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Congresso Nacional | A queda de braço de Lira e os primeiros desafios do governo Lula no Congresso

Quase dois meses depois da recondução de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco como presidentes da Câmara e do Senado, o Congresso ainda não começou a funcionar. Arthur Lira, encorajado pelo apoio unânime do PT ao bolsonarismo, para sua reeleição, desafia o Senado e ameaça o funcionamento do legislativo, testando o alcance do seu poder. O que começa como uma disputa mesquinha em torno do rito de tramitação de medidas provisórias revela rachaduras muito mais profundas

Thiago FlaméSão Paulo

quinta-feira 30 de março de 2023 | Edição do dia

Desde 2001, as Medidas Provisórias, que cumprem efeito de lei imediatamente ao serem promulgadas pela presidência, precisam ser votadas pelo Congresso nacional em até 120 dias ou ficam sem efeito. Essa foi uma das primeiras medidas de limitação do poder do executivo na Nova República, já que antes lhe davam um poder ditatorial, equivalente ao dos presidentes militares com a figura do “decreto-lei”. FHC não aprovou o plano real no Congresso, a não ser muito depois que a nova moeda já estava em circulação. Apesar da limitação, as MPs, mesmo no seu formato atual, mantêm a iniciativa do executivo sobre o legislativo, já que travam as demais votações do Congresso.

Até o início da pandemia, a análise das MPs coube a uma comissão mista e paritária entre Câmara dos Deputados e Senado, iniciar a tramitação das medidas, que posteriormente iam a votação primeiro na Câmara e depois no Senado. Como medida emergencial, a tramitação foi simplificada e passou a tramitar diretamente na Câmara, sem passar por comissão. Sob o pretexto da agilidade, concentrou-se um grande poder nas mãos da presidência da Câmara, em detrimento do Senado. E essa disputa de poderes entre Senado e Câmara está no centro da atual disputa que têm paralisado o Congresso. O Senado, se apoiando na Constituição, defende a volta do rito anterior à pandemia, enquanto Arthur Lira resiste a entregar mais uma cota do seu poder ao Senado, depois que o STF julgou a inconstitucionalidade do orçamento secreto e devolveu ao executivo uma parte do poder perdido.

Na semana que passou, a disputa chegou ao seu clímax, já que Pacheco , que é quem preside o Congresso, depois da impossibilidade de um acordo com Arthur Lira, determinou a volta do funcionamento das comissões. Lira reagiu, abrindo uma guerra contra Pacheco e desafiando os demais poderes da República. Ameaça não votar MPs tão importantes como a que garantiu o bolsa família para 2023 e implodir o pacto de transição. Cheio de si, sobre a possibilidade de uma decisão contrária no STF, disse que “Não é o STF que vai fazer os líderes colocarem matérias na pauta e os deputados votarem”.

Embate entre Senado e Câmara como expressão da crise orgânica

Como disse um indignado Estadão (em editorial da última segunda, 27/03), que até ontem via em Lira o fiador do mercado financeiro na discussão da nova regra fiscal, “O País tem um problema a resolver. O presidente da Câmara, Arthur Lira, vem atuando como se fosse um monarca absolutista, sobre o qual os limites da Constituição não teriam efeito. Perante as leis da República, ele estaria acima do bem e do mal.”

Tamanha indignação se deve ao fato de que não são cálculos estratégicos ou razões de estado e da classe dominante que estão determinando a conduta do presidente da Câmara. A continuidade da crise orgânica também se expressa na disputa entre os diferentes atores do regime, na fragmentação dos blocos parlamentares e no potencial de que os interesses maisbanais paralisem a ação de classe da burguesia.

A ambição de Lira e as disputas provincianas entre ele e o Senador Renan Calheiros pelo poder em Alagoas ameaçam a aprovação de medidas provisórias que foram amplamente costuradas e contam com o apoio consensual de todas as alas burguesas. Foi, inclusive, como parte deste grande acordo nacional que Lira se tornou o presidente da Câmara mais bem votado da história.

Os limites do poder da presidência da Câmara

No embate com o Senado, Arthur Lira também busca testar os limites de seu poder. Sabe que dificilmente vai se impor sobre o conjunto das forças do regime na questão das MPs, mas não está claro até onde pretende levar o impasse atual. Ao mesmo tempo, já ameaça com outras medidas que seriam dores de cabeça para o governo, como a instalação da CPI do MST, reivindicada pela bancada ruralista e pelo bolsonarismo.

Nesta queda de braços, porém, Arthur Lira pode estar passando da correlação de forças e se arrisca a sofrer o contra ataque do Senado, com o apoio do governo e do STF. Acontece que, se os poderes da presidência da Câmara são enormes quando se trata de tratar a ação do executivo, tendem a se esfumaçar no momento de passar para a ofensiva com uma pauta própria.

Quando Rodrigo Maia era o todo poderoso presidente da Câmara, com o apoio do Senado e do STF, impôs sérias limitações ao governo Bolsonaro. Naquele momento vieram à tona uma série de especulações sobre as hipóteses de um parlamentarismo à brasileira, ou algum tipo de combinação semi-presidencialista, que, no entanto, durou pouco. Na medida em que o governo Bolsonaro tomou a iniciativa no Congresso e abriu os cofres para o centrão, deslocou Rodrigo Maia, e abriu espaço para o agora todo poderoso Arthur Lira.

Mas até onde vai o poder do reizinho da Câmara, que ao contrário de Maia tenta se impor não aliado, mas em oposição ao STF e ao Senado, sem contar com o apoio do executivo? Nesse jogo perigoso, Lira pode sair menor do que entrou, mas também criando sérios problemas para o governo. Não se sabe ao certo o tamanho real de sua base de deputados, que ainda não foi testada em votações, mas se calcula que tampouco ele tem peso suficiente para aprovar um projeto de lei. Em breve terá que escolher mais abertamente um lado, ou se alinhará com a oposição bolsonarista e se arriscará a perder o poder acumulado, no enfrentamento ao executivo, ao Senado e ao STF, ou terá que reduzir um pouco suas ambições e o seu preço e se enquadrar no governo Lula/Alckmin.




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