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Peru | Nova “tomada de Lima” é anunciada: a retomada dos protestos contra o governo golpista de Dina Boluarte

Diversas organizações sociais anunciaram sua adesão ao vem sendo divulgado como a “terceira tomada de Lima”, que nesta quarta-feira, 19 de julho, implicará ações de mobilização e protesto contra o governo golpista e repressivo de Dina Boluarte no Peru, responsável por quase 70 mortes e 1400 feridos pela brutal repressão policial e militar aos manifestantes que participaram no últimos levantes populares de dezembro de 2022 e janeiro/fevereiro de 2023.

quarta-feira 19 de julho de 2023 | Edição do dia

Nesta quarta-feira (19), organizações sociais, sindicais e políticas convocam a retomada dos protestos contra o governo golpista de Dina Boluarte. As ações, denominadas “terceira tomada de Lima”, se dão em um contexto distinto às anteriores em janeiro e fevereiro.

Reproduzimos abaixo o artigo da Corrente Socialista das e dos Trabalhadores (CST), organização irmã do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), publicado na seção peruana do Esquerda Diário.

O anúncio da nova onda de protestos e mobilizações se dá em um marco parcialmente distinto do último processo de luta em janeiro e fevereiro, quando o Congresso, junto ao Tribunal Constitucional de maioria fujimorista, avançava em diversas medidas para “blindar” este poder do Estado, permitindo que o próprio Congresso fosse responsável pela retirada de “confiança” de membros do poder Executivo. Com essa resolução, o órgão máximo de controle constitucional concedia ao Congresso a competência de determinar a ocorrência dessa perda de confiança, convertendo este órgão do Estado em fiscal de suas próprias resoluções e impedindo, desta forma, a possibilidade de impeachment e de fechamento do Congresso por parte do Executivo. Mesmo assim, o Congresso se encarregou do julgamento de membros da Junta Nacional Eleitoral e da Junta Nacional de Justiça, buscando impor o controle absoluto de todos os poderes de Estado pela corrupta casta política no Congresso.

Todas estas medidas, incluindo uma eleição irregular para o cargo de Defensor do Povo [responsável por defender os direitos constitucionais da população e supervisionar o cumprimento dos deveres da administração pública e da prestação de serviços públicos], visam fortalecer as degradadas instituições da democracia fujimorista, avançando na concentração de poder e em formas cada vez mais totalitárias de seu exercício, como já denunciou a JNJ (Junta Nacional de Justiça) na CIDH [Comissão Interamericana de Direitos Humanos] há algumas semanas. É por tudo isto que a golpista Dina Boluarte anunciou sua intenção em permanecer no cargo da presidência até 2026, burlando mais uma vez suas próprias declarações de convocar eleições antecipadas.

Por outro lado, os novos protestos são anunciados em um momento em que a economia peruana começa a demonstrar sinais de estancamento e “recessão técnica”, agravando não apenas as dificuldades financeiras e econômicas do governo golpista, como os sofrimentos do movimento de passas, o que pode estimular a adesão de parcelas da população aos atos deste 19 de julho,

A resposta do governo: aceitando os mecanismos repressivos

Frente às mobilizações anunciadas para esta quarta-feira, o governo endureceu suas “políticas de segurança”, buscando evitar, junto aos militares, à Polícia Nacional e às patronais, que os manifestantes cheguem à capital Lima, revivendo o terruqueo [associação dos manifestantes a grupos terroristas] e implementando uma série de medidas repressivas para debilitar os prováveis protestos sociais em todo o país.

Lembremos que desde que Dina Boluarte assumiu o governo, por meio de um golpe parlamentar, sua principal sustentação tem sido por via das forças repressivas (Forças Armadas e Polícia Nacional), além do grande empresariado, com vínculos estreitos com o capital imperialista, e da maioria parlamentar altamente impopular. Isso levou a um aumento do desprestígio do Executivo e do conjunto dos poderes do Estado, graficamente expresso nas últimas pesquisas realizadas pelo Instituto de Estudos Peruanos (IEP), que apontou que mais de 90% dos peruanos rechaçam a atual gestão do Parlamento, enquanto 80% da população entrevistada desaprova a gestão da presidenta golpista. No entanto, os setores empresariais não têm a mesma opinião: uma recente pesquisa realizada pela empresa IPSOS e publicada na revista Semana Económica, no último 11 julho, aponta que 71% dos empresários do país aprovam a gestão Boluarte.

Este último resultado está diretamente relacionado ao fato de que o governo não apenas manteve intactos os benefícios dos grandes capitalistas, como também lhes demonstrou, objetivamente, que o Executivo está disposto a enfrentar, a ferro e fogo, as manifestações sociais que sempre são vistas como um problema pelos setores empresariais, ainda mais quando estes protestos levantam a necessidade de acabar com a ordem política do regime fujimorista de 1993.

Apesar de tudo, este governo não deixa de ser um governo débil que, como se pode notar nas últimas pesquisas já mencionadas e na própria atitude da maioria da população, não conta com uma base social que o sustente; por isso, são as forças repressivas e um Congresso odiado pela população o seu apoio concreto para prosseguir com sua gestão e manter-se à cabeça do Executivo. Para evitar que esse descontentamento social latente volte a se manifestar nas ruas neste 19 de julho, e que, a partir daí, possa se abrir um novo processo de lutas sociais, o governo vem levando adiante uma série de operativos para debilitar os protestos e estigmatizar os manifestantes, com o objetivo de criar medo entre a população e impor, sob lógicas repressivas, a “tranquilidade social” tão aplaudida pelos empresários.

Para implementar essas iniciativas, o governo voltou a colocar em prática sua aliança estratégica com os militares, que, no último 6 de julho, receberam do ministério de Economia e Finanças o expressivo valor de 12,2 milhões de sóis peruanos por fora do orçamento previsto, com a finalidade de “reativar a economia e minimizar os riscos de perdas econômicas”. Estes recursos, de acordo com o ministério da Defesa, seriam repartidos da seguinte maneira: 5 milhões ao Exército; 4,5 milhões à Marina; e 2,7 milhões para a Força Aérea.

A essas iniciativas financeiras voltadas a fortalecer a repressão, se somaram os grandes banqueiros; na semana passada, importantes bancos como o Interbank, Scotiabank e o banco Sudameris GNB fizeram uma “doação” de quase 5 milhões de sóis ao ministério do Interior, órgão político do qual depende a Polícia Nacional. Esta “doação” teria como fim, segundo os doadores, a “execução de ações de apoio permanente aos diversos programas de apoio à polícia”, ou seja, manter satisfeitos os altos comando policiais para que se disponham a reprimir a população quando necessário.

A maquinaria policial-militar está bem engrenada e em funcionamento, e desde a semana passada vem sendo implementada pelo Exército e pela Polícia Nacional toda uma campanha de espionagem e perseguição aos considerados supostos organizadores de ações de protesto. Neste sentido, também foi declarado estado de emergência de 30 dias na rede viária nacional, permitindo equipes militares a acompanhar os efetivos da Polícia Nacional na vigilância e controle das estradas, evitando, desta forma, que a população possa se deslocar de um lugar a outro para realizar ações de protesto. Também está em avaliação a possibilidade de declarar estado de emergência em outras regiões, além de Puno, onde as mobilizações poderiam ter maior impacto - o que implica atacar totalmente as liberdades de circulação e reunião da população.

Neste marco, passou a operar na cidade de Lima o chamado plano abanico verde, que busca evitar que os manifestantes das regiões do interior possam chegar à capital, mobilizando contingentes policiais em todas as entradas da cidade para realizar uma operação de controle ostensivo.

A essa campanha repressiva, se somou com muito entusiasmo o atual prefeito de Lima, o ultradireitista Rafael López Aliaga, que colocou à disposição da Polícia Nacional as quase 200 câmeras do município para identificação e penalização da população que decida se somar aos protestos nesta quarta-feira. Além disso, os canais de televisão aberta retomaram as grotescas campanhas de terruqueo contra os manifestantes, utilizando declarações de uma suposta dirigente da facção Sendero Luminoso chamando a população a render-se à paralisação de 19 de julho,

Como vêm sendo preparadas as mobilizações para o 19 de julho?

Diversos setores sociais se somaram no chamado aos protestos desta quarta-feira. No entanto, não há uma unidade de critérios ou de demandas. Assim como no processo de luta em dezembro, janeiro e fevereiro, as direções sindicais e de diversos movimentos sociais trabalharam para manter a divisão e fragmentação dos setores dispostos a se mobilizar contra Boluarte. A chamada terceira tomada de Lima se transformará, na realidade, em uma jornada nacional de protestos que provavelmente abrirá um conjunto de mobilizações e manifestações com resultados difíceis de se prever hoje. É preciso destacar, porém, que após oito meses da destituição de Pedro Castillo, se aprofundou o desgaste do regime e do governo, estimulando parcelas da classe média a manifestar seu rechaço. Nos últimos dias, grupos de estudantes universitários anunciaram sua adesão aos protestos, chegando até mesmo a ocupar a reitoria da Universidad Mayor de San Marcos, em solidariedade às manifestações e contra o governo.

Também desde os setores direitistas e liberais personificados em figuras como as jornalistas Rosa María Palacios e Juliana Oxenford, o 19 de julho vem sendo pronunciado como uma jornada de luta pela democracia, já que, no seu entendimento, Boluarte, de mãos dadas com a maioria parlamentar, estaria violando os pilares da democracia burguesa peruana, sustentada juridicamente pela Constituição Política de 1993. Estes setores enfatizam a necessidade do adiantamento das eleições como saída estratégica para relegitimar o atual regime político, duramente questionado pelos milhares de manifestantes que saíram a lutar no último levante popular.

A esquerda reformista e as centrais sindicais controladas pela burocracia sindical, como a CGTP (Confederação Geral de Trabalhadores do Peru), a SUTEP (Sindicato Unitário de Trabalhadores da Educação do Peru) e a CUT (Central Unitária de Trabalhadores do Peru), entre outras, também estão convocando este 19 de julho como uma jornada nacional de luta. As demandas centrais desses setores também são o adiantamento das eleições gerais, o fechamento do Congresso, e a sanção a Dina Boluarte pelas 70 mortes causadas pela repressão policial-militar ao levante popular. Se bem falam de lutar por uma constituinte para dar vida a uma nova constituição, assumem que o processo constituinte deverá ser condicionado a um referendo aprovado pelo Congresso. Formulada dessa maneira, esta consigna perde sua relevância e se converte em uma mera reivindicação por uma reforma constitucional que, ao realizar-se, ficaria amarrada à institucionalidade do regime de 93, impossibilitando qualquer mudança profunda, a exemplo do que há pouco ocorreu no Chile.

Estes setores da esquerda reformista e da burocracia sindical, junto a novos espaços de organização como o CONULP (Comitê Nacional Unificado de Luta do Peru), realizaram há pouco tempo o chamado “I Encontro Nacional dos Povos e Organizações do Peru”, no qual aprovaram uma série de caracterizações sobre a atual situação política nacional e de acordos sobre o processo de luta que se abre com o 19 de julho. No entanto, este evento, fiel aos métodos levados adiante pela burocracia sindical, ocorreu sem a participação de delegados plenos e eleitos pela base em cada região, assumindo, portanto, um caráter marcadamente superestrutural que não ajudou a preparar de forma adequada a participação massiva da classe trabalhadora e dos setores populares neste novo processo de luta. Como consequência, setores estratégicos da classe operária peruana, como o proletariado do interior do país ou dos setores de serviços de Lima (transportes, portos, entre outros), não se organizaram quanto à possibilidade de paralisação nessa data.

No entanto, o descontentamento da ampla maioria da população com o governo assassino de Dina Boluarte é grande e, mesmo com o apaziguamento das manifestações e ações de protestos após a brutal repressão policial-militar que custou 70 vidas, isto não implica que o governo consiga se legitimar tão facilmente. O ódio contra o governo se mantém latente, e neste 19 de julho poderemos assistir à possível abertura de um novo processo de lutas sociais.

O que há por fazer: impulsionar a unidade democrática das lutas, sustentar um programa e estratégia independentes, fortalecendo a auto organização desde as bases

Diante da política da CGTP, do CONULP e suas diversas frações, assim como da federação mineira, do SUTEP e de outras organizações sociais e sindicais baseados em limitar os protestos, impondo resoluções sem organizar a deliberação das bases mobilizadas, atuando para impedir qualquer forma de coordenação democrática, a Corrente Socialista das e dos Trabalhadores (CST) considera urgente apresentar uma outra política, independente e que tenha como aspiração derrotar não apenas o golpismo de Boluarte e do Congresso, mas também todo o regime reacionário da Constituição de 93.

Frente ao divisionismo imposto pelas mais variadas burocracias sindicais, maoístas ou indigenistas, é urgente exigir de todas as organizações mobilizadas a convocação de um grande encontro de organizações operárias, camponesas, indígenas, estudantis e de todo o povo para, com base em um debate e organização democráticos, determinar não apenas um programa unificado de luta, como também os próximos passos a seguir até cair o regime e o governo golpista. Deste encontro poderia surgir um comando ou comitê nacional de luta, capaz de unificar e centralizar todos os esforços para potencializar a mobilização.

É por isso que a CST rechaça o governo golpista e assassino de Dina Boluarte, já que o consideramos um governo a serviço dos capitalistas e da casta política do Congresso; também porque consideramos que assumiu o poder como consequência de um golpe parlamentar orquestrado pelos setores mais reacionários do Congresso, em cumplicidade com os meios de comunicação, com a Promotoria, com as Forças Armadas e policiais; da mesma forma, é responsável direto pelos 70 assassinatos nas manifestações durante o levante popular de dezembro de 2022 e de janeiro/fevereiro de 2023.

Rechaçamos e condenamos a repressão policial contra os que vêm protagonizando ações de luta em distintas regiões do país, e chamamos o povo e os trabalhadores a que se mobilizem contra este governo, desenvolvendo, neste marco, espaços de auto organização operária, camponesa e popular nos quais se possa batalhar pela implementação de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana como saída política à atual crise.

Apenas uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, nascida da mobilização social e sustentada em espaços de auto organização operária, camponesa e popular, permitirá com que verdadeiramente se expresse a vontade popular. Nela, seus membros poderão ser revogáveis segundo a vontade de seus eleitores e ganharão o salário de um trabalhador médio, pondo um fim aos privilégios dos atuais congressistas e evitando que se transformem em uma casta política apartada das grande maiorias, como ocorre atualmente.

Uma Assembleia Constituinte deste tipo, ou seja, com a competência de intervir e abordar todos e cada um dos grandes problemas nacionais, sem restrições de nenhum tipo e sem a possibilidade de que instituições do regime fujimorista possam vetar ou rechaçar suas resoluções, é uma assembleia que pode permitir às grandes maiorias trabalhadoras e do povo pobre chegar à conclusão de que apenas com um governo das e dos trabalhadores e do povo pobre, se poderá avançar para resolver as grandes demandas quanto ao trabalho, à terra, à saúde, à educação etc.

Abaixo o governo golpista de Dina Boluarte!

Liberdade a todos os detidos e processados por lutar!

Justiça para as vítimas e famílias dos massacres de Cusco, Apurimac, Puno e de todas as regiões!

Por um encontro nacional de todas as organizações em luta para definir, com base em delegados e delegadas eleitos democraticamente, a continuidade da luta!

Por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana; abaixo o regime fujimorista de 93!

Todos às ruas neste 19 de julho!




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