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Paralisação 7/11 em MG | Eles nos devem: crônica de uma professora designada diante do RRF de Zema

Diante do Regime de Recuperação Fiscal de Romeu Zema e há oito anos do crime da privatizada Vale em Mariana, a conclusão é que a dívida que existe é dos governos e empresários com os trabalhadores e a população dependente dos serviços públicos.

MaréProfessora designada na rede estadual de MG

domingo 5 de novembro de 2023 | Edição do dia
Foto: boneco representando Romeu Zema sendo queimado em manifestação de trabalhadores da educação em greve, em março de 2022.

Calculadora, calendário e aplicativo do banco estão na minha frente. Me sinto ameaçada.

O quinto dia útil mais demorado do ano é esse de novembro. Poderia ser hoje, dia 5, mas esse 5 de novembro é apenas um domingo de luto pelo 8º ano sem justiça pelo maior crime ambiental da história do Brasil, por 19 mortos, em Mariana. Feriado de finados.

Não consigo nem usar o feriado para descansar porque se não fosse o feriado eu receberia antes. Dormir é quase ilusório sabendo que, se agora que trabalho numa boa escola está difícil, imagina no ano que vem, nas filas da designação. Minha classificação é muito baixa, devo ter que segurar as pontas no início do ano até arranjar uma vaga.

Mas é feriado, para de pensar nessas coisas! Descansa para aguentar até o fim do ano, até porque aparentemente a SEE acha que a gente tá atoa, só pode. Ainda tem as planilhas do PRA que não preenchi… Amanhã eu preencho, sem falta.

É muito trabalho pra pouco professor e, poxa, tinha que ser menos de dois salários mínimos o salário de professora da rede estadual? O cara aumentou o dele em 300%. TREZENTOS POR CENTO. E negou o nosso reajuste de 33% conquistado com muita luta e suor. Tem como mandar meus boletos pra casa do Zema e do Barroso?

Eu não posso ficar assim, o Estado não paga pela minha saúde mental. É só um calendário e uma calculadora. Foca. Sem paranóia. Você vai conseguir.

Mas ver e sentir o que estão fazendo comigo, meus colegas e nossos alunos me envenena. Fui falar com os meninos que iam fazer o ENEM pra irem com calma, que eles não são aquela prova e que ela não vai dizer se eles são inteligentes ou não. Acabei quase chorando na frente deles, pensando que tive que repetir isso para mim mesma após o concurso que estudei tanto para ser efetiva e não mais designada. Ou desempregada, no ano que vem, porque minha classificação não dá pra continuar na mesma escola. Mandei no whatsapp pra minha mãe: desclassificada, eu e todos os meus colegas.

Preciso de um calendário do ano que vem, que não esteja sujo de lama no 5 de Novembro e no 25 de Janeiro. Outra calculadora? Outra conta em outro banco, talvez? Não, um mapa! Onde tem escolas que dê para eu ir a pé? Se eu chegar bem cedo eu tenho mais chance de pegar a vaga?

Calma, sem teoria da conspiração.

Mas tem coisa que também já é demais. Esse concurso foi feito pra gente não passar, o governo não quer contratar professor, quer deixar uma legião de designados sem estabilidade nem progressão de carreira. Aliás, progressão de carreira passa longe da nova brilhante ideia desse imbecil de sapatênis, por nove anos quer deixar os professores onde estão, e tem coragem de achar que a gente tá bem. Eu talvez esteja ótima mesmo, comparado com tantos colegas pra quem eu torço tanto. Mas não vamos nivelar por baixo, como o governo quer, rebaixando os direitos dos efetivos aos poucos direitos dos designados.

A calculadora não mostra o número que eu preciso. Preciso trabalhar em mais uma escola. Não, vamos falar a verdade por aqui: precisamos é de um salário que nos permita trabalhar em uma escola só. Se eu tô cansada, imagino aquela colega com trinta anos de sala de aula. Mas enquanto a gente não conquista isso, preciso de um reajuste, mas serão nove anos sem isso.

Ah não, esqueci, ele disse que vai reajustar o salário sim. 3% em 2024 e 3% em 2028. Rio de desespero… Vai reajustar as contas de luz e água também né? Igual aconteceu com a primeira privatização do Plano de Recuperação Fiscal, que foi no RJ. E o meu salário, como vai pagar contas mais caras? Com guerra na Ucrânia e massacre do povo palestino eles querem mesmo nos fazer acreditar que o custo de vida não vai encarecer?

A conta não fecha e eu não consigo engolir, não consigo me imaginar dando aula sobre um futuro maior crime ambiental ou maior "acidente" de trabalho, nas futuras CEMIG ou na COPASA privatizadas, com um salário que não paga meu aluguel. Não consigo dar aula de projeto de vida, educação financeira, falar com meus alunos sobre “empreendedorismo” como manda o novo ensino médio. E ainda tem os três projetos bimestrais que não escrevi. Amanhã eu escrevo. Ninguém aguenta mais o NEM.

Nem trabalhei, nem descansei, nem fechei as contas nesse feriado.

Aliás, foram eles que não fecharam as contas.

“Recuperação Fiscal” de quê? Do rombo que as mineradoras deixam em MG, protegidas pelos governos, pelo judiciário, pela Lei Kandir? Recuperação pra quê? Para pagar o enxoval da “princesa sei lá quem” de séculos atrás que tá pendurada até hoje na dívida pública? Porque todos os governos do país até aqui tiram dinheiro da gente pra pagar uma dívida que a gente não fez?

A cara do NOVO nem queima em fingir que esse regime resolve o problema quando só aumenta a tal da dívida do estado com a união. O tal do Arcabouço Fiscal é isso, então? Quer dizer que essa “inovação” do governo federal ajuda Tarcísio em SP, Zema em MG, Castro no RJ e companhia a atacar a gente pra supostamente respeitar os cofres públicos do país? Eles não respeitam nada além dos próprios interesses e nós também não devemos nenhum respeito a eles.

Eu sou professora mas quero aprender muito, tanto com os meus colegas, quanto com muitos lutadores que já acertaram e erraram muito para que hoje pudéssemos avançar. Quero aprender com a nossa luta viva. Preciso disso, já que a calculadora não resolveu nada aqui na minha frente. Não estou sozinha: na sala dos professores as assinaturas decidem paralisar no dia 7. Vamos dar outra aula dessa vez.

Querem congelar salários, carreira, nos dividir entre efetivos e designados, privatizar água, energia e até as escolas, precarizar tudo o que podem e reservar um futuro de miséria para os nossos alunos e suas famílias, preparar novos desastres para o nosso povo. Mas não podem nos impedir de nos organizar e, tenho certeza... Fecho os olhos e confirmo: CERTEZA: se nos mobilizamos e discutimos o que é necessário fazer para vencer, se somos escola uns para os outros, confiando nas nossas próprias forças, podemos escrever os próximos capítulos dessa história.

Pensando bem, a conta fecha sim, e são eles que nos devem. Façamo-nos pagar.




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