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Em 29 de Agosto de 1996 o 1º Seminário Nacional de Lésbicas, SENALE, aconteceu no Rio de Janeiro. Este foi o primeiro espaço a tratar do tema no Brasil e foi aí que a letra L foi incluída na sigla LGBT, não por acaso à frente. São 19 anos de comemoração de visibilidade lésbica. Em pleno ano de 2015, 19 anos depois, apesar de avanços em nossa visibilidade e da nossa resistência, seguimos deslegitimadas e fetichizadas.

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

sábado 29 de agosto de 2015 | 11:12

O afeto, tesão e a relação de mulheres com outras mulheres é hoje mais visível na grande mídia, com marcos como o single "I kissed a girl" de Katy Perry em 2008, e recentemente no horário nobre da Rede Globo, com duas renomadas atrizes, Nathalia Timberg e Fernanda Montenegro, vivendo um casal de idosas lésbicas. Entretanto, ainda que o espaço na mídia tradicional hoje esteja maior, a realidade das lésbicas que vão do local do trabalho ou estudo para casa sozinhas é o de empunhar chaves e se armar para encarar ou fugir de um estupro corretivo, ainda é sofrer constantes assédios ao estar acompanhada, porque é completamente inimaginável que uma mulher sinta prazer com outra mulher. Para as lésbicas trabalhadoras, ou a sexualidade é velada por completo nos locais de trabalho, ou é tão evidente que coloca estas mulheres no telemarketing e no serviço terceirizado, trabalhos nos quais podem estar escondidas e serem mantidas como invisíveis. Já as lésbicas negras, recebem do Estado a violência da polícia racista, com a justificativa de que se vestem como homens para apanhar como os jovens negros apanham todos os dias.

A completa deslegitimação da sexualidade lésbica, da possibilidade de prazer e gozo tem suas origens no patriarcado, uma ideologia apropriada pelo capitalismo e que determina que as mulheres devem ser submissas, que não podem tomar decisões próprias acerca de suas vidas e que não têm direito de expressar sua sexualidade como quiser.Ou seja, ao passo que o patriarcado reza que a mulher seja reclusa e submissa se anule em relação aos homens e à vida, o capitalismo se apropria dessa hierarquia construída e nos explora , ambos complementam-se e proíbem qualquer tipo de direito à vida digna e ao prazer. O Estado é o instrumento que garante então a repressão, seja por meio de suas instituições não reconhecendo assassinatos motivados por lesbofobia, ou outros tipos de preconceito, ouou por seus representantes, que conscientemente não aprovam medidas que possam melhorar a vida dos setores oprimidos em questões mínimas, como a Criminalização da Homofobia (PLC 122), projeto de lei que está tramitando desde 2006 e que Dilma havia prometido aprovar logo após as eleições, por enquanto só temos visto Cunha e cortes.

Parte da deslegitimação da sexualidade lésbica é também a sua fetichização. Um casal lésbico, uma mulher lésbica só pode existir, para o capitalismo e sua indústria pornográfica, para satisfazer fantasias masculinas. Vale lembrar quão fora da realidade são aquelas lésbicas, corpos esculturais e unhas cumpridas, com uma construção irreal emvídeos que realmente estão apenas a serviço da fantasia masculina, já que não visam nem o prazer individual de mulheres.

Na juventude, o cotidiano das lésbicas pode ser bastante drástico. A rejeição muitas vezes acontece na família e também nas escolas. Assim, o cotidiano das lésbicas passa ser dividido entre a opressão na escola, com ameaças de agressões físicas e verbais, e a casa dos pais ou o primeiro emprego precário, onde são novamente completamente castradas.

A grande maioria expressa a enorme opressão que sofre na escola, o que evidencia a importância da discussão de gênero e sexualidade nas salas de aula. Em 2011, Dilma vetou o Kit Antihomofobia, um projeto de materiais gráficos e audiovisuais que tratariam da questão LGBT. No ano passado, a situação desta discussão nas escolas retrocedeu, o PNE (Plano Nacional de Educação) do governo federal nem ao menos contém os termos gênero ou sexualidade, o que possibilitou medidas reacionárias em diversas cidades do país, como em Campinas, onde foi aprovada em 1ª instância a ’Emenda da Opressão’, que pretende proibir e criminalizar qualquer tipo de discussão de gênero e sexualidade no ensino do Município.

Bastante constrangedora para qualquer mulher lésbica é também a ida a um ginecologista. A saúde da Mulher é, como um todo, extremamente precária, desde a falta de exames nos hospitais públicos até ao pouco acesso à saúde sexual, seus remédios e necessidades. No caso das lésbicas somos tratadas como pessoas que nunca fizeram sexo. Além da imposição da centralidade do falo (pênis) para o sexo, é também uma visão completamente binária, mulheres tampouco podem ter pênis? É também a partir da saúde e de discursos deterministas biológicos que setores reacionários como Felicianos, Malafaias e Bolsonaros justificam o ódio que propagam. Em 2013, Marco Feliciano (PSC) apresentou o projeto intitulado "Cura Gay", que autorizaria psicólogos a oferecerem tratamento para sexualidades e identidades de gênero não heteronormativas e binárias, o que representaria um retrocesso enorme, já que a Homossexualidade foi retirada do Código Internacional de Doenças em 1990 pela ONU.

As dificuldades e situações concretas pelas quais passam as mulheres lésbicas no dia a dia, tem origem e se assemelham muito às situações vividas não apenas pelas mulheres como um todo, mas também pelas bissexuais, de identidade trans, travestis e homens gays.

Hoje a questão das Identidades Trans vem ganhando mais espaço dentro do movimento LGBT, isso se dá tanto à repercussão de casos de agressão tristes e gravíssimos, quanto a evidência da precariedade da vida destas pessoas. Não só pela marginalização no mundo do trabalho, mas também pela expectativa de vida estimada em 35 anos, menos da metade de pessoas cisgêneras. Destas pessoas, o direito ao corpo é arrancado por inteiro e são jogadas em filas de espera no SUS que podem durar a vida toda, além de receberem medicamentos impróprios para o tratamento hormonal que desejam fazer. E para ter acesso a este sistema de saúde precário, devem se submeter a avaliações psicológicas e psiquiátricas que comprovem desvios e transtornos, em laudos abusivos e humilhantes.

Acompanhada da Questão Trans começar a aparecer mais, existe também uma confusão ideológica por setores transfóbicos, que acham que a luta das mulheres deve passar por cima das mulheres trans*. É fundamental que a Questão Trans esteja de fato mais em evidência no conjunto do Movimento LGBT, de maneira nenhum no sentido de invisibilizar as demais identidades ou não levar em consideração as mazelas que acompanham não caber na caixinha da heterossexualidade ou binariedade neste sistema e sim no sentido de denunciar a barbaridade que acontece com suas vidas e também com as nossas, não é possível que nos seja arrancada a vida, seja no sentido literal (No Brasil 1 LGBT é assassinado a cada 26 horas), seja no trabalho, na escola, na balada ou na família.
Portanto, o medo de andar em uma rua escura, o medo de perder a vida, mas também a paixão por ela e por querer expressar o que pulsa dentro de nós, está nos LGBTs. E assim como está neste setor oprimido, está nos trabalhadores. Desde o começo do ano fica evidente quem são os primeiros a pagar as contas dos ajustes e cortes, são as mulheres, os negros, e os LGBTs. Precisamos desde já nos armar para combater cada demissão, cada reacionarismo de Cunha e sua laia, cada retrocesso e ataque de Dilma e da direita!

Neste Dia Nacional da Visibilidade Lésbica convidamos a todos ao Encontro de Mulheres e LGBTs organizado pelo Pão e Rosas, para junto a centenas de mulheres e LGBTs pensarmos as saídas para nossa emancipação!




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