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Eleições Argentina | A derrapagem da Izquierda Socialista

A Izquierda Socialista (IS), um dos quatro partidos que compõem a FITU, publicou uma declaração e iniciou uma campanha ativa convocando ao "voto crítico" a favor de Massa no segundo turno no domingo, 19, colocando em questão a independência política que caracterizou a Frente de Izquierda desde a sua fundação em 2011. Vamos direto a uma discussão e debate, que vai além de uma mera "tática".

quinta-feira 16 de novembro de 2023 | Edição do dia

Na foto: Rubén "Pollo" Sobrero e Juan Carlos Giordano dirigentes da Izquierda Socialista corrente ligada a CST no Brasil

Uma semana após as eleições gerais, a direção nacional do PTS emitiu uma declaração colocando "à consideração do resto dos partidos que compõem a Frente de Izquierda y de Trabajadores Unidad, com o objetivo de tentar chegar a uma posição comum de nossas organizações e militância". Nela, descrevemos o projeto hiper-reacionário de Milei e colocamos que compreendíamos todos aqueles que votavam em Massa para evitar a vitória deste ultradireitista. No entanto, não concordamos, porque a esquerda não pode oferecer nenhum apoio político ou eleitoral a um líder da embaixada dos EUA que foi responsável por conseguir a legalização no Congresso do nefasto acordo com o FMI, responsável pelo brutal ajuste inflacionário, etc. [1] Nesse contexto, convocamos uma reunião da Mesa Nacional do FIT-U e, em seguida, uma delegação de nossa direção realizou uma reunião com seus colegas da IS. Dias depois, eles publicaram sua declaração, que consideramos muito equivocada.

A Izquierda Socialista [2] intensifica a afirmar que o fascista Milei está avançando em todos os aspectos, inclusive com a intenção de eliminar completamente as liberdades democráticas conquistadas ao longo de décadas de luta. Em vez de propor uma abordagem de frente única operária para confrontá-lo e vencê-lo, a "solução" deles é apoiar o candidato direitista Massa. Ah, isso sim, “com o nariz tapado”

Coerência

Com os companheiros da Izquierda Socialista, temos debatido há vários anos sobre o papel da direita, que eles sempre desvalorizaram.

Desde o surgimento dos governos progressistas na região, que substituíram os governos neoliberais dos anos noventa no início do século, a IS caracterizou-se por considerar que, na prática, havia uma continuidade quase indiferenciada entre os "menemismos" e os "kirchnerismos", sem entender que ambos são partes substanciais do "sistema", mas uns trouxeram a reação neoliberal, e outros vieram para recompor o regime e o poder estatal após levantes populares como os que vivemos na Argentina em dezembro de 2001, muitas vezes com atritos com o imperialismo.

Com essa lógica, embora não tenham chegado ao nível do MST [3], na Argentina de 2008, alinharam-se com as patronais do campo contra o governo de Cristina Kirchner, enquanto, do PTS, denunciávamos esse motim reacionário com total independência do governo kirchnerista. Em relação à Venezuela, a IS chegou a apoiar as mobilizações contra Maduro convocadas pela direita pró-imperialista da Mesa de la Unidad Democrática. "Os que arriscam suas vidas nas ruas não são ’terroristas fascistas’, são a juventude e setores populares que estão se somando massivamente dos bairros pobres que antes foram base social do chavismo", diziam aqui sobre os protestos em Caracas e outras cidades venezuelanas, incentivadas diretamente pelo Departamento de Estado dos EUA. O PTS sempre enfrentou o governo de Maduro, mas a partir de uma posição independente e particularmente anti-imperialista.

Quando, em nosso país, a extrema direita começava a se organizar e a se manifestar por meio de protestos durante a pandemia de 2020, a IS polemizava com o PTS, que saía para denunciá-los, argumentando que "expressam grupos minoritários e não causam impacto entre os trabalhadores". Diziam que "superdimensionar o alcance dessas convocações só serve, na prática, para dar margem ao governo kirchnerista insistir em seu argumento de que, diante do ’avanço da direita’, é preciso apoiá-lo a todo custo".

Desde o surgimento de Milei em 2021, o PTS caracterizou-se por não "naturalizar" suas posições reacionárias, mas combatê-lo em todos os lugares possíveis. Myriam Bregman se destacou no debate dos deputados naquele ano, revelando a natureza ultra-direitista de uma figura que era acariciada por todos os meios, não apenas os de oposição. Nas faculdades e institutos terciários onde aparecem os seguidores de Milei, a juventude de nosso partido convocou frentes únicas para repudiá-los em vista de sua posição de eliminar a universidade gratuita.

É a partir dessa coerência que propomos uma posição independente para o segundo turno do próximo domingo, que parte da rejeição total e absoluta a Milei. Mas não pretendam que a esquerda revolucionária dê apoio político ou eleitoral a um dos mentores de Milei, como é o caso de Sergio Massa.

Incoerência

"É um voto de “nariz tapado” que acompanha milhões na tentativa de impedir que, a partir de 10 de dezembro, tenhamos um governo de extrema-direita liderado por Milei, semelhante ao de Bolsonaro no Brasil", tenta justificar a IS em sua declaração o apoio eleitoral ao ministro da economia. No entanto, assim como Milei não surgiu do nada, Bolsonaro também não.

Bolsonaro não teria chegado ao poder se não fosse pelo golpe institucional contra Dilma Rousseff em 2016 e pelo processo judicial "Lava Jato" que resultou na prisão e proibição do então candidato mais votado, Lula. Mas acontece que a IS não apenas se recusou a denunciar esse golpe, mas considerava "insuficiente" o processo fraudulento da "Lava Jato".

Leiam o que a IS dizia, posição que impediu que houvesse um ato comum do Primeiro de Maio do FIT naquele ano. "Dilma Rousseff foi destituída, acusada de enganar sobre as contas estatais, mas surpreendentemente o Senado decidiu não desqualificá-la (como a Constituição determina ao destituir um presidente), então ela mantém todos os seus direitos políticos e poderia, por exemplo, concorrer novamente nas próximas eleições para presidente ou qualquer cargo." Pediam diretamente sua proscrição aqui. E vejam também isso: "Dilma não é um mal menor, pois lidera um governo burguês, conservador e corrupto [...] a direita reacionária está, com suas nuances, tanto no governo do PT-PMDB, como na oposição [...] Dilma, junto com o PT, PMDB e PSDB, estão juntos na aplicação de um brutal plano de ajuste que busca transferir para o povo trabalhador e a juventude a crise econômica". Esclarecedor (leia aqui).

Aqueles que, por ação ou omissão, capitularam diante do processo que levou o ultradireitista Bolsonaro ao poder, agora vêm aqui dizendo que é preciso votar em alguém que foi apontado como um dos articuladores das listas de Milei, como é o caso de Sergio Massa [4]. Pelo contrário, para o PTS, não era "a mesma coisa" permitir o golpe reacionário institucional do que enfrentá-lo, como fizemos junto com nossas companheiras e companheiros do MRT.

Se Milei ganhar, ocorre uma mudança de regime?

Em uma incursão radial e televisiva em meios e programas que promovem o voto em Massa, Rubén “Pollo” Sobrero, um dos principais referentes públicos da IS e líder combativo da Unión Ferroviaria Seccional Oeste, afirmou que “vou optar por Massa, porque o outro é fascista, e com o fascismo não se discute”. Também dissociou Milei de Macri, argumentando que o primeiro “está fora do sistema”, que é “um nazista”. E foi enfático ao afirmar sem mediações que “eu entendo que se eu for a uma marcha contra o governo e se Massa estiver presente, certamente vão me bater, vão me envenenar com gases, vão me prender... Milei simplesmente vai me fazer desaparecer” (ver aqui). Nos perguntamos, Sobrero está preparando seus colegas da Unión Ferroviaria para formar grupos de autodefesa operária diante de uma ameaça tão grande? Parece que o sindicalismo e o eleitoralismo pesam mais.

’El Pollo’, em nome da IS, busca justificar o apelo para votar em Massa, dando a entender que, com Milei, haveria uma mudança de regime, uma espécie de golpe de estado conquistado pela via eleitoral. E o governo de unidade nacional com a direita promovido pelo atual ministro seria a barreira para evitá-lo, em vez de um apelo à frente única operária para golpeá-los com a luta juntos, como um só punho, mantendo, no entanto, a independência política, sem misturar bandeiras pedindo votos para um representante direto das patronais como Sergio Massa.

Os marxistas compreendem que as mudanças revolucionárias e a eventual contrarrevolução só podem ser definidas por meio de uma luta de classes aberta e não por uma eleição, que, em todo caso, é uma “fotografia”, uma expressão distorcida da correlação de forças existente entre as classes. E muito menos em um segundo turno, onde o vencedor não o faz com votos próprios, mas com os que nas eleições gerais escolheram outras opções.

Sabemos que a burguesia recorre ao fascismo ou aos golpes militares apenas em última instância, para restabelecer sua ordem e arbitragem. Em contrapartida, os líderes da IS sustentam levianamente que se Milei ganhasse no domingo, sobreviria uma noite negra sobre o proletariado e os lutadores à custa da eliminação das liberdades democráticas, mesmo sabendo que hoje a La Libertad Avanza é uma corrente com militância mínima, incapaz até mesmo de realizar uma fiscalização eficiente em uma eleição.

A IS e seus porta-vozes omitem deliberadamente que setores centrais da grande burguesia e o próprio governo norte-americano defendem uma vitória de Massa, já que Milei dificilmente poderia garantir a "governabilidade" necessária para impor novos ataques às massas, maiorias parlamentares, uma Suprema Corte aderente e principalmente o apoio de todas as alas da burocracia sindical, algo que Massa possui.

A pergunta que todo marxista faria é, além dos desejos de Milei, Villarruel e seus lacaios, como poderia haver um golpe ou uma mudança de regime pela direita sem que houvesse uma força social burguesa impulsionando isso decididamente, como ocorreu em 1976?

Sobrero faz campanha para Massa afirmando o que nem o candidato oficial nem ninguém de seu elenco oficial ousaria dizer, justamente na semana em que ficou claro e confirmado que Milei foi promovido pelo próprio massismo, além da aliança que o ultradireitista fez com os "republicanos" Macri e Bullrich, que até ontem, para a Izquierda Socialista, eram "o mesmo" que Scioli ou Cristina Kirchner.

Não há nenhuma possibilidade de defender seriamente as liberdades democráticas conquistadas e conseguir a prisão comum e efetiva para todos os genocidas, apoiando - com o nariz tapado ou destapado - quem é hoje dos melhores representante político da grande burguesia, a mesma que planejou o golpe genocida de 1976. A chave da esquerda revolucionária é marcar a ferro quem são os aliados da classe trabalhadora e quem são seus inimigos, e convocar a mais ampla unidade de classe para golpear juntos na luta, mantendo sempre a independência política de qualquer variante patronal.

Genocídios e genocídios

A declaração da IS levanta algo que temos denunciado - principalmente Myriam em cada oportunidade que tem - há mais de dois anos: Milei e, particularmente, Victoria Villarruel justificam o genocídio da ditadura e defendem a liberdade de todos os genocidas.

A UCR, com a cumplicidade do PJ, impôs uma lei, a Obediencia Debida, que proibiu, por quase 18 anos, que se pudesse julgar 99% daqueles que sequestraram, torturaram, estupraram e assassinaram os companheiros detidos desaparecidos durante a ditadura. O PJ, com o aval de quase todo o atual elenco político oficialista, concedeu indultos aos comandantes em 1990. Essas leis e decretos puderam ser anulados em 2003 graças à luta histórica e persistente das Mães e outros organismos, juntamente com a esquerda e grande parte do povo. Em 2017, o macrismo, junto com a Corte Suprema, tentou liberar os genocidas com a lei do 2x1, uma tentativa fracassada graças a uma mobilização popular extraordinária, da qual fizemos parte.

Como vemos, os antigos partidos e coalizões do regime democrático burguês e suas instituições "normais" não são nenhuma garantia para impedir a impunidade dos genocidas que hoje são defendidos por Villarruel e companhia, algo que a história mostrou que só pode ser alcançado por meio da mobilização popular.

O novo é que, na declaração da IS, apenas de passagem é mencionado que Sergio Massa, como um obediente homem da embaixada norte-americana, apoia incondicionalmente o genocídio que hoje, agora, está sendo perpetrado pelo Estado de Israel sobre o povo palestino em Gaza, como se fosse um ’detalhe’.

Não vamos votar nem naqueles que reivindicam o genocídio argentino, nem apoiar aqueles que, devido ao seu pró-imperialismo, reivindicam o genocídio palestino, mas vamos continuar enfrentando-os nas ruas.

O domingo e depois

Como já mencionamos, Milei não surge do nada. Ele é um produto de 40 anos de governos constitucionais que, em conjunto, só trouxeram mais pobreza, mais precarização, mais desigualdade e mais dependência. Como temos denunciado desde sua posse, o governo de Alberto, Cristina e Massa, longe de enfrentar a direita, deu terreno fértil e pasto para que ele se desenvolvesse como nunca desde 1983.

Os companheiros da IS partem da premissa de que grande parte da "vanguarda" teme e, logicamente, odeia Milei. Essa é a base para chamar a votar em Massa, o que é muito perigoso. Com essa lógica, em 1973, deveríamos ter votado em Cámpora e depois em Perón, e em 1999 em De la Rúa contra Menem, e em 2011 em Cristina, e no segundo turno de 2015 em Scioli... Esse foi o caminho de grande parte da esquerda, que acabou sendo assimilada pelo regime burguês e praticamente desaparecendo da vida política nacional.

Em diferentes programas, Sobrero inexplicavelmente se perguntou: "Se Milei ganhar por 300.000 votos, o que fazemos?", como se a esquerda fosse responsável pelo peronismo ajustador perder 3 milhões de votos em apenas quatro anos. Se Milei vencer, aqueles que devem estar no banco dos réus são os partidos que criaram as condições sociais e políticas para a sua vitória.

Nossa política não é "neutra" nem "morna". Chamamos para combater expressões como as de Milei desde o primeiro momento.

Desde o PTS, afirmamos que a única via para enfrentar fenômenos de ultradireita como Milei – que poderiam crescer ainda mais com governos ajustadores como seria o de Massa se triunfar no domingo – é fortalecer uma alternativa independente dos trabalhadores e trabalhadoras, uma nova força política de esquerda, da classe trabalhadora, anticapitalista e socialista que enfrente os usurários, as patronais e a direita, convocando à frente única operária.

Ganhe quem ganhar no domingo, precisamos nos preparar para a luta nessa perspectiva, para derrotar o ajuste e a repressão, e vencer.

Texto traduzido do La Izquierda Diario


[1Sobre a questão de apoiar ou não politicamente e eleitoralmente um "mal menor" (como seria Massa em comparação com Milei) a partir de uma perspectiva socialista revolucionária, sugerimos a leitura do artigo dos camaradas Gabriela Liszt e Matías Maielo, publicado no semanário Ideas de Izquierda no último domingo.

[2Partido da Argentina irmão da Corrente Socialista de Trabalhadores e Trabalhadoras (CST) no Brasil

[3Sobre o segundo turno, o MST tem uma posição semelhante à do IS, embora de maneira mais constrangida. Eles convocam a votar em Massa sem afirmá-lo explicitamente, assim como o Nuevo MAS. De maneira inusitada, criticam o PTS porque "não disseram que não chamavam a votar em branco" (sic). Se não votamos em Milei, mas também não em Massa, nos perguntamos quais outras opções restariam, se votar em branco, nulo ou não votar.

[4Existem dezenas de exemplos em todo o país de candidatos eleitos pela La Libertad Avanza (coalização liderada por Javier Milei) que respondem diretamente a Massa, como é o caso do senador pela sexta seção da província de Buenos Aires, Sergio Vargas, entre outros





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