos os partidos democráticos", por um lado, ou em um puro "retorno ao social", como exemplificado pelas correntes autônomas, diante da ascensão da direita, Tabea enfatizou a possibilidade de construir uma alternativa revolucionária dos trabalhadores da juventude. Somente essa força será capaz de combater as lideranças tradicionais de classe e dos movimentos com as táticas da frente única e a construção de frações revolucionárias dentro deles.

As intervenções mostraram que não se pode confiar nos partidos e instituições reformistas ou burguesas para solucionar os problemas. Pelo contrário, como atualmente em que se reafirma a época de crises, guerras e revoluções, como afirmava Lenin, vemos que os capitalistas e reformistas incapazes de dar uma resposta e resolver as contradições sociais e econômicas que se agudizam. O que vemos também é que Em vez disso, eles dependem cada vez mais da violência do Estado para manter vivo um sistema ultrapassado. Por outro lado, no entanto, há o fenômeno crescente da luta de classes com grandes ondas de greve na França, Grã-Bretanha e também na Alemanha.

Lições das lutas de classes internacionais

Assim, os fenómenos internacionais da luta de classes assumiram um papel de destaque nas discussões do Acampamento de Verão. Diretamente da França, os camaradas relataram sobre a Rede para a Greve Geral, que propôs uma política alternativa a partir de baixo contra o papel restritivo da burocracia sindical durante as greves contra a reforma das previdência. No Chile, discutimos as lições da revolta de 2019, que foi posteriormente redireccionada para um viés eleitoral pelo populista de esquerda Gabriel Boric. Já na Itália, foi relatado sobre a experiência dos trabalhadores da fornecedora e imóveis GKN, perto de Florença, e que eles seguem fazendo uma campanha por uma mudança na produção para produtos ecológicos.

Logo no início do acampamento, houve a projeção do filme sobre uma empresa de impressão na Argentina, Mandygraf, que foi ocupada por trabalhadores em 2014 e que seguiu suas atividades. O filme mostrava o que é possível fazer quando os patrões não organizam a produção em função dos lucros, mas sim os próprios trabalhadores que decidem: Criaram a possibilidade de se desenvolverem de forma criativa em vez de se escravizarem sem sentido sob a pressão e o comando dos patrões. Um local de trabalho onde as mulheres e as pessoas trans possam trabalhar em pé de igualdade. Uma fábrica que não causa danos ambientais em vez de poluir as águas como fizeram os anteriores proprietários capitalistas. Ou seja, o filme conta sobre uma fábrica que é controlada pelos trabalhadores!

Assim como eles, nós não queremos nos deter apenas em uma ou poucas fábricas ocupadas apenas. No entanto, nós vemos que as forças materiais e a experiência que os nossos camaradas adquiriram em Madygraf devem ser uma posição que nos ajude a tornar as ideias do marxismo novamente conhecidas em todo o mundo. Num país como a Alemanha, cuja tradição revolucionária foi em grande parte destruída pelo fascismo e pelo stalinismo, é ainda mais necessário estudar as experiências da luta de classes internacionais para reconstruir um partido revolucionário. O nosso objetivo é reconstruir a IV. Internacional, fundada em 1938 por Leon Trotsky e outros revolucionários, em oposição ao stalinismo.

Assim, em no acampamento de verão, em muitas mesas de debates e exposições foram abordadas as lições estratégicas da longa história do movimento dos trabalhadores: a Revolução Russa e sua subsequente degeneração sob o stalinismo; a posição dos marxistas diante da guerra imperialista; a teoria da Revolução Permanente; a estratégia socialista e a arte militar. Também foram debatidas questões atuais vigentes, como as estratégias do antifascismo contra a extrema direita, uma resposta ao suposto "feminismo" do governo alemão que legitima o militarismo imperialista ou uma resposta marxista à catástrofe climática mundial, entre outros temas. Nas próximas semanas, o KGK disponibilizará todos os workshops como podcasts nas plataformas digitais e também fará o upload das mesas-redondas como vídeos.

O evento de encerramento com convidados internacionais culminou com um discurso de Ines Heider, militante do RIO e assistente social, que descreveu o partido que queremos construir e pelo que lutamos. Ela afirmou que queremos nos organizar de forma independente dos partidos reformistas e contra as burocracias sindicais que impedem nossas lutas. A classe trabalhadora tem o poder de moldar toda a produção de acordo com suas necessidades e em harmonia com a natureza. Queremos construir um partido para nos libertarmos do controle dos capitalistas e de seus governos sobre nossas vidas e desenvolvê-las ao máximo. Não temos ilusões com um capitalismo "verde", mas confiamos em uma economia socialista planificada para acabar com a exploração da classe trabalhadora e da natureza. Queremos lutar por uma sociedade sem racismo, homofobia e transfobia. Queremos ser "a geração que liberta este mundo das mãos dos capitalistas", encerrou Inés.

Uma construção acelerada com o retorno da luta de classes

Nas próximas semanas, terão lugar importantes lutas na Alemanha: Protestos contra as empresas de automóveis que causam extremos danos ao meio ambiente em Munique; greves de professores em Berlim, coincidindo com a campanha contra o despedimento de Inês (assistente social no bairro de Neukölln em Berlim que foi demitida por organizar e se posicionar contra cortes orçamentários na saúde e na assistência social); greves nacionais no âmbito do acordo coletivo dos Länder e dos estudantes trabalhadores. A luta pela manutenção da sala de partos no hospital de Munique-Neuperlach continua, incluindo a luta contra a demissão de Leonie (parteira profissional que está sofrendo perseguições políticas e jurídicas devido ao seu posicionamento político e toda a campanha que houve em defesa das salas de parto da sua região).

Especialmente as intervenções promovidas pelo Klasse Gegen Klasse com as nossas figuras públicas na sala de partos em Munique, bem como nas greves dos professores, permitiram que se abrisse contacto com uma nova geração de trabalhadores e jovens militantes e assim colocar o convite para o Acampamento de Verão ocorrido. As reuniões do grupo universitário marxista Waffen der Kritik (Armas da Crítica), com mais de 70 participantes, e do grupo de trabalhadores socialistas KGK Workers, com mais de 60 participantes, antes do final acampamento, comprovaram tal importância.

O ascenso da luta de classes, o aprofundamento das crises e a divisão do Die Linke dão às forças revolucionárias de hoje a oportunidade de crescer mais rapidamente. As lutas de classe ainda não se expressaram no surgimento de um partido revolucionário para desafiar as burocracias reformistas ultrapassadas. Mas as condições para isso estão se desenvolvendo e amadurecendo. Nos próximos meses, devem ser tomadas medidas para oferecer uma alternativa baseada na luta da classe trabalhadora com um programa socialista que possibilite suas vitórias.

Queremos contribuir para isso com nosso jornal Klasse Gegen Klasse, mas, ao mesmo tempo, também nos colocamos disponíveis para aprofundar essa discussão com outros organização sobre a construção de uma força revolucionária na Alemanha.

Traduzido por Maria Barbosa.




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