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Conciliação do governo Lula-Alckmin | Reforma tributária mantém privilégios dos mais ricos além de beneficiar a indústria das armas e o aumento da terceirização

A aprovação da reforma tributária pelo governo Lula-Alckmin, realizada em troca dos direitos indígenas na negociação com o agronegócio, beneficia em especial setores industriais de grandes empresários, enquanto mantém a desigualdade estrutural de tributação e concentração de riqueza no país.

Elisa CamposFilosofia - UFMG

sexta-feira 22 de dezembro de 2023 | Edição do dia

Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

O Congresso Nacional promulgou nesta quarta-feira (20) a reforma tributária, que adota um sistema de impostos IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e beneficia em peso as empresas com a redução do Imposto de Renda industrial, sem alterar em nada a desigualdade de tributação em que os mais ricos continuam a pagar muito menos impostos que os mais pobres no Brasil. Ainda, a bancada da bala, constituída pelos setores mais reacionários da extrema direita e do agronegócio, conseguiu diminuir os impostos sobre a produção, comercialização e importação de armas e munições no país, que sempre tem mira certa contra os negros e os povos indígenas. A reforma também contribui para o aumento da terceirização do trabalho, ao devolver inteiramente os tributos sobre a mão de obra terceirizada para as mãos dos grandes empresários.

Após passar pela Câmara e pelo Senado, a proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada no Congresso foi uma expressão cabal da conciliação de classes do governo Lula-Alckmin, com diversos acenos à bancada do “boi, bala e bíblia” e ao centrão na cerimônia. Lula encheu de elogios a mesma casa que derrubou na semana passada os vetos do presidente ao Marco Temporal, que ele mesmo rifou na negociação dos direitos indígenas com o agronegócio para a aprovação da reforma tributária. Estiveram presentes o presidente e o vice-presidente junto ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, além dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, no que Lula chamou de uma “fotografia histórica” do fim do sistema de impostos criado na década de 60, que, entretanto, mantém o mesmo mecanismo de ampliação das desigualdades em que a maior parte dos impostos incide sobre o consumo, e não sobre o patrimônio e a renda.

A desigualdade latente de tributação entre os 10% mais pobres do país e os 10% mais ricos se mantém: se com o sistema anterior os mais pobres pagavam 60% de carga tributária sobre o consumo, enquanto os mais ricos pagavam 16%, agora os mais pobres pagam 48% e os mais ricos 14%. Além de que a reforma mantém intocados o acúmulo de riqueza e a disparidade de renda no país, pois não prevê nenhuma tributação para grandes fortunas, heranças, ou alíquotas mais altas para grandes salários como os que alimentam a casta judiciária do país, aliás pelo contrário. O bloco formado por MDB, PSD, Republicanos e Podemos emplacou uma medida que permite o aumento salarial para auditores municipais e estaduais para poderem ganhar o mesmo que ministros do STF, cujo teto salarial mensal é de R$ 41.650,92.

Não é a toa que grandes rentistas, banqueiros e empresários comemoram a reforma em clima de festa no Congresso. A reforma prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA dual, em que uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). O novo modelo começará em 2026 e será concluído no início de 2033, com um período de transição. Apesar de todo o discurso que a mudança supostamente melhora a vida dos trabalhadores, a realidade é que a tributação de pessoa física muda pouquíssimo, enquanto a indústria é o setor que mais ganha com a reforma, seguida do agronegócio. É um plano que busca otimizar os ganhos financeiros de grandes grupos econômicos, porque a simplificação dos impostos reduz a acumulação dentro da cadeia produtiva, aumentando os lucros de setores empresariais.

As grandes empresas passam a pagar muito menos impostos, com isenções totais para a indústria automotiva, de petróleo e para a indústria química, setores de patrões milionários que possuem grande influência política sobre o centrão. Por exemplo, os tributos sobre aquisição de máquinas e equipamentos, aço, material elétrico, veículos, gasto com combustíveis, mão de obra terceirizada, entre outros, serão inteiramente devolvidos para as empresas. Não é menor que trabalhadores terceirizados estejam na mesma linha que máquinas industriais, visto o aumento da precarização do trabalho que a nova reforma alimenta como combustível para a ausência de direitos básicos para a manutenção dos lucros e privilégios dos grandes capitalistas. Já em relação ao agronegócio, pessoa física ou jurídica com receita anual inferior a R$ 3,6 milhões não terão tributos recolhidos, comparando o pequeno trabalhador rural de subsistência com um produtor milionário, cuja aquisição de tratores industriais e outras máquinas agrícolas também terá isenção total de impostos.

A Câmara também decidiu eliminar a criação de uma cesta básica "estendida" ou ampliada que teria outros produtos, como carnes e itens de higiene pessoal e limpeza. A cesta terá alguns itens básicos com isenção total e alguns itens com alíquota reduzida. Já sobre os jatinhos, que quem aqui escreve arrisca dizer que nenhum leitor deste texto deve ter em sua garagem, se mantém as mesmas exceções de tributação. A verdade é que nenhuma mudança no sistema de tributação pode eliminar a desigualdade proveniente de uma sociedade dividida entre aqueles que vivem de salário e aqueles que lucram com a exploração do trabalho. A reforma tributária é mais um ataque neoliberal do governo Lula-Alckmin e sua política de conciliação, fortalecendo os interesses da burguesia sob as custas dos direitos indígenas e dos trabalhadores. Entra, assim, no rol de mais uma das reformas que não dão nenhuma resposta aos problemas estruturais da desigualdade imperante no cotidiano, cuja transformação só poderá vir mãos dos sujeitos históricos que, ao tudo produzirem, tudo podem transformar: os trabalhadores, independentes de todo tipo de patrões e partidos burgueses, em profunda unidade com os povos indígenas, mulheres, negros e todos setores oprimidos.

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