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NOVO FILME DE CRONENBERG | Estrelas decadentes, mapa para a solidão

Em "Mapa para as estrelas", novo filme de Cronenberg, vemos um retrato da sociedade que vende em todas suas formas de comunicação a mesma propaganda: seja o melhor! Bilhões de pessoas solitárias buscam a qualquer custo a sensação de sucesso e felicidade. Porém, alguns poucos eleitos realmente o encontram, ou aparentam estar dentro do sucesso.

Camila FarãoSão Paulo

segunda-feira 30 de março de 2015 | 00:00

Em "Mapa para as estrelas", novo filme de Cronenberg, vemos um retrato da sociedade que vende em todas suas formas de comunicação a mesma propaganda: seja o melhor! Bilhões de pessoas solitárias buscam a qualquer custo a sensação de sucesso e felicidade. Porém, alguns poucos eleitos realmente encontram, ou aparentam estar dentro do sucesso.

Uma indústria cultural bilionária, como Hollywood, se tornou pano de fundo para o diretor Cronenberg expor os valores vigentes pós 2009: crise da Democracia enquanto sistema político e da supremacia do Capitalismo enquanto poder econômico, tendo como marco a quebra do Lehman Brothers e a quebra de confiança na hegemonia norte-americana.

A crise internacional influenciou na política de vários países, como foi o caso da "Primavera Árabe", as manifestações de massa na Europa, a polarização de direita e esquerda novamente ou até mesmo as jornadas de junho no Brasil. Culturalmente, sua influência aparece numa sociedade que se depara com o fim da utopia neoliberal, do individualismo extremos como método de se buscar a alegria contínua: não podemos ser tristes, temos que ser saudáveis e bem sucedidos, com emprego, família e bens materiais, ao mesmo tempo em que tudo foi renegado pelo Estado, e a iniciativa privada, desde a década de 1970, veio de forma desenfreada lucrar sobre serviços fundamentais para a população, como saúde, educação, transporte, lazer, etc.

Hollywood do Oscar, dos milhares de filmes que contam as mesma histórias de amor com cenários diversificados, personifica em cada celebridade o triunfo dos melhores (das estrelas) dentro do Capitalismo. Por exemplo, Angelina Jolie - embaixadora da ONU - é a imagem da mulher que canaliza em si a noção de luta social bem sucedida dentro dos limites da própria tradição. Mas tal qual esta tradição que há séculos está em ruínas, cada "estrela" que aparece no filme de Cronenberg tem como característica os valores culturais putrefatos dessa sociedade.

Neste sentido, o filme sai do padrão otimista do entretenimento e causa um verdadeiro mal estar para o público, com imagens sombrias e terror psicológico, além da instabilidade estar contida em toda narrativa, assim como em cada personagem. Estes não são maniqueístas, bons ou maus, mas todos carregam em si traços de perversidade e são extremamente humanizados a partir disso; sofrem com a decadência e a reproduzem incessantemente, em busca de seu desejo, do seu sonho. O outro só aparece como uma barreira a ser destruída, não há nenhuma empatia entre personagens, dentro do filme, ao ponto de todos se tornarem em algum grau psicopatas.

O uso de remédios psiquiátricos, fórmulas de auto-ajuda, estimulantes, drogas, "filosofia" oriental, são mostrados como caricaturas de uma liberdade individual que não pressupõe o outro. E como válvula de escape para regras sociais bem contraditórias: ao mesmo tempo que ninguém tem limite perante sua vontade e a competição é o grande regulamentador das relações, ninguém pode sofrer consequências da vida como envelhecimento, acidentes e doenças. Dentro disso, o público cai num vazio existencial. Pois a mesma sede de potência ocasiona sua própria destruição.

Ao retratar esta competição, Cronenberg representa a juventude como hedonista, individualista, consumista, intolerante, esquizofrênica e viciada, sempre de uma forma grotesca e exagerada. Esse retrato de uma juventude que desperdiça sua vitalidade em si mesma nos serve como alegoria da suposta liberdade vendida pela Democracia: não pressupõe a liberdade de todas as camadas sociais, o fim da exploração, a igualdade perante a vida. Mas uma doutrina que mascara a bruta realidade: de que os vencedores são o 1% dos ricos burgueses que dominam os 99% dos trabalhadores que produzem toda a riqueza do mundo. E que tamanha crueldade social se reflete nos valores culturais, assim como eles legitimam o próprio poder.

Outros filmes alternativos, como "Melancolia" de Lars von Trier (2011), servem como antena dos sentimentos que estamos enfrentando neste momento de crise econômica (com proporções ainda desconhecidas). Lidar com uma destruição inevitável. De escancarar os valores burgueses como fadados ao fracasso. Seja eles com uma tragédia natural, seja com uma tragédia individual, o que sobra no final dos filmes é a sensação amarga de que o sonho da Democracia acabou.


Temas

Cinema    Cultura



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